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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/I/X

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Além das aves que se criam em casa, galinhas, patos, pombos, e perus, há no Brasil muitas galinhas bravas pelos matos, patos nas lagoas, pombas bravas, e umas aves chamadas jacus, que na feição e grandeza são quase como perus.

Há perdizes e rolas, mas as perdizes têm alguma diferença das de Portugal. Há águias de sertão, que criam nos montes altos, e emas tão grandes como as da África, umas brancas, e outras malhadas de negro, que sem voarem do chão com uma asa levantada ao alto, ao modo de vela latina, correm com o vento como caravelas, e contudo as tomam os índios a cosso nas campinas.

Há muitas garças ao longo do mar, e outras aves chamadas guarás, que quando empenam são brancas, e depois pardas e, finalmente, vermelhas como grã. Há papagaios verdes de cinco ou seis espécies, uns maiores, outros menores, que todos falam o que lhes ensinam. Há também araras, e canindés de bico revolto como papagaios, mas são maiores, e de mais formosas penas. Há uns passarinhos, que para que as cobras lhes não entrem nos ninhos a comer-lhes os ovos, e filhinhos, os fazem pendurados nos ramos das árvores de quatro ou cinco palmos de comprido, com o caminho mui intrincado, e compostos de tantos pauzinhos secos, que se pode com eles cozer uma panela de carne. Há outros chamados tapéis, do tamanho de melros, todos negros, e as asas amarelas, que remedam no canto todos os outros pássaros perfeitissimamente, os quais fazem seus ninhos em uns sacos tecidos.

Há muitas mui grandes baleias, que no meio do inverno vem a parir nas baías, e rios fundos desta costa, e às vezes lançam a ela muito âmbar, do que do fundo do mar arrancam, quando comem, e conhecido na praia, porque aves, caranguejos, e quantas coisas vivas há acodem a comê-lo.

Há outro peixe chamado espadarte, por uma espada que tem no focinho de seis ou sete palmos de comprido, e um de largura, com muitas pontas, com que peleja com as baleias, e levantam a água tão alta quando brigam, que se vê daí a três ou quatro léguas.

Há também homens marinhos, que já foram vistos sair fora d’água após os índios, e nela hão morto alguns, que andavam pescando, mas não lhes comem mais que os olhos e nariz, por onde se conhece, que não foram tubarões, porque também há muitos neste mar, que comem pernas e braços, e toda a carne.

Na capitania de S. Vicente, na era de 1564, saiu uma noite um monstro marinho à praia, o qual visto de um mancebo chamado Baltazar Ferreira, filho do capitão, se foi a ele com uma espada, e levantando-se o peixe direito como um homem sobre as barbatanas do rabo lhe deu o mancebo uma estocada pela barriga, com que o derrubou, e tornando-se a levantar com a boca aberta para o tragar-lhe deu um altabaixo na cabeça, com que o atordoou, e logo acudiram alguns escravos seus, que o acabaram de matar, ficando também o mancebo desmaiado, e quase morto, depois de haver tido tanto ânimo. Era este monstruoso peixe de 15 palmos de comprido, não tinha escama senão pêlo, como se verá na figura seguinte.

Há uns peixes pequenos em toda esta costa, menores de palmo, chamados majacus, que sentindo-se presos do anzol o cortam com os dentes, e fogem, mas se lhe atam a isca em qualquer linha, e pegam nela, os vão trazendo brandamente a superfície da água, onde com uma rede-fole os tomam sem alguma resistência, e tanto que os tiram fora da água incham tanto, que de compridos que eram ficam redondos como uma bexiga cheia de vento, e assim se lhe dão um coice rebentam e soam como um mosquete, tem a pele muito pintada, mas mui venenosa, e da mesma maneira o fel; porém se o esfolam bem se comem assados, ou cozidos, como qualquer outro peixe. Outros há do mesmo nome mas maiores, e todos cobertos de espinhos mui agudos, como ouriços cacheiros, e estes não vêm senão de arribação de tempos em tempos, e um ano houve tantos nesta baía, que as casas, e engenhos se alumiaram muito tempo com o azeite de seus fígados.

Mariscos há em muita quantidade, ostras, umas que se criam nos mangues, outras nas pedras, e outras nos lodos, que são maiores. Nas restingas de areia há outras redondas e espalmadas, em que se acha aljôfar miúdo, e dizem que se as tirassem do fundo de mergulho achariam pérolas grossas. Há briguigões, amêijoas, mexilhões, búzios como caracóis, e outros tão grandes, que comida a polpa ou miolo fazem das cascas buzinas, em que tangem, e soão mui longe.

Há muitas castas de caranguejos, não só na água do mar e nas praias entre os mangues: mas também em terra entre os matos há uns de cor azul chamados guaiamus, os quais nas primeiras águas do inverno, que são em fevereiro, quando estão mais gordos, e as fêmeas cheias de ovas, se saem das covas, e se andam vagando pelo campo, e estradas, e metendo-se pelas casas para que os comam.

Camarões há muitos, não só no mar como os de Portugal, mas nos rios e lagoas de água doce, e alguns tão grandes como lagostins, dos quais também há muitos, que se tomam nos recifes de águas-vivas, e muitos polvos e lagostas.