História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XI
Posto isto em boa ordem até 20 de novembro, deixou aí Cristóvão Lins, fidalgo, alemão de nação, com os oficiais e gente necessária, e ele se partiu com 85 homens brancos, e 180 índios do nosso gentio, coisa assaz temerária, e que muitos procuravam estorvar com roncas de estarem naus francesas na baía da Traição, e sobre isto alguns lhe começaram em palavras a perder o devido acatamento, e respeito, particularmente um, que se soltou mais do necessário, que já também havia posto o arcabuz nos peitos ao capitão João Tavares, o qual mandou o ouvidor-geral tomar, e à porta do forte, em presença de todos açoutar, que foi gentil mesinha, porque não houve quem mais falasse, e assim partidos todos do forte foram dormir ao Tibiri, e daí no dia seguinte ao Campo das Hortas, onde se juntaram com o nosso gentio, que não levava mais vianda para todo o caminho, que seis alqueires de farinha de guerra, nem os brancos levaram de comer mais que para dois dias, do que sendo advertido o ouvidor-geral respondeu alegremente que o iriam buscar entre os inimigos, que era gente viva, e havia de ter o que comer, e assim se partiram daí até a água que chamam de Jorge Camelo, e depois do sol posto chegaram ao rio Mamanguape, que são grandes oito léguas, e por haver de ir dar em umas aldeias, que estavam da outra parte do rio, antes que os inimigos, que haviam achado atrás na campina, lhes dessem aviso, e se aproveitarem da baixa-mar, o passaram sem ceia à meia-noite, e moídos do trabalho do dia, donde em amanhecendo marcharam com boa ordem e recado até às dez horas, que deram em um grande golpe de gentio, o qual com o seu medonho urro atroou aquela campina, e ribeira, mas os nossos muito contentes de os ver, ainda que fora por ponte de prata.