História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XXIV
Era Gabriel Soares de Souza um homem nobre dos que ficaram casados nesta Bahia, da companhia de Francisco Barreto quando ia à conquista de Menopotapa, de quem tratei no capítulo décimo terceiro do livro terceiro. Este teve um irmão, que andou pelo sertão do Brasil três anos, donde trouxe algumas mostras de ouro, prata, e pedras preciosas, com que não chegou por morrer à tornada, cem léguas desta Bahia, mas enviou-as a seu irmão, que com elas se foi depois de passados alguns anos à Corte, e nela gastou outros muitos em seus requerimentos, até que el-rei o despachou, e se partiu de Lisboa em uma urca flamenga chamada Grifo Dourado a 7 de abril de 1590 com trezentos e sessenta homens, e quatro religiosos carmelitas, um dos quais era frei Jerônimo de Canavazes, que depois foi seu Provincial.
Avistaram esta costa em 15 de junho, e por não conhecerem a paragem, que era a enseada de Vasa-barris, lançaram ferro, mas era tão forte o vento sul, e correm ali tanto as águas, que se quebraram duas amarras, e querendo entrar por conselho de um francês chamado Honorato, que veio à terra com dois índios em uma jangada, e lhes facilitou a entrada, tocou a nau e deu tantas pancadas, que lhe saltou o leme fora, e arrombou, pelo que alguns se lançaram a nadar, e se afogaram nas ondas; os mais saíram em uma setia, que lhes mandou Tomé da Rocha, capitão de Sergipe, e tiraram alguma fazenda sua, e de el-rei, a qual mandou Gabriel Soares de Souza trazer a esta Bahia em a mesma setia com doze soldados, de que veio por cabo Francisco Vieira, e por piloto Pero de Paiva, e Antônio Apeba, vindo ele por terra com os mais em cinco companhias, de que fez capitães a Rui Boto de Souza, Pedro da Cunha de Andrade, Gregório Pinheiro, sobrinho do bispo d. Antônio Pinheiro, Lourenço Varela, e João Peres Galego. Fez também seu mestre de campo a Julião da Costa, e sargento maior a Julião Coelho.
Chegaram a esta cidade, e foram bem recebidos do governador d. Francisco de Souza, que lhe fez dar a execução as provisões, que trazia de Sua Majestade para levar das aldeias dos padres da companhia 200 índios flecheiros, e os brancos que quisessem ir, com os quais se partiu para sua fazenda de Jaguaripe, e aí reformou duas companhias, por Pero da Cunha, e Gregório Pinheiro não querer ir na jornada, e deu uma a João Homem, filho de Gracia da Vila, outra a Francisco Zorrilha. Foram por capelães o cônego Jacome de Queiroz, e Manuel Álvares, que depois foi vigário de Nossa Senhora do Socorro.
Partiram de Jaguaripe, e chegaram a serra de Quareru, que são 50 léguas, onde fizeram uma fortaleza de sessenta palmos de vão com suas guaritas nos cantos, como el-rei mandava que se fizesse a cada 50 léguas.
Aqui fizeram os mineiros fundição de pedra de uma beta, que se achou na serra, e se tirou prata, mas o general a mandou serrar; e deixando ali 12 soldados com um Luiz Pinto Africano por cabo deles, se foi com os mais outras 50 léguas, onde nasce o Rio de Paraguaçu, a fazer outra fortaleza, na qual pelas águas serem ruins, e os mantimentos piores, que eram cobras, e lagartos, adoeceram muitos, e entre eles o mesmo Gabriel Soares, que morreu em poucos dias no mesmo lugar, pouco mais ou menos, onde seu irmão havia falecido.
Foi sepultado na fortaleza, que fazia, com muito sentimento dos seus, e dela se vieram para primeira, que tinha melhores ares, e águas, donde avisou o mestre de campo Julião da Costa ao governador d. Francisco de Souza do que havia sucedido, e ele os mandou recolher a esta cidade.
Vieram pela cachoeira, donde os foi Diogo Lopes Ulhoa buscar, e depois de os ter nos seus engenhos oito dias mui regalados, os mandou nas suas barcas ao governador, que os não recebeu, e proveu com menos liberalidade, gastando com eles de sua fazenda mais de dois mil cruzados.
O intento que Gabriel Soares levava nesta jornada era chegar ao Rio de S. Francisco, e depois por ele até a lagoa Dourada, donde dizem que tem seu nascimento, e para isto levava por guia um índio por nome Guaraci, que quer dizer Sol, o qual também se lhe pôs, e morreu no caminho, ficando de todo as minas obscuras, até que Deus verdadeiro Sol queira manifestá-las.
Os ossos de Gabriel Soares mandou seu sobrinho Bernardo Ribeiro buscar, e estão sepultados em S. Bento com um título na sepultura, que declarou em seu testamento pusesse, e o título é:
Aqui jaz um pecador.
E não sei eu que outra mina ele nos pudera descobrir de mais verdade, se vivera, pois como afirma o Evangelista S. João, se dissermos que não temos pecado, mentimos, e não há em nós verdade.
N. B. — Este capítulo vigésimo quarto foi copiado das adições, e emendas desta História do Brasil de frei Salvador, porém o capítulo vigésimo quarto da dita História, é o que se segue; que nas emendas é o vigésimo quinto.