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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XXVIII

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Jerônimo de Albuquerque, depois que os mais se partiram, se aconselhou com o padre Gaspar de Samperes, da Companhia de Jesus, que tornou ao forte, por ser o engenheiro que o traçou, sobre que traça haveria para se fazerem pazes com os Potiguares, deram em uma facilíssima, que foi soltarem um que eles tinham preso, chamado ilha Grande, principal e feiticeiro, e mandá-lo que as tratasse com os parentes.

Foi o índio bem instruído no que lhes havia de dizer, e chegando á primeira aldeia foi alegremente recebido, mormente depois de saberem ao que ia. Mandaram logo recado às mais aldeias assim da Ribeira do Mar, como da serra, onde estava o Pau Seco, e o Zorobabe, que eram os maiores principais, e todos juntos lhes disse o mensageiro:

“Vós irmãos, filhos, e parentes, mui bem conheceis, e sabeis, quem eu sou, e a conta que sempre de mim fizestes assim ria paz, como guerra; e isto é o que agora me obrigou a vir dentre os brancos a dizer-vos que se quereis ter vida, e quietação, e estar em vossas casas e terras com vossos filhos e mulheres, é necessário sem mais outro conselho ires logo comigo ao forte dos brancos a falar com Jerônimo de Albuquerque, capitão dele, e com os padres, e fazer com eles pazes, as quais serão sempre fixas, como foram as que fizeram com o Braço de Peixe, e com os mais Tabajaras, e o costumam fazer em todo o Brasil, que os que se metem na igreja não os cativam, antes os doutrinam, e defendem, o que os franceses nunca nos fizeram, e menos nos farão agora, que tem o porto impedido com a fortaleza, donde não podem entrar sem que os matem, e lhes metam com a artilharia no fundo os navios.”

Estas, e outras tantas razões lhe soube dizer este índio, e com tanta energia de palavras, que todos aceitaram o conselho, e liso agradeceram, muito principalmente as fêmeas, que enfadadas de andar com o fato continuamente às costas, fugindo pelos matos sem se poderem gozar de suas casas, nem dos legumes, que plantavam, traziam os maridos ameaçados que se haviam de ir para os brancos, porque antes queriam ser suas cativas, que viver em tantos receios de contínuas guerras e rebates.

Com isto se vieram os principais logo ao forte a tratar das pazes; houve pouco que fazer nelas, pelas razões já ditas, donde daí por diante começaram a entrar com seus resgates seguramente, e foi de tudo avisado o governador d. Francisco de Souza pelo capitão-mor de Pernambuco Manuel Mascarenhas, que se foi ver com ele a Bahia, e lhe deu a nova, o qual mandou que as ditas pazes se fizessem com solenidade de direito, como em efeito se fizeram na Paraíba aos 11 dias do mês de junho de 1599, estando presentes o governador da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, com os oficiais da Câmera, e o dito Manuel Mascarenhas Homem com Alexandre de Moura, que lhe havia suceder na capitania-mor de Pernambuco, o ouvidor-geral Braz de Almeida, e outras pessoas; e o nosso irmão frei Bernardino das Neves foi o intérprete, por ser mui perito na língua brasílica, e mui respeitado dos índios Potiguares, e Tabajaras, como já dissemos; pelo que o capitão-mor Manuel Mascarenhas se acompanhava com ele, e nunca nestas ocasiões o largava.

Feitas as pazes cons os Potiguares, como fica dito, se começou logo a fazer uma povoação no Rio Grande uma légua do forte, a que chamam a cidade dos reis, a qual governa também o capitão do forte, que el-rei costuma mandar cada três anos. Cria-se na terra muito gado vacum, e de todas as sortes, por serem para isto as terras melhores que para engenhos de açúcar, e assim não se hão feito mais que dois, nem se puderam fazer, porque as canas-de-açúcar requerem terra massapês e de barro, e estas são de areia solta, e assim podemos dizer ser a pior do Brasil, e contudo se os homens tem indústria, e querem trabalhar nela, se fazem ricos.

Logo em seu princípio veio ali ter um homem degradado pelo bispo de Leiria, o qual ou zombando, ou pelo entender assim, pôs na sentença: Vá degradado por três anos para o Brasil, donde tornara rico e honrado», e assim foi, que o homens se casou com uma mulher, que também veio do reino ali ter, não por dote algum, que lhe dessem com ela, senão por não haver ali outra, e de tal maneira souberam grangear a vida, que nos três anos adquiriram dois ou três mil cruzados, com que foram para sua terra em companhia do capitão-mor do Rio Grande, João Rodrigues Colasso, e de sua mulher d. Beatriz de Menezes, comendo todos a uma mesa, passeando ele ombro com ombro com o capitão, assentando-se a mulher no mesmo estrado que a fidalga, como eu as vi em Pernambuco, onde foram tomar navio para se embarcarem; e toda esta honra lhe faziam, porque, como naquele tempo não havia ainda outra mulher branca no Rio Grande, acertou de parir a mulher do capitão, e a tomaram por comadre, e como tal a tratavam daquele modo, e o marido como o compadre, cumprindo-se em tudo a sentença do bispo, que tornaria do Brasil rico e honrado.

Nem foi este só que no Rio Grande enriqueceu, mas outros muitos, porque ainda que o território é o pior do Brasil, como temos dito, nele se dão muitas criações, e outras granjearias, de que se tira muito proveito, e do mar muitas e boas pescarias.

Nens estão muito longe daí as salinas, onde naturalmente se coalha o sal em tanta quantidade que podem carregar grandes embarcações todos os anos; porque assim como se tira um, se coalha e cresce continuamente outro, nem obsta que não vão ali navios de Portugal / senão é algum de arribada /, pois basta que vão à Paraíba, donde dista somente vinte e cinco léguas, e de Pernambuco cinqüenta, porque destas partes se provejam do que lhe é necessário, como fazem em seus caravelões, e sobre todos estes cômodos foi de muita importância povoar-se, e fortificar-se o Rio Grande para tirar dali aquela ladroeira aos franceses.