Historias de Reis e Principes/VIII
VIII
Duas imperatrizes
A imperatriz Eugenia
A viuva de Napoleão III é a filha mais nova do conde de Montijo, da familia hespanhola dos Guzman, originarios de Granada, e da condessa de Montijo, née Kirk-Patrick, de origem irlandeza.
Sua irmã, a filha primogenita do conde de Montijo, casou aos dezoito annos com o duque d'Alba, descendente dos Stuarts pelo marechal de Berwich. Foi uma das estrellas da côrte de Izabel II. Deixou tres filhos: o actual duque d'Alba, que casou com a filha do duque de Fernan-Nuñez: a duqueza de Tamamés e a duqueza de Medina Cœli, que morreu alguns mezes depois de casada.
Em 1860, a imperatriz Eugenia, estando na Algeria com o imperador, soubera, depois de sahir de um baile, que a duqueza d'Alba tinha morrido. As duas irmãs estremeciam-se, a imperatriz sentira profundamente a morte da duqueza. Pela primeira vez experimentára a imperatriz uma dôr intima; fôra esse, em meio da vida faustuosa das Tulherias, o primeiro golpe da má fortuna.
Até ahi, a existencia de Eugenia de Montijo tinha sido um triumpho ininterrompido de formosura e felicidade, a marcha gloriosa de uma mulher incomparavelmente bella através da vida.
Fôra em 1840, depois dos acontecimentos de Strasburgo, que ella vira pela primeira vez o principe Luiz Napoleão, que entrava preso em Paris. A condessa de Montijo estava então com suas filhas na capital de França, e de uma das janellas da Prefeitura de policia viram, a convite de madame Delessert, mulher do Prefeito, chegar o principe.
A toilette de Luiz Napoleão era n'esse momento simplesmente desastrosa. O official da escolta, vendo-o desprevenido de roupa branca, offerecera-lhe uma camisa que parecia ser de onze varas, não só porque a situação era critica, mas porque, grande de mais para o principe, todo elle era camisa.
Ninguem poderia dizer, porém, n'esse momento, o que annos depois havia de acontecer.
Já Luiz Napoleão era presidente da Republica quando, por occasião de um baile no Elyseu, se encontrou com a condessa de Montijo, e com sua filha Eugenia, condessa de Teba. Foi n'essa noite que principiou o romance de amor. Luiz Napoleão ficou encantado com a bella castelhana.
Apesar de se estar em plena republica, o presidente fizera-lhe a côrte na côrte, porque o presidente rodeava-se de esplendores verdadeiramente realengos. Preparava elle então o golpe d'estado, e dissera a Eugenia de Montijo:
—Estamos em vesperas de grandes acontecimentos, e não quero sujeitar-vos ao perigo das eventualidades. Voltai para Hespanha e, se eu triumphar, convidar-vos-hei a vir occupar o throno da França.
Mademoiselle de Montijo respondera:
—Aconteça o que acontecer, serei vossa mulher. Se as vossas esperanças se mallograrem, viveremos no meu paiz, talvez mais felizes do que no throno da França.
Como se vê, a condessa de Teba respondera precisamente á pergunta... em verdadeiro genitivo amoroso. Voltando a Hespanha, mademoiselle de Montijo levava comsigo um talisman, que era o penhor da sua felicidade futura: um alfinete que representava uma folha de trevo em esmeraldas, contornada de brilhantes.
Tinha sido o premio com que a fortuna a favorecera n'uma loteria organisada pelo presidente da republica em Compiégne. Conservou-o sempre, e só se desapossou d'esse alfinete fatidico depois da morte do principe imperial. Então, vendo desmoronado todo o castello das suas esperanças de mãi, disse um dia, em Chislehurst, á duqueza de Mouchy:
—Considerei toda a minha vida este alfinete como um talisman encantado. Era a minha mais querida reliquia. Não quero que fique abandonado: dou-vol-o como um penhor de felicidade e de terna amizade.
A duqueza de Mouchy nunca mais deixou de trazer o alfinete da imperatriz.
Ascendendo ao throno imperial da França pelo processo que toda a gente conhece, Luiz Napoleão, tres annos depois, em Janeiro de 1853, annunciava aos poderes do estado a sua resolução de casar por amor.
O imperador proclamou no sentido de mostrar a inconveniencia dos casamentos politicos, que serviam menos a estreitar as boas relações internacionaes do que os processos de uma politica leal, que elle, aliás, diga-se a verdade, nem sempre seguiu. A questão do Mexico é uma prova do que affirmamos. Occupar-nos-hemos mais tarde d'este desgraçado acontecimento, quando tivermos que fallar da imperatriz Carlota, a segunda imperatriz cuja biographia bosquejaremos.
A proclamação do novo imperador terminava por estas palavras:
«Venho, pois, meus senhores, dizer á França: Prefiro uma mulher que eu amo e que respeito a uma mulher desconhecida, cuja alliança apenas traria vantagens contrariadas por sacrificios. Sem desdenhar de ninguem, cedo á minha inclinação, mas só depois de ter consultado a minha razão e as minhas convicções. Finalmente, antepondo a independencia, as qualidades de coração, a honra de familia aos preconceitos dynasticos e aos calculos da ambição, não serei menos forte, porque serei mais livre.
«Brevemente, dirigindo-me a Notre-Dame, apresentarei a imperatriz ao povo e ao exercito; a confiança que elles depositam em mim asseguram a sua sympathia por aquella que eu escolhi, e vós, meus senhores, desde que a conheçais, ficareis convencidos de que ainda d'esta vez fui inspirado pela Providencia.»O casamento realisou-se na igreja de Notre Dame a 30 de janeiro d'esse anno.
Uma tradição hespanhola diz que as perolas, com que no dia do casamento se adornam as noivas, virão a converter-se em outras tantas lagrimas.
Eugenia de Montijo não deu importancia a esta tradição, e completou a sua toilette de noiva com um collar de perolas.
A tradição não mentiu d'esta vez.
A imperatriz vendeu o collar, com as suas outras joias, depois da guerra franco-prussiana.
Os imperadores foram viver para o pequeno castello de Villeneuve-l'Etang, que ainda está de pé no parque de Saint-Cloud.
Vinte e quatro horas depois do casamento, os noivos passeavam n'um phaeton, que o imperador guiava, através dos bosques estrellados de neve, que um bello sol de inverno doirava.
Que importava que a neve espelhasse a desolação do inverno, se os corações dos noivos, ardentes de amor e florescentes de esperanças, cantavam o epithalamio das suas nupcias, n'essa melopea intima que é a melodia do silencio!
Eu estou soccorrendo-me de um livro já este anno publicado em França, Souvenirs intimes de la cour des Tuileries. Authora madame Carette, née Bouvet. Madame Carette é neta do almirante Bouvet, e foi distinguida pela imperatriz com muitas attenções por occasião da viagem dos imperadores á Bretanha, em 1858. Mais tarde, madame Carette entrou nas Tulherias como segunda leitora da imperatriz, porque a primeira era a condessa de Wagner de Pons.
No fundo d'este livro revela-se uma pequena vaidade de mulher: a imperatriz fizera reparo na então mademoiselle de Bouvet, quando a viu na Bretanha, por a ter achado formosa.
Um traço final do livro trae um pouco a intenção da authora. Conta madame Carette que em 1865, por occasião da cholera morbus, indo a imperatriz visitar com a sua leitora os hospitaes, lhe dissera, no de Santo Antonio, ao entrar n'uma enfermaria de variolosos:
—Não quero que entreis. Poderieis ficar feia, e ser-me-ia difficil casar-vos.
Revela-se aqui a mulher, Chassez le naturel, il revient au galop.
As recordações de madame Carette teem, é certo, o peccado original da parcialidade fanatica, da dedicação amavel, mas, em compensação, levantam o véo da vida intima das Tulherias, e põem em evidencia alguns factos interessantes do ménage imperial.
Madame Carette não é precisamente uma estylista. Nas Tulherias o seu cargo de leitora era apenas um pretexto. Não teve por isso occasião de cultivar estheticamente o espirito com os primores litterarios de que a França é tão opulenta. Mas escreve com a facilidade e elegancia que são proprias de toda a mulher franceza bem educada.
Sob o ponto de vista da contextura historica, o livro é ás vezes descosido, e outras vezes futil. Mas, descontado o que elle tem de parcial, de frivolo e de truncado, offerece ainda assim um pequeno filão, que se póde explorar com interesse.
Madame Carette, remontando-se a 1858, dá o seguinte retrato da imperatriz:
Durante os primeiros tempos de casada, a imperatriz tivera dois móbitos. A razão de estado fazia com que o imperador desejasse ávidamente um filho.
Quando pela terceira vez a imperatriz se achou gravida, o drama da maternidade, chamemos-lhe assim, ameaçou, durante tres dias e tres noites, um desenlace fatal. Para salvar o filho seria preciso arriscar a vida da mãi. Consultado pelos medicos, o imperador respondeu n'esta dura alternativa:
—Não pensem senão na imperatriz.
Como o momento fôsse decisivo, a obstetricia teve que ser precipitada, o que prejudicou grandemente o organismo da imperatriz. Soube-se isto fóra das Tulherias, e d'aqui nasceu certamente o boato calumnioso de que se não pudera salvar o filho para garantir a existencia da mãi. Disse-se por essa occasião que o principe imperial era uma creança qualquer que o imperador adoptára para acautelar a estabilidade da dynastia. Mas tudo quanto se passou depois, os carinhos da imperatriz para com o herdeiro do throno, a sua dolorosa heroecidade na viagem á Zululandia, quando o joven principe foi morto, provam ainda mais, e melhor; do que as affirmações de madame Carette.
O que é certo é que, depois de tão laborioso parto, a saude da imperatriz ficára muito affectada, a ponto de que sua magestade, segundo o testemunho da sua leitora, ne pouvait se soutenir que grâce à un appareil d'acier, dissimulé sous ses vêtements.
A fim de que a imperatriz podesse fazer a sua toilette o mais commodamente possivel, os vestidos desciam do andar superior por meio de uma especie de montecharge. Este descensor mecanico, e um tubo acustico que communicava com o guarda-roupa, poupavam muito tempo, e incommodo para a imperatriz.
Pois tambem o descensor serviu de cavallo de batalha para a maledicencia dos pamphletarios. Toda a gente sabe como o imperio de Napoleão III foi politica e pessoalmente atacado. Vive ainda a senhora que, alvo de crueis diffamações, se sentava a esse tempo no throno da França. Não está nos meus habitos faltar ao respeito a ninguem, muito menos a uma dama que a desgraça feriu. Mas nem mesma madame Carette se exime a recordar as calumnias que por muitas vezes foram morder o manto da imperatriz.
É visivel a intenção com que madame Carette, referindo-se á princeza de Metternich, embaixatriz de Austria, essa captivante jolie laide que tanta impressão causou em todo o Paris, escreve: «A imperatriz tinha uma grande sympathia por esta mulher seductora, attraía-a a vivacidade do seu espirito e conversava familiarmente com ella quando as circumstancias officiaes e mundanas as reuniam; mas não havia intimidade entre ambas. Com excepção de sua joven prima a princeza Anna Murat, depois duqueza de Mouchy, que a imperatriz estimava muito, nenhuma outra mulher, além das damas de serviço, a menos que se não desse uma circumstancia rarissima, era recebida nas Tulherias sem audiencia.»
Foi o principe de Metternich que no dia 4 de setembro offereceu o braço á imperatriz, que, como se sabe, teve que sahir precipitadamente das Tulherias. Renunciando depois d'isso á vida diplomatica, o principe reside algum tempo em Vienna, com a princeza, ou nas suas terras da Bohemia. Hoje, a encantadora princeza de Metternich, que tanto ruido fizera em Paris, pela graça do seu espirito e pelo esplendor das suas toilettes, que mandava buscar a Vienna ou que encommendava a Worth, o celebre couturier do imperio, tem a cabeça corôada de cabellos brancos, é avó.
Madame Carette, depois de rebater delicadamente a calumnia que o nome da princeza de Metternich lhe suscitára, lembra que a imperatriz gostava de vêr-se rodeada por uma côrte de mulheres bonitas. Ora madame Carette fazia parte da côrte. Ah! nada se deve perdoar tão facilmente a uma mulher bonita como o lembrar-se de que o foi, mesmo quando não o é já!
A côrte das Tulherias, descripta por madame Carette, revela a vida um pouco frivola, e até um pouco mexeriqueira, de todas as côrtes, mas tinha a vantagem de ser, quanto á belleza das damas que rodeiavam a imperatriz, constituida em harmonia com a celebre phrase de Francisco I: uma côrte sem mulheres é um anno sem primavera, e uma primavera sem rosas.
A entourage feminina era numerosa, e gentil. Os lyrios da belleza floresciam nas Tulherias como n'um jardim que a primavera esmalta. Madame Carette esboça o perfil de todas as grandes damas que rodeiavam a imperatriz Eugenia. Faz passar diante dos nossos olhos a viscondessa de Aguado, marqueza de las Marismas, bella e espirituosa, mãi da duqueza de Montmorency, uma mulher elegante que morreu aos trinta annos. A insinuante condessa de Montebello, que tinha sido a amiga intima da duqueza de Alba, e que fôra embaixatriz em Roma, onde brilhára como estrella no corpo diplomatico. Madame de Malaret, de uma rara elegancia de linha. A marqueza de Latour-Maubourg, filha do duque de Trévise, sempre muito ciumenta do marido. Um dia perguntaram-lhe o que ella faria se soubesse que o marido a enganava. Morreria de espanto, respondeu a marqueza. A baroneza de Pierres, que era a mulher da França que montava melhor a cavallo. A condessa de la Bédoyère, uma virtuose distinctissima, que tinha a belleza das mulheres do tempo de Luiz XIV. Viuva em 1869, casou com o principe de Moskowa, porque a sua belleza chegava á vontade para fascinar dois maridos. A condessa de la Bédoyère tinha uma irmã, a condessa de la Poëze, e ninguem como estas duas irmãs possuia em grau mais eminente o que póde chamar-se l'esprit des cours. A condessa de Rayneval, formosissima, não casou nunca: era chanoinesse n'uma ordem da Baviera. Foi ella que serviu de modelo para a Musa, que no celebre quadro d'Ingres corôa a cabeça de Cherubini. A baroneza de Viry-Cohendier, em cujo rosto brilhavam dois olhos, que pareciam carbunculos. A princeza Anna Murat, d'uma belleza loira, fresca, primaveril. A duqueza de Malakoff, o mais puro typo da belleza andaluza. A duqueza de Morny, uma flôr de neve da Russia, colhida pelo duque que alli fôra embaixador, e que representára olympicamente a França na coroação do czar Alexandre II. A duqueza de Persigny, loira como Daphne. A esta pleiade de mulheres encantadoras viera reunir-se, nos ultimos dez annos do imperio, a famosa princeza de Metternich. E occupando o centro d'este systema planetario de bellezas femininas, um sol: a imperatriz.
Havia nas Tulherias um salão azul que a imperatriz quizera dedicar exclusivamente á belleza, povoando-o com os retratos das mais formosas damas da sua côrte. Nas telas que revestiam as paredes, cada dama personificava uma das grandes nações da Europa. A princeza Anna Murat representava a Inglaterra, a duqueza de Malakoff a Hespanha, a duqueza de Morny a Russia, a condessa Walewska a Italia, e no meio de toda esta constellação desenhava-se o perfil da imperatriz sobre um medalhão sustentado por figuras allegoricas.
O incendio das Tulherias, depois da quéda do imperio, carbonisára essas notaveis télas, de que ficaram apenas, aqui, alli, fragmentos indemnes, vestigios d'esses retratos que resumiam toda a graça feminina da França imperial.
De resto a vida das Tulherias agitava-se nas mil intrigasinhas e rivalidades de que as mulheres, ainda que sejam encantadoras, não sabem emancipar-se. Eram frequentes as tempestades n'um copo d'agua. Por exemplo. Um anno, no dia da festa da imperatriz, a 15 de novembro, resolveu-se fazer quadros vivos, reproduzir o Déjeuner champêtre de Watteau. Foi a princeza de Metternich, que tinha uma rara habilidade para este genero de divertimentos, quem ficou encarregada da distribuição dos personagens e dos costumes.
A duqueza de Persigny devia entrar no quadro, mas, não tendo gostado do costume que a princeza lhe distribuíra, declarou que se vestiria a capricho, e que appareceria com os cabellos soltos,—uns bellos cabellos loiros, opulentos como uma floresta.
—Quero, dizia a duqueza, que me vejam o cabello.
—É impossivel! replicava a princeza de Metternich. Isso desarranja o quadro!
A condessa insistia com a terrivel logica que até nos caprichos é um dos poderosos apanagios do seu sexo:
—Nós fazemos isto para nos divertirmos, e a mim diverte-me apparecer com o cabello solto.
—Nada, não! Ou a condessa ha de submetter-se como nós todas, ou não entra no quadro.
Mas a condessa continuou a reagir.
A princeza de Metternich, exasperada, correu ás Tulherias, foi levar ao conhecimento da imperatriz este grave negocio de estado.
A imperatriz sorriu, e aconselhou:
—Deixe lá, princeza. É uma novidade que talvez produza effeito.
—É uma festa estragada!
—Mas, princeza, o que quer fazer? A condessa, de qualquer modo que appareça, ha de ser sempre bonita. Seja indulgente com ella. De mais a mais sabe que a mãi de madame de Persigny está doida?
—Ah! ripostou a princeza. A mãi de madame de Persigny é doida? Pois meu pai tambem o é. Não cederei.
E assim era, realmente. O conde Chandor, pai da princeza de Metternich, que era o melhor sportman da Europa, avariou o cerebro á força de trambolhões com que se vingavam do seu calção audacioso os cavallos insubmissos.
Outro exemplo das mil coisissimas nenhumas que preoccupavam ás vezes a côrte das Tulherias.
A condessa de Wagner, que tinha setenta annos, mas que havia sido uma bonita mulher, appareceu uma vez nas Tulherias com uma cabelleira loira similhante á que a Schneider exhibia na Bella Helena.
Madame Carette desatou a rir quando a viu, e a imperatriz, que n'esse momento sahia do seu gabinete, quiz saber o motivo de tamanha hilaridade. Madame Carette disse-lh'o, e a imperatriz quiz vêr, através de uma vidraça, a cabeça de Medusa da condessa de Wagner. Viu, e tambem desatou a rir. Mas, passado o primeiro momento, ordenou a madame Carette:
—Diga da minha parte á condessa que lhe peço para tirar immediatamente a cabelleira. Que ridiculo para a minha côrte, se se soubesse!
Nem nas altas espheras sociaes o espirito feminino perde a fragilidade pueril que lhe é propria. A imperatriz, que dirigiu muitas combinações politicas, e que para esse effeito era sempre a mulher do imperador, deixava-se enleiar muitas vezes, como qualquer simples mortal, nas espiras d'essas duas serpentes graciosas que se enroscavam nos seus nervos de mulher: o sangue de hespanhola e a frivolidade parisiense.
Sempre que o ciume lhe cravava no coração a garrasinha adunca, apparecia na imperatriz a mulher, e só a mulher.
O imperador que, como sabemos, tivera pela imperatriz uma paixão de Romeu, principiára, dentro da primeira década da vida conjugal, a morder a maçã do paraiso terrestre.
Ora a condessa de Castiglione, filha das primeiras nupcias do marquez de Oldoini, ha pouco fallecido, fizera sensação quando pela primeira vez appareceu n'um baile costumé das Tulherias. A condessa ainda vive hoje. Deve estar velha, como todas as bellas damas d'aquelle tempo, mas a sua belleza era, em 1860, a de uma estatua grega, esculptural, posto que dura.
A imperatriz ardia em ciume por causa da condessa de Castiglione, que conseguiu distanciar da côrte. N'um dos ultimos bailes das Tulherias, em que a imperatriz appareceu em costume de Marie Antoinette,—a imperatriz teve sempre uma viva sympathia pela memoria de Marie Antoinette,—a condessa de Castiglione, que não tinha sido convidada, foi reconhecida n'uma esplendida toilette negra, de viuva, representando Marie de Medicis. A imperatriz, sabendo que era a condessa, mandou-lhe ordem por um camarista para que sahisse immediatamente.
Em 1860, o principe Jeronymo déra uma festa no Palais-Royal em honra da imperatriz, que deslumbrou todos os olhos quando entrou na sala com um vestido de tulle branco e uma grinalda de violetas de Parma, porque a imperatriz fez da violeta a flôr imperial.
Á uma hora da noite sahiam o imperador e a imperatriz, encontrando-se na escada com a condessa de Castiglione.
—Chega muito tarde, condessa! disse-lhe galantemente o imperador.
—Sois vós, sire, que sahis muito cedo! respondeu a condessa.
Póde calcular-se a scena de ciume que se passára dentro do landeau imperial, caminho das Tulherias.
Li ha dois dias um livro de Philibert Audebrand, Un café de journalistes sous Napoleão iii, em que toda a historia dos amores do imperador com a condessa de Castiglione é contada sem refolhos, até com visivel acrimonia, que é a nota predominante de todo o livro.
Essas relações amorosas, segundo Audebrand, chegaram até ao ponto de a imperatriz partir precipitadamente para a Escocia com a duqueza de Hamilton, tendo voltado a Paris só depois da promessa formal do imperador de que romperia com a sua amante.
De passagem, um traço da vida conjugal da condessa de Castiglione. O marido não pudera nunca reconcilial-a com a sogra, a marqueza de Castiglione. Um dia em que ambos sahiram de trem, o conde dera secretamente ordem ao cocheiro para conduzil-os a casa da marqueza. A condessa percebeu a intenção reservada do marido e, descalçando furtivamente os sapatos, no momento de passarem uma das pontes do Sena, atirou-os ao charco.
E, voltando-se para o marido:
—Quero crêr que me não forçarás agora a fazer visitas descalça!
Mas, sempre que os nervos da mulher estavam tranquillos, a imperatriz reapparecia com todos os seus instinctos de interesse dynastico, porque a imperatriz adorava o filho.
Era ella que recolhia e colleccionava cuidadosamente, todos os dias, os papeis politicos do imperador.
—Eu sou, dizia a imperatriz referindo-se á correspondencia das Tulherias, como um rato que apanha as migalhas do imperador.
Toda a correspondencia pôde ser salva, e a imperatriz tem-n'a conservado religiosamente.
Deve ser interessantissima, mas, nas mãos da imperatriz, é uma arma partida. Não é preciso que a doblez dos caracteres se affirme por documentos: essa prova é inutil. Todos sabemos como em todos os tempos e lugares o caracter humano varía com a altura do sol. Mas no occaso da sua grandeza, a imperatriz ainda conseguia encontrar algumas dedicações inabalaveis. Citarei desde já dois nomes: o duque de Bassano, e mr. Rouher.
A imperatriz teve, na politica imperial, uma acção energica. O general Trochu attribue-lhe a desgraçada operação franco-hespanhola do Mexico, que desacreditou o imperio, e a desastrosa guerra de 1870, diante da qual Napoleão III recuava instinctivamente.
Mas, sob o ponto de vista politico, Trochu, apesar de ter procurado defender-se no tribunal do Sena, e n'um grosso volume, que tenho presente, de todas as accusações que o Figaro fizera ao governador de Paris, Trochu, repito, é um pouco suspeito.
A imperatriz viu sempre n'elle um orleanista. Não sei se tinha razão. Mas a impressão que me ficou de todo o livro de Trochu, um enorme volume de mais de 500 paginas, é que a imperatriz foi muito abandonada, na hora do perigo, pelos elementos officiaes que tinham feito a sua carreira á sombra das Tulherias. Só o almirante Jurien se offereceu para acompanhal-a; só madame Mebreton Bourbaki a acompanhou. O maior auxilio recebeu-o de dois estrangeiros: o embaixador de Austria, principe de Metternich, e o embaixador de Italia.
Não admira que a imperatriz, arrastada pelo seu caracter energico de hespanhola, se envolvesse nos negocios politicos. Ha uma phrase sua, que a define. Os prussianos avançavam sobre Paris, o general Trochu parecia desalentado, mas a imperatriz dissera-lhe:
—Eh bien, si les prussiens arrivent, j'irai moi-même sur les remparts, et là je montrerai comment une femme sait braver le danger, quand il s'agit du salut du pays.
Mas as horas do imperio napoleonico estavam contadas.
A Providencia ia ajustar as suas contas, em nome de Maximiliano, com Napoleão III e com o marechal Bazaine, e a imperatriz Eugenia, sobrevivendo a estes dois actores responsaveis da tragedia do Mexico, principiava a vêr cahir do ceu as primeiras sombras da sua longa noite de agonia.
Os aposentos particulares da imperatriz Eugenia, no palacio das Tulherias, compunham-se de uma série de dez salas, que davam sobre o jardim.
Entrava-se pelo salão dos alabardeiros, a guarda nobre da imperatriz, commandados por mr. Bignet, a quem as damas do palacio chamavam jovialmente la trezième dame du palais.
Era o chefe dos alabardeiros que inscrevia os nomes das pessoas que pretendiam ser recebidas pela imperatriz e, se as damas de serviço faltavam, elle proprio dava conta a sua magestade imperial do numero e qualidade das pessoas que solicitavam audiencia.
Bignet era um homem discreto, e muito dedicado á imperatriz; guardava sempre rigoroso silencio sobre as resoluções que a imperatriz lhe communicava, mas as damas da côrte tiravam pelos domingos os dias santos, e penetravam ás vezes os segredos de Bignet.
Por exemplo. A imperatriz não dispensava nunca do seu serviço de meza alguns objectos de estimação, entre os quaes havia uma pequena caixa de chá, de prata dourada, que tinha pertencido a Napoleão I. Quando este elegante objecto não apparecia alguma vez, as damas subentendiam que a imperatriz projectava uma viagem, e que mr. Bignet já tinha preparado as bagagens. Mas a caixa de chá reapparecia, e as damas ficavam sabendo que o projecto de viagem havia sido posto de parte. Bignet acompanhou a imperatriz ao exilio; e morreu em Inglaterra, inconsolavel pela queda do imperio.
Ao salão dos alabardeiros seguia-se a sala das damas, pintada a fresco sobre um fundo verde. O tecto representava uma enorme corbeille de flôres. A mobilia, estylo Luiz XVI, era de madeira dourada com estofos Gobelins. N'esta sala, como o seu nome indicava, estacionavam lendo, conversando, bordando, as damas de serviço.
Passava-se d'este a outro salão, côr de rosa, profusamente ornamentado de flôres: o tecto, representando Flora em triumpho, tinha sido pintado por Chaplin.
O salão rose communicava com o salão azul, a que já tivemos occasião de referir-nos, e cujas paredes eram revestidas pelos retratos das mais bellas damas da côrte, symbolisando as grandes nações da Europa.
Era n'este salão que a imperatriz dava audiencia, destacando-se a sua gentil figura n'uma atmosphera de saphira, que fazia lembrar o firmamento, porque a luz passava através de stores de gaze azul, adaptados ás janellas.
Seguia-se ao salão azul o gabinete da imperatriz. Era ahi que a primeira dama da França lia, escrevia, colleccionava os papeis do imperador, rodeiada de todos os objectos queridos que podiam fallar-lhe ao coração, avivar-lhe uma memoria, despertar-lhe uma saudade.
Forrado de sêda mate, com largas bandas de um verde suave, a mobilia capitonada, as cortinas côr de purpura, as portas de acajú com ferragens de cobre dourado, tal era o gabinete particular, o aposento predilecto da imperatriz.
Sobre o panno principal da parede pendia o retrato do imperador, corpo inteiro, de casaca, pintado por Cabanel. Exactissimo de semelhança. Á esquerda do fogão, um retrato da duqueza d'Alba coberto de gaze ligeira, como sorrindo através de uma nuvem. Entre as janellas, o retrato da princeza Anna Murat, pintado por Winterhalter. E por toda a parte, aqui, alli, mil obras primas do Oriente e do Occidente, uma bella estatua de mulher em marmore branco—A Estrella,—porque tinha uma estrella na fronte e, entre as recordações carinhosas, muitos objectos que tinham pertencido á duqueza d'Alba, e o chapeu, todo crivado, que o imperador levava na noite do attentado Orsini. A pintura tinha, no gabinete particular da imperatriz, um grande dominio. Havia um notavel quadro de Hébert, representando mulheres italianas n'uma fonte subterranea; e um cordão de sêda, pendente da parede, esperára durante algum tempo por um quadro de Cabanel. Mas o pintor demorára-se e, n'um dia de recepção, a imperatriz, conduzindo-o ao seu gabinete, dissera-lhe:
—Esta lacuna contraria-me. Ou me mandais depressa um quadro ou eu vos mando pendurar n'aquelle cordão,—em vez do quadro.
Cabanel tomou em consideração esta jovialidade da imperatriz, e enviou-lhe um primoroso quadro biblico,—Ruth, de tunica azul, coberto o rosto por um longo veu negro.
A imperatriz gostava muito de lêr sentada n'um fauteuil, junto do fogão e contra a luz, com os pés pousados n'uma cadeira mais baixa e inclinada.
Um biombo de sêda verde resguardava-a das correntes da luz e do ar.
Era n'esta posição que a imperatriz escrevia ordinariamente, com uma penna de pato, pondo o papel sobre os joelhos.
Ao alcance da mão havia uma pequena meza com livros, os mais queridos e, não longe, n'uma grande meza aberta, todo o trem de desenho, os pinceis, papel, caixas de tintas, porque a imperatriz tinha grande facilidade para a aguarella.
Seguia-se um outro compartimento destinado a bibliotheca, povoado de obras escolhidas na litteratura franceza, ingleza, hespanhola e italiana, linguas que a imperatriz fallava com destreza. Á mistura com os livros, muitos primores artisticos: Wouwermans de um valor incalculavel. E numerosos retratos, do conde de Montijo, do imperador, do principe imperial, da rainha da Hollanda, da rainha Sophia, etc.
Sahindo-se d'este compartimento, atravessava-se uma ante-camara sem janella, apenas illuminada por uma lampada accesa de noite e de dia. Vinha dar a esta ante-camara, que era o esconderijo dos papeis das Tulherias, a pequena escada que descia directamente para os aposentos do imperador. Todos os papeis, numerados e alphabetados, estavam ahi guardados n'um armario secreto.
D'esta ante-camara passava-se a uma vasta sala, allumiada por tres grandes janellas rasgadas sobre um balcão: era o gabinete de toilette da imperatriz, todo coberto d'espelhos. A meza de toilette tinha guarnições de renda branca e sêda azul. E do tecto descia, por um engenhoso machinismo, a que já tivemos occasião de alludir, o monte-charge que trazia os vestidos de que a imperatriz precisava.
Uma saleta com uma só janella communicava o gabinete de toilette com o quarto de cama, dividido em duas peças por um tabique em que, sobre um fundo de ouro, florejavam pinturas de delicado gosto. Era ahi que estava o oratorio particular da imperatriz, disfarçado, porque o tabique abria em dois batentes, para os actos do serviço divino. Foi n'esse oratorio que o principe imperial commungou pela primeira vez, e que, no dia 4 de setembro de 1870, a imperatriz ouviu missa, pela ultima vez, nas Tulherias.
O quarto de cama era de uma magnificencia verdadeiramente olympica. No tecto, grandes molduras douradas inquadravam antigas pinturas allegoricas. O leito, afofado de ricos estofos, e erguido sobre um estrado, era mais um throno do que um leito.
Reliquias preciosas velavam o somno da imperatriz: a rosa de ouro que lhe enviára Pio IX por occasião do baptisado do principe imperial, e o vaso, tambem de ouro, cheio de folhas e flôres do mesmo metal, finamente cinzeladas, que o Pontifice costumava offerecer aos seus afilhados de baptismo. Além de que, todos os annos, em domingo de Ramos, uma palma abençoada pelo Padre Santo vinha de Roma para o espaldar do leito da imperatriz.
Na côrte das Tulherias havia, como em todas as côrtes, um horario que apenas as grandes solemnidades officiaes faziam alterar.
Jantava-se ás sete horas e meia.
O pessoal de serviço esperava os imperadores no salão Apollo, illuminado por tres grandes lustres, que faziam reverberar o ouro do plafond,—uma glorificação de Apollo com as nove musas.
Este salão ficava entre o branco ou do primeiro Consul, assim chamado por ter um magnifico retrato do general Bonaparte, e a sala do throno, que era preciso atravessar para chegar ao salão de Luiz XIV,—a sala da meza.
Pouco depois das sete horas, o imperador subia aos aposentos da imperatriz, e desciam ambos ao salão de Apollo com o principe imperial, que tinha lugar á meza do estado desde os oito annos. A imperatriz dava ordinariamente a mão ao principe. Entrando no salão, a imperatriz cumprimentava com um sorriso e uma mezura as pessoas da côrte, como n'uma ceremonia official. Logo que o mordomo do palacio se inclinava silenciosamente diante do imperador, annunciando o jantar, o imperador, dando o braço á imperatriz, dirigia-se para a sala de Luiz XIV, e os dignitarios da côrte davam o braço ás damas, seguindo-o.
O imperador e a imperatriz sentavam-se á meza, junto um do outro. O principe imperial á esquerda do imperador, o ajudante de campo do imperador á direita da imperatriz, a primeira dama de serviço ao pé do principe imperial, a segunda dama á direita do general Rolin, seguindo-se os outros commensaes, entre elles os officiaes da guarda das Tulherias.
Por detraz da cadeira do imperador e do principe imperial postava-se um alabardeiro. Por detraz da cadeira da imperatriz, além de mr. Bignet, commandante da sua guarda, ficava Scander, um joven negro, que tinha vindo do Egypto, e que, emplumado e armado, produzia um bello effeito decorativo.
Scander tinha um grande orgulho da sua posição, e não obedecia a ninguem senão á imperatriz.
Um dia passeava elle no Jardim das Tulherias, e lembrou-se de macaquear os gestos e meneios de um desconhecido qualquer, que, não gostando da parodia, o admoestou. Mas Scander respondeu-lhe com um pontapé, e o desconhecido, filando-o por uma orelha, desancou-o com a bengala.
Furioso, mas poltrão, Scander gritava:
—Deixe-me, que eu sou o filho da imperatriz...
O serviço da cosinha era feito por meio de ascensores, e executado com grande regularidade e presteza.
O salão de Luiz XIV tinha uma grande meza, e ao fundo, sobre o fogão, um busto monumental d'aquelle soberano, além de um retrato do mesmo rei, pintado por Lebrun, de um retrato de Anna d'Austria, e de um quadro representando a apresentação do duque de Anjou aos embaixadores hespanhoes.
Depois do jantar, os imperadores dirigiam-se com a sua entourage para o salão d'Apollo, onde se servia o café, que Napoleão III tomava sem sentar-se fumando cigarrilhas.
Era geralmente n'esta occasião que o imperador conversava com os officiaes da guarda. Toda a côrte se conservava tambem de pé, mas o imperador convidava quasi sempre as damas a sentarem-se. Fazia-se então circulo, fallava-se principalmente dos acontecimentos do dia, o marquez de Havrincourt, o barão de Pieres, o duque de Trévise, dignitarios da côrte e deputados, commentavam os episodios da sessão do dia. A imperatriz era a alma, a alegria, a graça d'este circulo de conversação. O imperador acabava por fazer paciencias, e, para entreter o principe imperial, a côrte jogava algumas vezes o loto, marcando o imperador os seus cartões com moedas de 50 centimes, novas em folha.
Oh! ceus! quem havia de dizer, nos tempos aureos do imperio de Napoleão III, que os pamphletarios descreviam como nadando nos prazeres de uma orgia ininterrupta, que ás nove horas da noite, no salão Apollo das Tulherias, estava a côrte, os imperadores á frente, entregando-se paradisiacamente ao patriarchal loto, como a essa mesma hora acontecia decerto, em Portugal, na botica de Castro Daire e no club de Olhão!
Ás dez horas os creados punham, n'uma pequena meza, o serviço de chá, que as damas faziam. Madame Carette escreve textualmente: «Havia um bulle de chá de laranjeira que tinha um grande successo entre os homens, e n'um canto do salão um plateau com refrescos e café gelado. Geralmente o imperador retirava-se depois de ter tomado uma chavena de chá.»
Então a conversação animava-se mais, estimulada pela imperatriz, que a prolongava até ás onze e meia.
Os adversarios do imperio atacaram vivamente as festas das Tulherias, os quadros vivos de Compiégne; aqui tenho eu ao pé de mim Philibert Audebrand, que me diz ao ouvido, applicando-a a Nopoleão III, a celebre phrase de Agnés Sorel a Carlos VII:
—Não se perde mais alegremente um reino!
Mas, fóra das grandes festas, não me parece que o loto das Tulherias, marcados os algarismos com moedas de 50 centimes, seja babylonicamente escandaloso. Um certo conego conheci eu em Braga que, sem ter um throno na Sé, marcava os seus cartões com peças de 8$000 reis, e este mesmo conego tambem não desgostava de quadros vivos porque o vi, passados annos, assistir no Porto a um espectaculo de lanterna magica, realisado pelo Tasso (não confundir com o poeta nem com o actor) no theatro de S. João.
E o que aconteceu?
O conego—Deus o tenha lá!—morreu muito bem descançado na sua conezia. As gazetas nunca fallaram d'elle senão para lhe rezar uma necrologia louvaminheira. Mas Napoleão III perdeu a corôa, o que não aconteceu ao conego, foi descomposto pelas gazetas, crivado de epigrammas, e acabou no exilio.
Quanto a epigrammas, até os proprios parentes lh'os faziam. Lembro-me agora de um, que é do marido da princeza Clotilde, mais conhecido por uma alcunha grotesca.
Na noite do seu casamento com a condessa de Teba, disse-lhe Napoleão III que estava muito constipado.
O primo respondeu-lhe:
—Couche-toi avec tes bas (Tebá) cette nuit, et ça passera.
Foi talvez o unico epigramma que não soube mal a Napoleão III...
Conhece-se, nos seus pormenores, a desastrosa morte do filho da imperatriz Eugenia na Zululandia. Foi esse acontecimento que desfolhou no coração da viuva de Napoleão III o ultimo bouquet das suas esperanças, que ella podéra salvar na revolução de 4 de setembro. Restava-lhe apenas, a prendel-a ao mundo e a ligal-a ao futuro, esse joven principe que sempre adorou, e que bem poderia vir a rehaver um dia o throno dos Napoleões. O desejo de apressar a hora da revanche napoleonica, um sonho de mulher n'uma noite agitada, preparára, com mais precipitação do que acerto, a partida do principe Luiz para a Zululandia. Contou decerto a imperatriz com o effeito vantajoso que poderia despertar no animo enthusiasta dos francezes a noticia de que seu filho se havia batido com denodo, embora por um paiz estranho; e depois, como a Zululandia não estava precisamente na fronteira da França, mas era uma região longinqua da Africa, seria possivel exaggerar um pouco hyperbolicamente os triumphos do principe, sobredoiral-os com o prestigio que a distancia costuma dar ás pessoas e aos factos.
Mas este projecto de rehabilitação politica, que tinha brotado no espirito ou no coração da imperatriz, offerecia perigos que a precipitação da partida não deixou antever. Foram porém os perigos que triumpharam sobre as esperanças. Foi o reverso da medalha, não devidamente estudado, que triumphou sobre o anverso. A catastrophe da Zululandia apagou o ultimo rescaldo do imperio napoleonico, e desde essa hora a imperatriz Eugenia, sem familia, sem esperanças que a prendam á existencia, vendo cahir a seu lado, velhos e doentes, os amigos mais dedicados do imperio, tem assistido, como Carlos V, aos seus proprios funeraes, porque sobrevive a si mesma.
Esta é a ultima phase dolorosa da sua vida, que resgata largamente os erros commettidos durante os dias gloriosos do fastigio do imperio.
Eugenia de Montijo amava ternamente seu filho, que tinha sido educado, ainda que com extremo carinho, na tradição militar de Napoleão I.
Fôra miss Schaw, uma ingleza, que recebêra o encargo de ser a aia do principe, por quem tinha uma dedicação fanatica.
Misturando o francez com o inglez, nunca o tratára senão por My Prince, e o pequeno Napoleão pagava-lhe exuberantemente a ternura com que miss Schaw o tratava.
De tudo quanto eu tenho lido a respeito do principe Luiz, infiro que era uma boa e nobre alma a sua. Não encontrei ainda nota discordante que depreciasse o seu caracter ou amesquinhasse a grandeza fidalga do seu coração.
Um dos jovens amigos do principe foi Luiz Conneau, filho de um medico muito estimado nas Tulherias. A amizade d'estas duas creanças passava ás vezes, como era natural, por pequenas tempestades, amúos infantis, que terminavam sempre por um abraço de reconciliação. N'um dia de banquete official nas Tulherias, a que o principe, em razão da sua idade, não devia assistir, foi-lhe permittido jantar, nos seus aposentos, com Luiz Conneau. O principe, sabendo que o seu amigo apreciava gulosamente um gelado de morango, pedira que lh'o servissem.
O dia, que era de feriado para ambos, havia corrido na melhor intimidade d'este mundo, mas, de repente, uma pequenina dissidencia explodira entre os dois amigos. Luiz Conneau amuou-se, e não houve forças humanas que o podessem deter nas Tulherias. O principe ficou muito sentido com a partida brusca do seu amigo, mas, quando ao jantar lhe serviram o gelado de morango, encheram-se-lhe os olhos de lagrimas, e ordenou ao criado que o servia:
—Leva d'este gelado ao Conneau, e dize-lhe da minha parte que elle foi um ingrato em deixar-me.
Toda a educação do principe Luiz obedecia ao desejo de continuar n'elle a gloria militar do primeiro Napoleão, porque o imperio reconhecia que, em face dos seus inimigos, precisava retemperar-se com a tradição historica.
Aos oito annos, o principe Luiz montava já a cavallo, e quando sobre um bonito poney Bouton d'Or passava revista ás tropas ao lado do imperador, conhecia-se, na sua physionomia radiosa, que o lisonjeava esse bello espectaculo militar, com cujo prestigio haviam deslumbrado a sua imaginação infantil.
Como vestia o uniforme de caporal do primeiro regimento de granadeiros da guarda, tudo se conseguia d'elle, se fazia alguma maldadesinha, dizendo-lhe:
—Ne faites pas cela, Monseigneur; vous deshonoreriez l'uniforme.
E o principe aquietava-se.
Fôra seu mestre de equitação mr. Bâchon, homem alegre, de molde a fazer-se estimar d'uma creança.
Madame Bruat tinha na côrte o elevado cargo de gouvernante des enfants de France, era a preceptora do principe, mas a imperatriz seguia a par e passo a educação de seu filho.
Em 1867, estando a côrte em Biarritz, encontraram-se mãi e filho n'uma situação difficil, nada menos que um naufragio.
Tinha-se planeado um passeio a bordo do Faon, «pequeno aviso» a vapor, e o abbade Bauer, que fôra n'esse dia a Biarritz, quiz ser do numero dos excursionistas. O imperador não gostava de embarcar; não acompanhou por isso a imperatriz e o principe.
A primeira parte da viagem, ate S. Sebastião, correu sem incidente. Mas levantou-se vento, e o commandante do Faon declarou que não poderiam desembarcar senão em S. João da Luz. Por este motivo a viagem teve que ser mais longa do que se esperava, e a noite principiára a cahir. S. João da Luz é um pequeno porto de pescadores, accidentado de rochedos, em que o Faon não poderia atracar. A imperatriz e o principe tiveram que ir para terra n'uma canôa, com o almirante Jurien e o abbade Bauer, mas a força do mar levara a pequena embarcação d'encontro a uma fraga, em que se despadaçou. A imperatriz conservou-se, dentro d'agua, abraçada ao filho, fluctuando com o auxilio de alguns dos marinheiros da canoa. E ternamente dizia-lhe:
—Não tenhas medo, Luiz.
—Não, mamã, respondia o principe. Eu sou Napoleão.
Como era natural que acontecesse, foi o abbade Bauer quem, na opinião dos marinheiros, aguentou a culpa do naufragio.
—Ou não trouxessemos padre a bordo!
A alma do principe Luiz era naturalmente affectiva.
Pela ama que o creára conservou sempre uma dedicação extrema. Até aos oito annos, não queria adormecer sem que lhe pozessem sobre o travesseiro um lenço de sêda da India e um retalho de velludo que tinham pertencido á ama. Era uma superstição de creança. Miss Schaw tinha o maior cuidado em não perder nunca de vista esses dois pequenos objectos tão queridos.
—My prince, dizia ella, serait inconsolable.
A respeito da ama do principe: Como todas as amas, sobretudo quando o são de principes, tinha caprichos, velleidades. Mas como nas Tulherias houvesse uma outra ama para um caso de urgente substituição, intimidavam-n'a dizendo-lhe:
—Se está aborrecida, chama-se a outra.
Era como se se deitasse agua na fervura.
Aos oito annos, a entourage do principe deixou de ser feminina. Deu-se-lhe como preceptor mr. Monier, escolhido ainda segundo os velhos processos da educação principesca. Mr. Monier era um classico obstinado, que atravessava a côrte vergando ao peso da sua erudição um pouco fradesca. Foi substituido por mr. Filon, que dirigiu a educação do principe antes e depois da sua entrada na escóla militar de Woolwich.
Tendo cahido o imperio, o principe continuou o seu curso n'esta escóla, onde os condiscipulos o tratavam familiarmente por Luiz. Completos os estudos militares, foi residir com a imperatriz em Camden-House. Levantava-se ás seis horas da manhã, tomava uma chavena de chá, e abancava no seu gabinete d'estudo, até ás dez horas, com mr. Filon.
Em seguida dava um passeio a cavallo, com excepção dos dias em que acompanhava a imperatriz, a pé, através de Chislehurst-Common, á pequena igreja gothica de Saint-Mary. Ao domingo todas as attenções se fixavam na mãi e no filho que iam juntos ouvir missa. A imperatriz já então principiava a soffrer de rheumatismo articular; e o principe carinhosamente a ajudava a descer da carruagem, amparando-a nos braços.
Em 1887 publicou-se em Paris, assignado por Charles de Bré, um livro que se intitula Le roman du prince impérial. Supponho que com razão se denomina romance. Eu nem acredito na versão do padre Goddard, que, fallando do principe morto na Zululandia, dizia Virgo intacta, nem acredito na historieta, contada por De Bré, dos seus amores com miss Carlota Walkyns, que, segundo o romance, houvera do principe um filho, que está em França a educar.
Conta De Bré que as entrevistas do principe com miss Carlota se realisavam no magasin de mr. Floris, em Jermin street n.º 80, e que ella ignorára durante muito tempo a alta posição social do seu joven apaixonado.
Fôra por occasião do casamento do duque de Norfolk com lady Hastings que miss Walkyns tivera a revelação d'esse segredo, porque até ahi, como dissemos, ella desconhecia completamente a condição d'esse moço estrangeiro, que vira pela primeira vez na estação de New Cross.
Mas, no dia do casamento do duque de Norfolk, miss Walkins surprehendêra o seu bem amado a conversar familiarmente como o conde de Beaconsfield, e esse facto impressionou-a vivamente.
Parece que a imperatriz alimentava o projecto de casar o principe imperial com a princeza Beatriz, filha da rainha Victoria, mas por sua parte o principe imperial alimentava a esperança de desposar miss Carlota, casando por amor, como seu pai.
O romance de Carlos De Bré foi contestado por algumas folhas imperialistas, e, se assentasse n'um facto verdadeiro, esse facto teria tido em toda a Europa uma notoriedade insistente. Não aconteceu assim. O livro passou inspirando geral desconfiança sobre as affirmações que aventava, e eu persisto em consideral-o mais como uma especulação de livraria, protegida nos seus intuitos mercantis pelo nome de um principe desventuroso, do que como a expressão exacta da verdade.
Do supposto filho do principe Luiz nunca os jornaes francezes nos tornaram a fallar, e não é natural que a imprensa de Paris, tão ávida de reportage, abandonasse esse rico filão de noticiario.
Com este artigo, que chega até á vida actual da imperatriz Eugenia no melancolico retiro de Chislehurst, fechamos por agora a sua biographia.
Nas paginas seguintes occupar-nos-hemos da imperatriz Carlota do Mexico, que ha tantos annos envelhece na demencia com que os seus incomportaveis soffrimentos lhe obumbraram o cerebro.
A posição social aproxima estas duas illustres damas, ambas viuvas de imperadores. Mas ha uma differença profunda entre ellas. Eugenia de Montijo teve o seu dia de ruidosa gloria, viveu largos annos dominando a Europa na côrte mais faustosa dos tempos modernos. A imperatriz Carlota não conheceu nunca senão o conchego intimo do seu ninho de amor conjugal no castello de Miramar, e a sua passagem pelo imperio do Mexico foi uma agonia em que principiou por perder a coragem e acabou por perder a razão.
A historia do imperador Maximiliano e da imperatriz Carlota parece moldada sobre a tradição biblica de Adão e Eva no paraizo terreal.
Todas as delicias da creação se accumulavam no éden n'aquella primitiva profusão de luz, de aromas, de flôres, de musicas, que, exuberantemente creadas, irrompiam ainda em tumulto desordenado, á espera da lei reguladora da existencia terrena. Todas as maravilhas paradisiacas, pujantes de vida, deviam ser eternas e imperturbaveis, e Adão e Eva, dominando, n'uma felicidade virginal, a esphera crystallina onde o sol ensaiava timidamente o primeiro vôo das suas azas de ouro, deviam viver eternamente n'uma felicidade casta e perenne. Mas a tentação viera, perfida serpente, espiralar-se na arvore do bem e do mal, enroscando-se no tronco, colleando para a fronde d'onde pendia o pomo prohibido, prematuramente sazonado pela intensidade do sol e pela força creadora da terra. Então o par ditoso, cuja felicidade devia ser absoluta e immutavel, attrahido pela cupidez da serpente tentadora, disputou-lhe o pomo, colheu-o, provou-o, e, julgando ter vencido a serpente, viu-se de subito vencido por ella. Desde essa hora foi marcado um limite terrivel á felicidade humana, a existencia tornouse ephemera e dura, e tudo quanto havia nascido para viver foi condemnado a viver para morrer.
O paraizo terreal de Maximiliano e Carlota era o castello de Miramar, a uma legua de Trieste, erguido sobre um promontorio pittoresco, que só avistava a pureza lucida do ceu infinito e a pureza cerulea do mar immenso. Nunca o vôo de uma ambição havia cortado o horisonte luminoso do firmamento e do oceano, nunca a aza de um sonho audacioso havia posto um traço negro no espelho nitido das aguas e do ar.
O archiduque Maximiliano, commandante da marinha austriaca, era um homem do mar, que, comquanto houvesse viajado desde o Oriente ao Occidente, desde a Asia Menor a Portugal, amava a solidão tranquilla, a concentração placida e meditativa a que a natureza, em pleno mar, convida o espirito. Um dia, encantado pelo aspecto do promontorio que, a pequena distancia de Trieste, parecia um throno de granito franjado de espumas, escolheu-o para construir ahi uma pequena cabana de pescador, emboscada n'uma florestazinha de plantas exoticas, que o sol não tardou a fazer germinar.
Desposando em 1859 a princeza Carlota, da Belgica, o archiduque Maximiliano pôde, graças ao dote que lhe trouxera a filha do velho rei Leopoldo, traçar por sua propria mão o projecto de um castello que nascia da cabanazinha florida como a opulenta cabaia de sêda de um rajah nasce da folha verde da amoreira.
O archiduque era apaixonado pela architectura; fôra elle que desenhára o risco da famosa igreja Votiva de Vienna; póde pois calcular-se com que alegre e dedicado enthusiasmo veria ir apparecendo, debaixo do seu crayon, as torres denticuladas do futuro castello de Miramar.
Mais feliz do que a snr.ª Porhoet, do Romance de um rapaz pobre, cuja velhice era alimentada pela phantasia de fazer edificar uma cathedral estupenda, o archiduque vira realisado o seu sonho, e o castello de Miramar fôra nascendo á beira do oceano, avultando, subindo, fazendo lembrar a lenda do rei de Thule e da
... torre herdada que havia
ao rés das marinhas aguas.
Emquanto o castello de Miramar se edificava, o archiduque fôra habitar um chalet que provisoriamente tinha mandado construir no alto da collina, e que para os dois felizes esposos se convertêra n'uma estancia encantada, que a madresilva cingia n'um abraço de verdura e de flôres, e envolvia na atmosphera inebriante de um beijo de perfume. O archiduque gostava immensamente de flôres, de modo que os jardins de Miramar, que vieram a contornar o palacio, pareciam realisar o sonho de um poeta que, como Castel ou Lacroix, vivesse para cantal-as.
Fôra no chalet da collina que o archiduque, mesmo depois de edificado o castello, permanecêra sempre com a archiduqueza; nas salas do castello recebia elle os homens de lettras, os artistas, os sabios, os principes que procuravam a sua companhia, que uma illustrada conversação e uma sumptuosa hospitalidade tornavam appetecida.
N'este paraizo terreal, n'este éden do Adriatico, insinuára-se um dia a serpente da ambição, e a França, personificada em Napoleão III, fôra o espirito do mal que se transformára em serpente para realisar a tentação do par feliz de Miramar.
Os mais dedicados amigos do imperio de Napoleão III não podem dissimular as responsabilidades que pesam sobre a memoria do imperador na desgraçada questão do Mexico. Madame Carette, que pertence a este numero, não achou meio de desculpar essa fatalidade do imperio, que veio a chamar-se a expedição do Mexico.
«É bem difficil, diz ella, encontrar o fio subtil de toda esta aventura, em que tanta gente se enleiou e arruinou, que custou tantas victimas e tanto dinheiro, que teve por desfecho o fatal drama de Queretaro, e que foi talvez a origem dos acontecimentos que precipitaram a quéda do imperio.»
Como nasceu no espirito de Napoleão III a desastrosa idéa da intervenção da França nas questões internas do Mexico? Como, e por quê?
O que até ha pouco tempo se sabia, e logo voltaremos ao assumpto, era que algumas familias mexicanas e alguns membros das colonias estrangeiras emigraram para a Europa fugindo ás continuadas perturbações politicas d'aquelle paiz. Essas familias, muitas das quaes vieram estabelecer-se em Paris, pensavam decerto em voltar á patria, e manobraram n'esse sentido, auxiliadas pelos estrangeiros repatriados que levaram os seus respectivos governos a realisar uma conferencia internacional em Londres. Accordou a diplomacia em pedir indemnisações para os emigrados, mas o governo mexicano, à bout de ressources, declarou que não podia pagar o que lhe era exigido.
As potencias interventoras, a França, a Inglaterra e a Hespanha, julgando-se desconsideradas por esta resposta do Mexico, combinaram entre si fazer uma demonstração energica que impozesse o exacto cumprimento das deliberações tomadas na conferencia de Londres.
Foi o almirante Jurien de La Gravière que, com poderes discricionarios, tomou o commando da expedição franceza, aggregando-se-lhe, como adjunto technico, mr. Dubois de Saligny, antigo ministro no Mexico, que devia occupar-se do contencioso. A esquadra hespanhola já estava fundeada em Vera-Cruz quando a esquadra franceza lá chegou. A Inglaterra, reconhecendo talvez o erro politico d'esta aventura, enviou alguns navios com visivel hesitação.
Os mexicanos, concentrando-se logo que os hespanhoes chegaram, deixaram-n'os como que isolados n'uma vasta zona do littoral. Foi pois n'um deserto que a expedição franceza desembarcou, posto que o governo do Mexico manifestasse uma certa sympathia pela expedição franceza, considerando-a como um obstaculo a quaesquer demasias dos hespanhoes, antigos occupadores e, portanto, antigos inimigos dos mexicanos. Assim, pois, pôde o almirante Jurien assignar uma convenção que permittia aos francezes o internarem-se em condições favoraveis de hygiene e abastecimento, com a clausula de que, se as hostilidades se rompessem, retrocederiam para o littoral.
É n'este ponto que começa a urdir-se uma vasta rêde de intrigas.
O general Prim, commandante da expedição hespanhola e casado com uma senhora de origem mexicana, parecia aspirar, protegido por Serrano, á realeza do Mexico. Mr. de Saligny, estomagado pela sua posição secundaria, escrevia para Paris cartas sobre cartas queixando-se da prudencia com que procedia o almirante Jurien. A França, dando ouvidos a mr. de Saligny, enviava novos reforços, e, como adjunto do almirante Jurien, o general Lorencez. Mas a Hespanha, picada pela supremacia que a França pretendia accentuar, retirou a sua esquadra, e a Inglaterra, que tratava de procurar um pretexto, fez o mesmo. Ficou a França isolada, desde esse momento, na questão do Mexico.
Seria fastidioso enumerar n'uma chronica fugitiva todos os pormenores que occorreram até ao dia em que o general Forey tomou o commando do exercito francez, e alcançou sobre as guerrilhas mexicanas de Juarez alguns faceis triumphos militares.
Foi então que Napoleão III teve o sonho de realisar a transformação politica do Mexico para contrabalançar na America a influencia dos Estados-Unidos, e que obedecendo aos manejos da França, uma deputação mexicana, em outubro de 1863, chegava ao castello de Miramar a fim de offerecer a corôa imperial do Mexico ao archiduque Maximiliano.
Napoleão III tomára o compromisso de conservar no Mexico, durante tres annos, um exercito de vinte e cinco mil homens, commandado pelo general Forey, succedendo-lhe Bazaine, que tinha feito toda a campanha como commandante da 1.ª divisão; e o Mexico o de pagar immediatamente sessenta milhões de francos a titulo de indemnisação de guerra, e mais vinte e cinco milhões por anno, para o que foi levantado nos bancos da Europa, por emprestimo, o dinheiro necessario, sob garantia do governo francez.
Esqueçamos por um momento a desditosa imperatriz Carlota, para, como promettemos, indicar o mais que se tem averiguado sobre as razões politicas que determinaram a intervenção da França.
Uma das ultimas novidades litterarias, que lograram maior successo, é com certeza o livro de Paul Gaulot: Rêve d'empire.
Este livro occupa-se da famosa questão do Mexico, o ephemero imperio de Maximiliano, e basêa-se em documentos inéditos. D'aqui o seu principal interesse: um clarão de revelações, importantes e novas, illumina as trezentas paginas d'esta brochura que tem já terceira edição, comquanto haja apparecido ha poucos dias.
Envolvia-se até hoje nas sombras de um tal ou qual mysterio a causa da intervenção da França na questão do Mexico.
Presumia-se que Napoleão III tivera em vista dar um golpe mortal nos Estados-Unidos, mas o que não passava de uma hypothese adquire agora, graças ao livro de Paul Gaulot, fóros de certeza.
É comtudo certo que, apesar de conhecida, a intervenção de Napoleão III, a intervenção da França na questão do Mexico não perde completamente o caracter de uma aventura perigosa, e um pouco phantasista.
Conta-se que n'um serão das Tulherias, em 1868 ou 1869, a familia imperial passára a noite jogando aux petits papiers. N'um dos papelinhos, que coube em sorte ao imperador, lia-se a seguinte pergunta: «Qual é a vossa occupação favorita?» Napoleão III respondeu: «Procurar a solução de problemas insoluveis».
Esta phrase define até certo ponto o espirito do imperador dos francezes, sempre propenso á aventura, sempre enthusiasta de emprezas arrojadas ou, se antes querem, um pouco visionario na politica.
Girando em torno da phrase escripta por Napoleão III, Paul Gaulot lembra que na sua mocidade o futuro imperador dos francezes fôra filiar-se nas sociedades secretas d'Italia; que, sendo elle o representante da idéa napoleonica, isto é, do principio d'authoridade, duas vezes tentou derrubar o regimen estabelecido; que, subindo ao throno, deteve a acção da Russia no Mar Negro e no Mediterraneo, sem comtudo querer que a Inglaterra ficasse senhora d'esses mares; que combateu a Austria para permittir á Italia que realisasse a sua unidade, impedindo-a porém de attingir este ideal politico porque elle proprio protegia a conservação dos Estados da Igreja; que, finalmente, se lançou na expedição do Mexico para contrariar os Estados-Unidos, sem todavia querer declarar a guerra a esta potencia; que, nos ultimos annos do seu reinado, tentou unir ao regimen imperial o regimen parlamentar, abrindo pessoalmente uma brecha na cidadella que tinha construido desde 1848.
Estes sonhos ousados, e por vezes contradictorios, constituiam o caracter phantasista de Napoleão III. Como elle mesmo disse, o seu destino parecia consistir em procurar a solução de problemas insoluveis.
«O pensamento que guiou Napoleão III no negocio do Mexico, diz Paul Gaulot, era grande, generoso e politico.»
Qual fosse esse pensamento, dil-o tambem Gaulot, confirmando de uma maneira nitida a hypothese, até hoje vagamente formulada, de que elle pretendia ferir a republica norte-americana.
«Sobresaltado pelo immenso desenvolvimento que tinham tornado os Estados-Unidos, depois que com o auxilio dos francezes haviam sacudido o jugo da Inglaterra e conquistado a independencia, o imperador previa nos destinos de uma nação, que não tinha cem annos de existencia e que já possuia a supremacia no seu continente, uma ameaça e um perigo para o mundo antigo.»
Pensava Napoleão que a Europa viria a ser esmagada pela concorrencia, especialmente agricola e industrial, da florescente republica do norte da America.
Os Estados-Unidos estavam novos, vigorosos, ricos, e a sua acção, encaminhada para a Europa, viria tolher o passo ás grandes nações europêas.
O momento pareceu azado a Napoleão para intervir. O sul dos Estados-Unidos estava em guerra com o norte. Pensou pois Napoleão III que não poderia ageitar-se melhor occasião para estabelecer, n'aquelles estados, uma scisão definitiva, e formar no Mexico um grande imperio latino, que supplantasse a republica americana, fraccionada e dividida.
Este foi, portanto, o pensamento, embora arrojado, exequivel, do imperador dos francezes.
A seu lado, nas Tulherias, a imperatriz Eugenia animava o plano audacioso de Napoleão III, não tanto por previsão politica como por sentimentalidade. Os exilados mexicanos iam levar ao conhecimento da imperatriz os seus desgostos e as suas lagrimas, pedir protecção e auxilio. Fallavam-lhe em hespanhol, a lingua patria da imperatriz, que decerto lhe avivava saudosas recordações de infancia, predispondo-a á benevolencia. Membros do partido clerical, os exilados identificavam a sua causa com a da religião e do clero, attrahindo assim o espirito catholico da imperatriz, captando-o sentimentalmente.
No seu exaggero partidario, os exilados diziam que tudo se conseguiria com um simples passeio militar, e que o Mexico e a religião ficariam devendo á França uma gratidão eterna pelo restabelecimento da paz interior.
De mais a mais os antecedentes historicos favoreciam a propaganda dos exilados.
O antigo imperio do Mexico contára treze monarchas astecas desde a sua fundação até á conquista hespanhola.
Depois, durante a laboriosa gestação da independencia, o Mexico fôra governado por vice-reis, seguindo-se-lhe o ephemero imperio do general Iturbide, de modo que a formula monarchica encontrava, em seu favor, uns restos de tradição.
Á frente do partido que desejava o restabelecimento da monarchia estava Gutierrez de Estrada membro de uma familia illustre, o qual, sendo ministro dos negocios estrangeiros, em 1840, tinha escripto uma carta ao presidente da republica, Bustamante, propondo-lhe, como solução ás crises incessantes que desolavam a patria, a constituição de um governo monarchico.
Esta audacia acarretára-lhe a proscripção.
Gutierrez de Estrada viera refugiar-se na Europa, cada vez mais exaltado na sua propaganda.
Em 1854 subira á presidencia da republica o general Sant'Anna, que commungava as mesmas idéas politicas de Gutierrez, e que lhe dera plenos poderes para tratar, nas côrtes de Paris, Londres, Vienna e Madrid, a questão do restabelecimento da monarchia no Mexico.
Gutierrez de Estrada dirigiu-se então ao duque de Montpensier, que declinou o offerecimento.
O presidente Miramon, successor de Zuloaga em 1859, confirmou o mandato dado por Sant'Anna a Gutierrez, e foi n'este momento que Napoleão III, informado do que se passava, chamou a attenção de Gutierrez para o archiduque Maximiliano.
Gutierrez acceitou com enthusiasmo esta indicação do imperador, tanto mais que uma antiga convenção do Mexico, conhecida pela designação de Iguala, e datada de maio de 1821, estabelecia que se adoptasse o principio da monarchia constitucional, e que se offerecesse a corôa aos infantes de Hespanha, irmãos do rei Fernando VII, e, no caso d'estes recusarem, ao archiduque Carlos d'Austria.
Portanto, apresentar a candidatura de Maximiliano era, de algum modo, fazer reviver uma tradição antiga.
Aqui estão, succintamente historiados, os fundamentos da intervenção da França na questão do Mexico.
D. Gutierrez de Estrada, presidente da deputação mexicana que foi a Miramar offerecer a corôa imperial ao archiduque Maximiliano, dissera-lhe:
—Vimos pedir a vossa alteza que se digne subir ao throno do Mexico, aonde vos chamam os votos de um paiz ha longo tempo dilacerado pela guerra, pois que possuis o segredo de conquistar os corações e a sciencia difficil de governar.
O archiduque respondeu:
—Que accedia aos desejos do povo mexicano, ao qual daria um governo liberal e constitucional, e que mostraria que a liberdade é compativel com o regimen da ordem.
Em seguida a esta troca de pequenos discursos, houve permutação de juramentos sobre o Evangelho: o imperador jurou fazer a felicidade do Mexico; D. Gutierrez, em nome do Mexico, jurou fazer a felicidade do imperador.
Como são falliveis e fallazes, tantissimas vezes, estes juramentos solemnes, cuja realisação não depende dos homens, que os fazem, mas apenas de Deus, que possue o segredo do futuro!
Maximiliano fiou mais de Napoleão III que d'essa mysteriosa força reguladora dos destinos humanos, que uns chamam Providencia, outros Acaso.
O deus das Tulherias promettia protegel-o, e tanto bastava n'uma época em que Bismarck não monopolisava ainda a direcção politica da Europa. De mais a mais, havia ao lado de Maximiliano uma gentil mulher que o amava, e que se ufanava de que o marido podesse cingir a cabeça com a corôa de um novo imperio, de que elle viria a ser o creador ostensivo.
A serpente da tentação silvára o perfido hymno, que já tinha sido escutado por Eva no Eden. E, pondo os olhos nos sonhados deslumbramentos do futuro, o par ditoso de Miramar começou a esquecer o seu dôce passado desambicioso, o chalet florido da collina, as salas tranquillas do castello, o mar azul, que, mais leal do que o povo mexicano e que o imperador dos francezes, nunca lhe tinha suggerido a idéa de uma aventura perigosa.
O dia da partida chegára, a fragata austriaca Novara e a fragata franceza Thémis fundearam no porto de Trieste, todo um enxame de archiduques e archiduquezas concorrêra ao bota-fóra, o burgomestre, em nome dos habitantes da cidade, significára ao novo imperador a viva saudade que elle deixava, e Maximiliano, abraçando o burgomestre, sentira os olhos inundados de lagrimas, e o coração atormentado por um vago presentimento de desgraça.
—Parece-me que não voltarei mais! dissera o imperador.
Mas a salva festiva de cem tiros, no momento em que o imperador embarcava, viera suffocar as suas palavras. A Novara, desfraldando as côres do Mexico, esperava baloiçando-se. As archiduquezas atiravam, na ponta dos seus finos dedos patricios, beijos alados que iam, adejando, procurar a face da imperatriz. Os archiduques acenavam ao imperador com os seus lenços brancos, que fluctuavam como outras tantas azas de garça. A multidão seguia com um olhar attento, curiosamente interessado, todo esse extraordinario movimento de bateis que ondulavam em torno da Novara. E no chalet da collina de Miramar,—o dôce ninho de amor agora solitario—a madresilva chorava em lagrimas de perfume insinuante o abandono em que a deixavam os dois ingratos coroados. E o castello, na grandeza lutuosa das suas ameias, parecia comprehender as lagrimas da madresilva saudosa, e responder-lhe agoirentamente: «Como é louca a ambição! como é cega a cobiça!»
A Novara, seguida da Thémis, levantou ancora, e de pé, no tombadilho, tanto quanto os oculos de longa vista podiam abranger, Maximiliano, immovel como uma estatua, voltado para Miramar, devorava com os olhos o seu bello castello solitario.
Com a prôa na Italia, a Novara navegava desfraldando a bandeira do Mexico.
Maximiliano queria desembarcar em Italia para ir a Roma. Fazer o quê? Regular questões religiosas do Mexico, disse-se então. Pedir ao Padre Santo que abençoasse uma empresa aventurosa, porque não? As almas apprehensivas, como a sua, precisam, nos lances arriscados, procurar na fé um ponto de apoio, quando a esperança lhes sorri duvidosa.
Mas em Roma um aviso anonymo, affixado nas ruas da cidade santa, devia ter soado aos ouvidos de Maximiliano como uma prophecia terrivel, que vinha do seio mysterioso do incognoscivel.
Dizia o aviso que Roma inteira lêra com surpreza:
Maximiliano non ti fidare,
Torna sollecito a Miramare!
Il trono fradicio di Montexuma
È nappo gallico, colmo di spuma.
Il «Timeo Danaos» qui non ricorda
Sotto la clamide trova la corda.
O que, traduzido em portuguez, dirá, pouco mais ou menos:
Maximiliano, a Miramar
Deves solicito voltar,
Que o throno fragil de Mont'zuma
É como a taça cheia d'espuma,
Um laço armado pela França.
Do Timeo Danaos a lembrança
Quem a não pesa e a não recorda
Em vez da purpura acha a corda.
Com que funda e dilacerante angustia não sahiria de Roma o imperador do Mexico, a cujo encontro affluiam as felicitações festivas e as saudações lisonjeiras!
O diario de viagem de Maximiliano accusa claramente o desalento intimo da sua alma. «O mundo, escrevia elle, é pequeno, e todavia como se é baldeado de uma a outra extremidade da terra! Felizes os que se encontram!»
A Novara, sempre seguida pela Thémis, passou na ilha da Madeira, onde Maximiliano havia estado em 1852. Então, doze annos antes, consignára nas suas Memorias uma impressão deleitosa, de despreoccupada felicidade: «Surge-me das ondas uma ilha encantada, resplendente dos raios de um sol tropical. O mar era transparente, ceruleo, o ar impregnado de perfumes inebriantes. Collinas basalticas, côr de violeta, relevavam d'entre o arvoredo cuja folhagem, de um verde brilhante, accentuava todas as energias da primavera. A minha alma, extasiada, inundava-se de alegria. Uma celeste pureza dominava o quadro...»
Agora, doze annos corridos na existencia placida de Miramar, a impressão que Maximiliano recebêra na ilha da Madeira fora bem differente. A corôa do Mexico, que não começára ainda a ser de espinhos, era já, comtudo, um fardo pesado. Vindo a terra, o imperador visitara os mortos, entrára no cemiterio do Funchal, e colhêra de uma campa solitaria uma rosa triste, que conservou toda a sua vida, mais como uma reliquia, do que como uma simples recordação.
A 28 de maio de 1864 a Novara avistou a costa do Mexico.
Em Miramar deviam florir áquella hora, em toda a pompa da primavera, os jardins do castello abandonado.
No Mexico uma faxa de areia, arida como um deserto, desenrolava-se ardente, apesar do fluxo refrigerante das ondas.
Á aridez da terra correspondêra a aridez da recepção. A Thémis tinha-se adiantado para annunciar a chegada dos imperadores, mas, apesar dos esforços que o almirante Bosse empregára para salvar as apparencias, o povo do Mexico conservou uma attitude indifferente, porque não diremos, hostil? Que contraste entre esta recepção glacial e a despedida affectuosa de Trieste!
Maximiliano começou a comprehender a terrivel verdade que o pasquim de Roma lhe annunciára.
A administração franceza, a fim de tranquillisar o espirito sobresaltado do imperador, comprou talvez a peso de oiro um enthusiasmo postiço, que tibiamente principiou a manifestar-se desde a estação de Loma Alta, a ultima do caminho de ferro.
D'ahi por diante os imperadores viajaram n'uma caleche ingleza, que não seria digna de hospedes menos qualificados. E a sua comitiva pernoitava ao desabrigo, como uma caravana de bohemios, que apenas podiam contar com uma hospitalidade desconfiada.
A 12 de junho, os imperadores fizeram a sua entrada solemne na capital. Todo o apparato d'esse acto official orçou por uma mise-en-scène mediocre. Em nenhuma parte encontrou Maximiliano a franqueza que devia corresponder ao convite que lhe fôra feito para acceitar a corôa do Mexico.
Á noite houve espectaculo de gala, a que os imperadores assistiram, mas a maior parte dos camarotes conservou-se fechada.
Um protesto eloquente, posto que tacito, contra a invasão de um soberano estrangeiro.
A melhor sociedade do Mexico brilhava pela sua ausencia.
O melancolico palacio de Chapultepec, que fôra destinado para residencia dos imperadores, contrastava dolorosamente não já com a opulencia, senão tambem com o conforto do castello de Miramar.
E quando os dois esposos coroados quizeram, á volta do theatro, confidenciar as suas doloridas impressões d'aquella primeira noite do imperio, acharam-se isolados n'um velho casarão desguarnecido, que tinha sido residencia dos monarchas astecas e dos vice-reis[1].
Tal era o palacio de Chapultepec, que devia hospedar os fugitivos do poetico castello de Miramar!
A installação do imperio devia fazer prever a sua existencia ephemera e o seu fim desastroso.
O Mexico não poderia ser regenerado por um só homem, por maiores que fossem a energia e a dedicação d'esse homem. Paiz devastado pelas guerras civis, estava atrophiado, desorganisado, inculto. Não havia escólas, estradas, agricultura. Maximiliano teve occasião de o reconhecer quando emprehendeu, arrostando com grandes perigos e incommodos, uma viagem através do seu novo imperio.
O roubo parecia guindado á altura de uma instituição nacional. E não eram só os leperos, especie de lazzaroni do Mexico, que roubavam; do palacio imperial desappareceram por vezes objectos preciosos.
Maximiliano, recolhendo á capital, projectou estradas, fundou escólas, concedeu caminhos de ferro. Creou uma academia de sciencias e bellas-artes, e traçou o plano da construcção, sobre o golfo do Mexico, de uma grande cidade industrial e commercial, a que daria o nome de Miramar.
N'este fervoroso trabalho era auxiliado corajosamente pela imperatriz, que passava os dias escrevendo a correspondencia politica do imperio, destinada ás côrtes da Europa.
Entretanto, os perigos que rodeiavam Maximiliano cresciam como uma onda temerosa. O partido juarista engrossava, as guerrilhas augmentavam, os bandoleiros faziam audaciosas incursões até ás portas da capital. Bazaine casára com uma senhora mexicana; creára, portanto, ligações e interesses no Mexico, a sua sinceridade devia tornar-se suspeita a Maximiliano que, para conservar-se no throno, não tinha outro ponto de apoio senão a França.
Fôra Bazaine que aconselhára o imperador a decretar uma lei severa contra todos os bandos armados que infestavam o Mexico.
Era o rastilho que devia incendiar, contra Maximiliano, o espirito nacional. Mas o imperador dependia exclusivamente de Bazaine, e fez-lhe a vontade.
Foi leal o conselho de Bazaine? Tudo faz acreditar que não foi. Elle contava com o effeito seguro d'essa lei sanguinolenta. De facto, no 1.º de setembro de 1865, descobriu-se uma conspiração contra Maximiliano. Um dos cabeças da conspiração era o general Uraga, ajudante do imperador. Quinhentas pessoas foram presas, o corpo de dragões da imperatriz dissolvido, e Bazaine convidado a occupar militarmente o palacio imperial.
Que triste realeza a de Maximiliano, rodeiado de bayonetas no seu proprio palacio!
Coincidiu com este deploravel estado de coisas o termo da occupação franceza. Tres annos haviam passado. Napoleão III, que principiára a medir todo o alcance d'essa louca aventura do Mexico, procurava um pretexto desleal para mandar retirar a expedição franceza. Os Estados-Unidos deram-lhe o pretexto. E Maximiliano, vendo-se perdido, enviou á Europa, a implorar a protecção de Napoleão III, a imperatriz Carlota.
Foi em agosto de 1866 que a desventurosa imperatriz chegou a Saint-Cloud. Os imperadores vieram recebel-a ao fundo da escada, com esse requinte de cortezia palaciana cuja intenção nem sempre é sincera. Feitos rapidamente os cumprimentos do estylo, o imperador e as duas imperatrizes encerraram-se em conferencia n'um gabinete particular.
Oiçamos agora o testemunho insuspeito de madame Carette:
«A imperatriz do Mexico, que contava então apenas vinte e seis annos, denunciava longas angustias, profundas inquietações. Alta, de um porte elegante e nobre, o rosto redondo, os olhos negros e salientes, as feições graciosas, a imperatriz trajava um longo vestido de sêda preta, ainda vincado das dobras da mala em que fôra acondicionado durante a viagem e de que fôra tirado á pressa, sem ter havido tempo de o arejar; um mantelete de rendas pretas, e um chapeu branco muito enfeitado, que tinha sido comprado n'essa manhã em casa de uma das primeiras modistas. O calor era n'esse dia asphyxiante, e fôsse por effeito do longo trajecto em carruagem, ao sol, desde Paris a Saint-Cloud ou por effeito das commoções que a agitavam, as faces da imperatriz estávam vivamente rosadas.
«Acompanhavam-n'a duas damas de honor, mexicanas, muito feias, morenas, pequenas e desgraciosas, que fallavam o francez com difficuldade. Ao passo que os soberanos conferenciavam largamente e sem testemunhas, esforçavamo-nos por entreter estas duas estrangeiras, que pareciam muito perturbadas. Eu consegui trocar algumas phrases com uma d'ellas, e, para matar o tempo, offerecemos-lhes alguns refrescos.
«A dama mexicana pediu-me que mandasse uma laranjada á imperatriz Carlota, que, segundo me disse, costumava, áquella hora, tomar esse refresco. Dei immediatamente ordem na ucharia para que servissem a laranjada. A imperatriz Eugenia, contrariada com a entrada do criado, perguntou quem lhe tinha dado a ordem. Respondeu que fôra eu, e foi a propria imperatriz Eugenia que serviu a laranjada á imperatriz Carlota, tendo que insistir para que a tomasse, porque a imperatriz do Mexico parecia hesitar.»Duas horas durou essa entrevista dos tres personagens. Não valeram razões, supplicas, rogos. O imperador Napoleão fôra de pedra, elle, o inventor do imperio do Mexico, elle, a serpente que tentára Maximiliano!
Carlota sahiu de Saint-Cloud pedindo á imperatriz que ao menos interpozesse o seu valimento para demover Maximiliano a sahir do Mexico.
Foi chorando copiosamente que a imperatriz Carlota deixára Saint-Cloud. Pobre coração de mulher, que uma dôr incomportavel dilacerava! Entrára em Saint-Cloud uma imperatriz; sahira uma louca.
De Paris, essa desgraçada senhora fôra para Roma, implorar o auxilio do chefe da igreja catholica. Receiosa de que a quizessem envenar, depois que lhe serviram a laranjada em Saint-Cloud, apenas se alimentava de fructas. Entrou no Vaticano no momento em que Pio IX almoçava. Arrancando da mão do Papa uma chavena de chocolate, tomou-o soffregamente exclamando:
—Ao menos este não estará envenenado!
Sempre receiando uma cilada, não quiz recolher-se ao hotel. Foi preciso consentir em que pernoitasse no Vaticano, n'uma camara visinha á de Pio IX. A loucura era completa, manifesta. Maximiliano estava perdido. Fôra esse crudelissimo desengano que esmagára a razão da pobre imperatriz.
Conduziram-n'a a Miramar, na esperança de que o aspecto de lugares conhecidos e queridos lhe restituisse a razão. O povo de Trieste, supersticioso como todo o povo, começou a consideral-a uma santa. Sim, santa de martyrio, santa de soffrimento. Mas louca para toda a vida. A dôr santificára-se n'ella em loucura. Deus fôra mais piedoso do que os homens creados á sua imagem e semelhança.
Bazaine, sahindo do Mexico, abandonára o imperador ás represalias dos juaristas. Antes de sahir, fizera lançar ao rio Sequia e ao lago Texcoco todas as suas munições. Que refinada perversidade a d'esse homem, que a Providencia castigou tão justa e sabiamente! Diz-se até que Bazaine tinha proposto a Juarez entregar-lhe Maximiliano por 50:000 dollars. Naturalmente, Juarez, visto que Maximiliano ficava indefeso, achou caro. Podia tel-o de graça logo que o exercito francez retirasse. E assim foi. Juarez era mais esperto do que Bazaine, mas não menos ambicioso.
O que fazia entretanto o imperador Napoleão? Nada. Pedia a Maximiliano que fugisse. Maximiliano respondia nobremente que um Habsburgo não sabia fugir como um cobarde. Apenas consentiria em sahir como um imperador, renunciando á corôa.
Foi n'este proposito que Maximiliano partiu para Vera Cruz, onde a corveta Dandolo o esperava. Mas ahi, quando pensava em restituir ao povo mexicano a menos invejavel das realezas, o partido conservador fizera-lhe promessas de homens e dinheiro. Maximiliano acreditou, com essa estranha credulidade dos espiritos combatidos pelas grandes dôres. A esse tempo já tinha recebido a noticia da loucura da imperatriz. Naufrago desesperado, agarrou-se á primeira taboa de salvação, embora fragil, e talvez perfida, que lhe offereciam.
A Providencia, sempre justa, preparava para Napoleão a derrota de Sedan, e o exilio; para Bazaine o carcere, a infamia, o homizio. Poucas vezes a historia nos assignala um ajuste de contas tão rapido e completo; uma liquidação de responsabilidades que tanto satisfaça a consciencia humana.
A retirada da expedição franceza déra alento a Juarez, que ameaçou ir cercar a capital.
Maximiliano, querendo poupar os habitantes da cidade aos incommodos e perigos do assedio, retirou-se para Queretaro, onde, com o auxilio de alguns generaes, que se lhe conservaram fieis, pudéra reunir um pequeno nucleo de tropas defensivas.
A sorte das armas deveria decidir da victoria entre o exercito do imperador e o de Juarez. Os acontecimentos futuros dependiam pois da vantagem que o azar dos combates désse a um ou a outro dos dois contendores. Mas o coronel Lopez, ajudante do imperador, apressou, dizia-se, o desfecho do drama com uma traição ignobil: vendêra Maximiliano aos juaristas por 2:000 onças de oiro. E todavia Lopez havia sido extremamente beneficiado pelo imperador com generosas dadivas, sabia-se<ref name="Nt8">Já depois de escripto este artigo, que foi suggerido pelo livro de madame Carette, appareceu no Gil Blas (de 25 de setembro de 1889) a cópia de um relatorio que o general Escobedo dirigiu ao general Porphirio Diaz, presidente da republica do Mexico, e que primeiro fôra estampado no Novo Mundo, jornal officioso do governo mexicano em Paris. O coronel Lopez, que ficára reduzido a viver do producto de uma casa de banhos que estabelecêra no Mexico, soffrêra durante vinte annos a accusação de traidor, que geralmente lhe era feita, e que sua propria esposa acreditou, porque, quando elle voltou ao Mexico, depois do fuzilamento de Maximiliano, ella esperára-o á janella, com um filho pequeno nos braços e, vendo-o chegar, gritára: «Tu és um traidor e eu não quero que esta creança seja o filho de um traidor». Dizendo isto, deixou cahir o filho á rua. Lopez tragára em silencio todas estas affrontas e injustiças, e só se resolveu a fallar, a pedir um testemunho rehabilitador ao general Escobedo, vinte annos depois! Escobedo respondeu officialmente com o relatorio, no qual declara que o coronel Lopez o procurara a 14 de maio de 1867 para lhe dizer que Maximiliano pedia que o deixassem embarcar, devidamente escoltado, no porto de Tuxpam ou Vera-Cruz, sob palavra de que jámais voltaria ao Mexico. Seria pois para occultar este acto do imperador, que Miguel Lopez teria guardado segredo. Lopez abonou a sua declaração com este bilhete, que Maximiliano lhe escrevêra, e cuja authenticidade o general Escobedo reconheceu: «Mon cher colonel Lopez. Nous vous recommandons de garder un profond silence au sujet de la commission dont nous vous avons chargé près du général Escobedo, car si ce secret était divulgué, notre honneur serait entaché. Votre très affectionné, Maximilien.»
Custa a acreditar que o coronel Lopez atravessasse silencioso vinte annos de descredito, mas, se assim foi, o seu nome está rehabilitado. E a fraqueza do imperador, na situação desesperada em que se achava collocado, não excede os limites da comprehensão humana, posto diminua ao perfil historico de Maximiliano o cunho da heroicidade, que o engrandecia na desgraça.</ref>.
Na madrugada de 15 de maio de 1867, o imperador, que costumava levantar-se muito cedo, viu Queretaro em poder dos juaristas. Graças ao general Rincon, pôde ainda ir refugiar-se na pequena collina de Cerro de las Campanas, que domina a cidade.
Escobedo, general juarista, deu-se pressa em sitiar a collina. O imperador, reconhecendo que toda a tentativa de resistencia seria um sacrificio inutil, mandou atar um lenço branco na bayoneta de uma espingarda. Capitulava. Pouco depois entregava a sua espada ao general Corona, e era conduzido, com os outros prisioneiros, ao convento de Santa Theresita, d'onde foram transferidos para o convento dos Capuchinhos.
Juarez mandou reunir o conselho de guerra para julgar os prisioneiros. Maximiliano recusou-se a comparecer. Durante tres dias funccionou o conselho: no banco dos réos estavam sentados os generaes Miramon e Méjia, imperialistas. A sentença foi de morte: o imperador e os dois generaes deviam ser passados pelas armas. Marcou-se a execução para o dia 19, e de nada valeram os esforços empregados junto de Juarez pelos embaixadores da Prussia e da Inglaterra para obterem o perdão dos condemnados.
Na noite anterior, Maximiliano pediu uma tesoura ao carcereiro. Foi-lhe recusada. Supplicou então que lhe cortassem uma madeixa do seu cabello e incluiu-a n'esta carta que escreveu á imperatriz:
«Minha querida Carlota. Se Deus permittir que melhores um dia e que leias estas linhas, conhecerás a crueldade do destino que não deixou de perseguir-me desde a tua partida para a Europa. Levaste comtigo a minha felicidade e a minha alma. Por que te não ouvi eu?! Tantos acontecimentos, tantas catastrophes inesperadas e immerecidas me teem esmagado, que, desamparado da esperança, vejo na morte o anjo da redempção. Morro sem agonia. Cahirei com gloria, como um soldado, como um rei vencido... Se não tiveres forças para arrostar com tamanho soffrimento, se Deus em breve te reunir a mim, abençoarei a sua mão paterna e divina que tão rudemente nos feriu. Adeus! adeus!
Max era o diminutivo de familia, com que tambem assignou outras cartas, escriptas em francez, e dirigidas a sua mãi, á archiduqueza Sophia e a muitos amigos.
Como se vê, Maximiliano conservou, em frente da morte, uma attitude serena e calma.
Ás seis horas da manhã do dia 19, um official veiu abrir a porta do carcere.
—Estou prompto, disse o imperador adiantando-se.
E ao sahir a portaria do convento dos Capuchinhos, erguendo os olhos para o céo:
—Que bello dia! Sempre esperei morrer n'um dia de sol.
Entrou na carruagem descoberta que lhe era destinada. Os generaes Miramon e Méjia, cada um em sua carruagem, seguiam a do imperador. Eram escoltados por quatro mil homens. O funebre cortejo poz-se a caminho para o Cerro de las Campanas. Os condemnados iam de pé, serenos, tranquillos. As ruas e janellas estavam cheias de gente. Maximiliano, diz Tissot, nunca pareceu mais bello do que n'essa occasião. As mulheres desviavam o rosto para occultar as lagrimas.
Houve um momento em que o general Méjia se perturbou: foi quando sua esposa, com o filho, recem-nascido, nos braços, rompeu d'entre a multidão, os cabellos em desordem, o gesto allucinado. Méjia escondeu o rosto entre as mãos. Foi esta a unica fraqueza no espectaculo heroico d'aquelle triplice fuzilamento.
Quando a primeira carruagem chegou ao Cerro da las Campanas, Maximiliano apeiou-se com ligeireza, distribuiu a cada soldado uma onça de ouro, e disse-lhes:
—Apontai bem, meus amigos; tomai por alvo o meu coração.
Um dos soldados chorou. Maximiliano entregou-lhe a sua carteira de cigarros, cravejada de pedras preciosas. E, como o official que devia dar a voz de fogo lhe pedisse perdão, o imperador respondeu:
—Um soldado deve sempre obedecer ás ordens que recebe: cumpre o teu dever.
Em seguida abraçou os generaes Miramon e Méjia, como elle condemnados á morte.
—Dentro de alguns minutos, vêr-nos-hemos no céo, disse-lhes.
Apertou a mão de Miramon, em primeiro lugar, dando a razão da preferencia:
—General, ao mais bravo, o lugar de honra.
E a Méjia:
—Os que soffrem injustamente são recompensados n'outro mundo.
Depois, subindo a uma pedra, fallou ao povo:
—Mexicanos! Os homens da minha condição e da minha raça são destinados a fazer a felicidade dos povos ou a serem victimados por elles. Não foi um pensamento illegitimo que me trouxe ao vosso paiz. Fôstes vós que me chamastes. Antes de morrer, quero dizer-vos que empreguei todos os esforços para vos felicitar. Mexicanos! possa o meu sangue ser o ultimo que façaes derramar e possa o Mexico, minha desgraçada patria adoptiva, ser feliz. Viva o Mexico!
Um sargento veiu ordenar a Miramon e a Méjia que se voltassem de costas: deviam ser assim fuzilados como traidores.
—Até á vista, disse-lhes Maximiliano.
E, afastando as suas longas suissas louras, apontou para o coração, exclamando: Aqui!
Á voz de Apontar, um murmurio de indignação sahiu d'entre a multidão dos indios, em cuja raça é antiga a superstição de que um homem da raça branca os ha de libertar um dia.
Os officiaes voltaram-se brandindo a espada para reprimir a multidão. Ouviu-se a voz de fogo.
—Viva o Mexico! disse Miramon.
—Carlota! Carlota! exclamou Maximiliano.
E quando a fumarada se dissipou, tres cadaveres ensanguentados jaziam ao sol no Cerro de las Campanas.
O drama do Mexico, preparado por Napoleão III, tinha tido o seu ultimo acto.
O general Lopez, o Judas de Maximiliano, a ser verdadeira a tradição antiga, não recebeu as duas mil onças de ouro que lhe tinham sido promettidas, mas apenas sete mil piastras. A execração publica amaldiçoou-o... pelo menos durante vinte annos.
Napoleão III morreu exilado em Inglaterra, e seu filho acabou ás mãos dos zulus na Africa.
Bazaine, tendo podido fugir do carcere depois da guerra franco-prussiana, com o labéo de traidor, expirou em Hespanha, onde se homiziára.
A imperatriz Carlota vive ainda, se dos loucos se póde dizer que vivem. Tem hoje quarenta e nove annos de idade. Está habitualmente no castello de Laeken, onde nasceu. Seu irmão e sua cunhada, os reis da Belgica, fazem-n'a rodear dos maiores carinhos por meio de uma assistencia dedicada e vigilante. Todos os caprichos da pobre louca são pontualmente satisfeitos. Ás vezes sonha ella ser ainda imperatriz, quer dar recepções solemnes, festas magnificas. E os convivas que n'esses momentos a rodeiam são bonecos vestidos á côrte, que ella saúda com uma longa mesura, arrastando magestosamente sobre o tapete a cauda roçagante do seu manto imperial.
Um viajante que esteve ha pouco tempo em Laeken viu-a encostada a uma janella do castello. Scismava. Quem sabe se, através do nevoeiro que lhe envolve a razão, não avistaria ao longe, muito ao longe, vaga e confusamente, o seu antigo castello de Miramar, como no fundo de um sonho doloroso uma memoria truncada!
Graças aos esforços empregados pela Russia, o corpo de Maximiliano foi restituido em 1867, sendo por essa occasião libertados alguns soldados austriacos que se conservavam prisioneiros, e perdoado o principe Salms-Salms, que tinha sido condemnado á morte com o imperador.
De toda a catastrophe do Mexico restam hoje tres viuvas: a de Maximiliano, de Napoleão III, e do marechal Bazaine.
No Mexico, além da tradição historica que a auctoridade de Juarez não pôde supprimir, existe uma recordação, tão saudosa quanto delicada, do ephemero e infeliz imperador: são os rouxinoes que cantam nas florestas de acajú, e nos chinampas, ilhas fluctuantes. No dia em que Maximiliano foi fuzilado, chegavam ao Mexico, em vez de munições de guerra que elle bem poderia ter encommendado para se entrincheirar no throno, dois mil rouxinoes que havia mandado comprar na Styria para com elles povoar as arvores das florestas.
Notas
[editar]- ↑ «Entre os pittorescos arrabaldes da cidade destaca-se pela sua melancolica belleza o sitio de Chapultepec. Na cumiada de uma collina de pequena elevação, a cinco ou seis kilometros distante da cidade, levantava-se n'outros tempos uma especie de castello. Era o lugar de recreio dos reis astecas, e do alto dos muros avistavam a sua grande cidade, e todo o valle em que ella assenta. Em torno d'este castello, pelas vertentes da collina, e n'uma grande extensão da planura, quasi occultava esta pittoresca vivenda uma floresta mui densa de elevados e corpulentos cedros (cupressus distica), que já n'essa época representavam muitos seculos. O antigo castello desappareceu, e em seu lugar se levantou com grande dispendio em 1785 um novo palacio, que tem servido de residencia de verão aos vice-reis e presidentes, de escóla militar e de observatorio astronomico.» Estas impressões de viagem foram colhidas por um portuguez, o snr. visconde de S. Januario, na sua missão diplomatica ás republicas da America do Sul (1878-1879).