Horto (1910)/Ao pé de um berço
A Leopoldina Monteiro.
(Pensei em ti, Leopoldina, escrevendo estes versos;
quero que os cantes embalando o teu Milton.)
Dorme, dorme, pequenino
Encanto de meu amor;
Que o somno doce e divino
Cerre-te as folhas, ó flor!
Fecha os olhos, meu filhinho;
E pede ao somno que leve
Ao Céo, em faixas de linho,
Tu’alma da cor da neve.
Mas não demores, meu filho,
Volta nas azas do amor,
Traz a meus olhos o brilho,
Traz a meu seio o calor.
Meu coração é um ramo
Onde teci o teu ninho;
Dorme nelle, gaturamo,
O’ sonho branco de arminho!
Dorme, dorme; de mansinho
Vou te embalando a cantar...
Esconde as azas no ninho,
Não quero ouvir-te chorar.
Fecha os olhos docemente
E vôa longe da terra,
Dorme o teu somno innocente,
O’ nivea pomba da serra!
Dorme, santinho, as estrellas
Virão cobrir-te com um véo;
Não chores se queres vel-as
Fazer de teu berço um céo.
Foge da noite aos abrolhos
Neste celeste abandono;
Eu guardo um sonho nos olhos
Para dourar o teu somno.
Olha, meu santo, Jesus,
Que tanto amava os meninos,
Vela sorrindo da Cruz
O somno dos pequeninos.
E a Mãe do Céo, nos espaços
Deixando de luz um trilho,
Traz o filhinho nos braços
Para beijar-te, meu filho!
Recebe o carinho amigo
E pede ao rei do Universo
Que fique a sonhar comtigo,
Dormindo no mesmo berço.
As duas mães, n′um sorriso,
Sobre o ninho velarão...
E eu direi ao Paraiso,
Baixinho no coração:
Qual dos dois mais luz encerra,
Envoltos no mesmo véo:
O filho da mãe da terra?
O filho da mãe do Céo?
Dorme, bonina nevada,
Emquanto eu velo a cantar;
Guia-me á patria adorada,
O’doce estrella do Mar!
Dorme e não chores, creança!
A Lua do Céo sorri —
Na vida sem esperança
Eu hei de chorar por ti.