Horto (1910)/Noite cruel
Aspeto
NOITE CRUEL
A meu irmão Henrique
Morrer... morrer... morrer... Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a musica sonora
Da Illusão a cantar da vida nos recolhos...
Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, — pobre vaga que chora! —
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer n’um oceano de abrolhos.
Nem ao menos beijar — ó supremo desgosto! —
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céo suspenso de uma Cruz...
E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dous olhos sem luz
Alto da Saudade.