Horto (1910)/O coração e o beijo

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Meu coração chorava e eu lhe dizia:
Por que choras assim, pobre criança?
E o triste, a soluçar, me respondia:
Ninguém pode viver sem Esperança.

Tu tens a Fé. - A Fé? Mas, o que é d’ela
Sem da Esperança as ilusões serenas?
Um céu à noite sem nenhuma estrela,
Um’alma em flor sem um sorriso apenas...

- Mas tens a Caridade. - A Caridade?
Ah, sim! o vinho que embriaga a dor.
Mas eu não amo... Pois, não é verdade
Que a Caridade é o que se chama - Amor?

Nisto passava uma criança linda,
Botão de lírio, imaculado e santo.
Meu coração que soluçava ainda
Sorriu ao ver o melindroso encanto.

E foi beijar-lhe os pequeninos lábios,
Folhas de rosa abrindo de manhã,
Onde adejavam místicos ressabíos
Dos beijos de uma mãe e de uma irmã...

Compreendeu, então, o desolado
A linguagem sublime d’esse harpejo:
Neste mundo de lágrimas povoado,
A Caridade pode estar num beijo!