I-Juca-Pirama/Canto VIII
VIII.
«Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldicto
De uma tribu de nobres guerreiros,
Implorando crueis forasteiros,
Ser a presa de vis Aymorés.
«Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem patria vagando,
Regeitado da morte na guerra,
Regeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenhão alma inconstante e falaz!
«Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanço gosar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta ás chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
«Que a teus passos a relva se torre,
Murchem prados, a flor desfalleça,
E o regato que limpido corre,
Mais te accenda o vesano furor;
Suas agoas depressa se tornem,
Ao contacto dos labios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco é terror!
«Sempre o céo, como um tecto incendido,
Creste e punja teus membros maldictos
E o oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miseravel, faminto, sedento,
Manitos, lhe não fallem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
«Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argilla cuidoso
Arco e frecha e tacápe a teus pés!
Sê maldicto, e sosinho na terra;
Pois que a tanta vilesa chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.»