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Invenção dos Aeróstatos Reivindicada/Capítulo 7

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VII
Conclusão

Ha dois principios em mechanica essencialmente distinctos, que até hoje têem servido de fundamento á construcção de todas as machinas destinadas a se elevarem na atmosphera O primeiro diz respeito á resistencia que todos os fluidos offerecem aos corpos que n'elles se movem e enuncia-se d'este modo: A resistencia de um fluido é proporcional á sua densidade, ao quadrado da velocidade do corpo movel e á extensão da superficie que este offerece directamente a acção do fluido. O segundo, que o celebre Archimedes descobriu, tem applicação aos corpos mergulhados ou fluctuantes nos liquidos e nos gazes, e é do theor seguinte : Um corpo mergulhado n'um fluido perde uma parte do seu peso egual ao peso do volume de fluido que desloca. Segue-se d'este ultimo principio que, sempre que o corpo mergulhado no fluido tiver peso menor que o do volume egual do fluido que deslocar, elevar-se-ha; é o que vemos na madeira e nos corpos leves que fluctuam na superficie da agua, no fumo e nos vapores que sobem na atmosphera.

Do primeiro principio se deduz que todo o corpo que tiver a conveniente extensão de superficie e a precisa velocidade, encontrará na atmosphera resistencia bastante para n'ella se sustentar e elevar. Assim as aves, os papagaios de papel e outros corpos mais pesados que o ar, mas que lhe offerecem grandes superficies e ao mesmo tempo se movem com velocidade, conservam-se distantes da terra e como desobedientes à força de gravidade qne na direcção do seu centro os attrahe.

Examinando agora as noticias que a historia nos apresenta dos diversos artificios imaginados para resolver o problema da navegação aerea, veremos que só aos aerostatos propriamente ditos se fez applicação do principio d'Archimedes. Pondo de parte as machinas extravagantes que os padres Lana e Galiano imaginaram, que nunca foram nem podiam ser experimentadas, por serem contrarios á boa physica os preceitos que para a sua construcção deram os proprios auctores, restam-nos unicamente a machina volante de Bartholomeu Lourenço de Gusmão e os balões de Montgolfier em sua primitiva simplicidade ou modificados pelos que posteriormente lhes quizeram augmentar a força ascensional ou tornal-os susceptiveis de direcção, applicando á sua fabrica, além do principio d'Archimedes, o outro de que fallámos. Pertence a esta ultima classe o apparelho do padre Gusmão. Das noticias que restam da experiencia se conclue que elle se servira do fogo para fazer subir a machina[1]. D'estas mesmas noticias e do Manifesto[2] se collige que por meio de corpos de superficies extensas, á maneira das azas das aves, tencionava dirigil-o na atmosphera.

Entre os auctores das noticis transcriptas no capitulo VI ha os seguintes que affirmam que a machina volante se elevara por meio do fogo que lhe applicava o seu inventor : 1.° Lenteires em 1795 ; 2.° Bocous em 1811; 3.° Bescherelle em 18..; 4.° Bleszy em 1863 ; 5.° Turgan em 1851; 6.° Leitão Ferreira em 1709; 7.° o auctor da noticia biographica que em ultimo logar publicámos no capitulo precedente, e que deve ter sido escripta em 1724. Estes dois ultimos testimunhos são, sem duvida alguma, muito anteriores a 1784 e por conseguinte de tempo em que ninguem, a não ser Bartholomeu Lourenço, sabia que, por meio do ar dilatado com o fogo, se podia elevar na atmosphera um apparelho convenientemente construido.

A descripção que publicámos no capitulo V parece ter sido feita por pessoa completamente ignorante da physica, que, nos proprios erros em que cahiu, deixou transparecer a idea de que a machina volante deveria conter um fluido mais leve que o ar e elevar-se em virtude do principio d'Archimedes. Aqui repetiremos as palavras em que nos parece estar mais ou menos obscuramente envolvida aquella idêa :


E porque as partes sujeitas a esta virtude (attractiva do ar) se não acham no composto de alguns corpos pesados, consiste o principal artificio d'esta machina em apartal-as dos ditos corpos, de sorte que sejam visivelmente attrahidas, e prendel-as com tal arte que vençam não só o peso da machina, mas outro qualquer que lhe estiver unido. Com este principio se faz o instrumento que descrevemos, que de sua natureza busque o ar e possa subir até meio d'elle, onde for egual a quantidade d'ar que o attrahe para cima e a do que fica em baixo e lhe resiste, ainda que em razão do seu peso natural nunca chegará tão alto ; assim mesmo, conforme o maior ou menor peso que levar, descerá mais ou menos até se pôr em equilibrio com o ar que fica mais visinho á terra e descançar n'elle.


Logo depois diz o auctor que a machina deverá ser construida de modo que se não possam evaporar os espiritos magneticos que n'ella estiverem guardados. E mais adeante accrescenta :


....e como o ar no mesmo dia às vezes está mais ou menos condensado e conseguintemente tem mais ou menos virtude magnetica dentro no mesmo espaço, assim esta machina subirá mais ou menos....


Nem sirva de objecção às conclusões, a que chegámos, o Manifesto. Porque, como já dissemos, ao auctor importava não divulgar o seu segredo. Além disso, tendo sido a machina experimentada n'uma sala da Casa da India, claramente se vê que a sua força ascensional não provinha de peças construidas á similhança de azas, as quaes de necessidade exigiam um espaço muito mais amplo para produzirem a elevação.

Provam os documentos citados que Bartholomeu Lourenço de Gusmão se servira do fogo na experiencia que fizera em presença da corte. Todavia, sendo já o hydrogenio conhecido no principio do seculo passado, não temos por impossivel que o inventor da machina volante tencionasse substituil-o ao ar dilatado, quando dos primeiros ensaios passasse a pôr em execução o seu vasto plano de navegação aerea. O ar rarefeito pelo fogo tinha applicação n'uma experiencia em ponto pequeno ; tornar-se-hia porém este meio insufficiente, não só pelo risco de incendio mas tambem pela impossibilidade de transportar o necessario combustivel, quando se quizessem fazer viajens de muitas leguas.

A experiencia da Casa da India parece ter sido a ultima tentativa de Bartholomeu Lourenço de Gusmão para resolver o grande problema de que se occupou. Em nenhuns documentos conhecidos apparecem noticias de posteriores trabalhos.

Seria o padre Gusmão mal succedido n'aquelle ensaio e abandonaria por este motivo o seu projecto?

Assim o julgou o auctor da memoria biographica pertencente ao archivo da Bibliotheca da Universidade. Seguindo a opinião desfavoravel que vulgarmente corria do voador, reputou-o embusteiro ou visionario, burla ou chimera o seu invento e a experiencia da Casa da India a prova mais terminante de tal juizo. No pequeno incendio que succedera, e que hoje nos patentêa toda a importancia da invenção, ficara, segundo elle, demonstrada a impropriedade dos meios experimentados. Ora este successo foi apenas um incidente, de que de modo nenhum se póde tirar tal deduccão, que demais não vemos confirmada pelas noticias que ficaram da experiencia. Com effeito, Leitão Ferreira affirmou que a machina se elevára, e o proprio escriptor desconhecido, a quem acabamos de nos referir, disse que o padre Gusmão a fizera voar. E tambem não é crivel que este se resolvesse a tentar na presença da côrte uma experiencia d'aquella ordem, sem que por anteriores ensaios estivesse seguro do bom exito d'ella.

Por todas as mencionadas razões explicaremos de outro modo mais plausivel este facto. Já vimos o descredito que ao padre Gusmão resultou de suas tentativas. Alcunhado de magico e feiticeiro pelo vulgo, escarnecido dos versejadores, desprezado e desconsiderado, pelo menos em sua empreza de navegação aerea, por muitos homens de lettras, perseguido pela inquisição, succumbiu, a final, a tão fortes motivos de desalento. Já o grande poeta se queixava de que

O favor com que mais se accende o ingenho
Não no dá a patria, não.........

Funda-se a theoria dos aerostates no principio de Archimedes, acima enunciado, e na applicação de tal principio temos a caracteristica essencial para distinguir estes apparelhos de todas as machinas inventadas para navegar os ares. Como dissemos, Bartholomeu Lourenço de Gusmão elevou por meio do fogo a machina, com que fez a experiencia na Casa da India; applicou por tanto aquelle principio a um apparelho que, por essa razão, não se póde deixar de considerar um verdadeiro aerostato. Entre a historia que o leitor já conhece d'esta experiencia e a das primeiras tentativas dos Montgolfiers ha bastante analogia. Para que melhor se possa fazer a comparação, aqui traduziremos de Figuier a relação d'essas tentativas que servem de fundamento aos que attribuem a Montgolfier a prioridade da invenção das machinas aerostaticas.

«A cidade d'Annonay jaz em frente dos altos Alpes. Da manufactura dos Montgolfiers via-se toda aquella cordilheira a desenrolar-se no horisonte. Os dois irmãos contemplando o espectaculo continuo da producção e ascensão das nuvens nas encostas dos Alpes, meditando sobre as causas da suspensão e equilibrio d'estas massas enormes que se movem nos ceus, conceberam a esperança d'imitar a natureza n'uma das suas operações mais esplendidas. Não lhes pareceu impossivel compôr nuvens artificiaes que á maneira das naturaes subissem ás regiões superiores da atmosphera. Querendo imitar fielmente as condições naturaes do phenomeno, encerraram o vapôr da agua n'um involucro leve e resistente. Esta nuvem artificial elevava-se no ar, mas a temperatura exterior fazia passar logo o vapor ao estado liquido, molhava-se o involucro e o apparelho cahia por terra. Tentaram sem melhor exito encarcerar o fumo produzido pela combustão da lenha n'um involucro de panno. Arrefecia, porém, o gaz sem chegar a levantal-o.

«Entretanto appareceu em França a traducção da obra de Priestley : Das differentes especies d'ar. N'este livro, que depois teve decisiva influencia na creação e desenvolvimento da chimica, Priestley dava a conhecer muitos gazes novos, expondo, em termos geraes, as propriedades, os caracteres, o peso especifico e as differenças relativas dos fluidos elasticos. Estevam Montgolfier leu esta obra em Montpellier, onde então se achava. De volta para Annonay, reflectia attentamente nos factos apontados pelo physico inglez, e foi, ao subir a encosta de Serriere, que lhe occorreu, diz no seu Discurso á Academia de Lyão, a possibilidade de navegar os ares utilisando uma das propriedades que Priestley mencionava nos fluidos elasticos. Não deixaria de elevar-se na atmosphera um involucro mui pouco pesado contendo um gaz mais leve que o ar, e subiria em quanto tivesse menor peso que o ambiente, em quanto não encontrasse camadas, cujo peso especifico, egual ao seu, o mantivessem em equilibrio.

«Logo que chegou a casa Estevam Montgolfier communicou esta idea a seu irmão que a recebeu com enthusiasmo. Desde esse momento não duvidaram do bom exito das suas tentativas para imitar as nuvens. Experimentaram primeiro certos gazes mais leves que o ar, entre elles e gaz inflammavel ou hydrogenio. Mas o involucro de papel de que se serviram, sendo permeavel ao gaz, deixava-o passar para fóra, o ar substituia-o dentro do balão, que elevando se por um momento, cahia logo depois. Além disso, como n'essa epoca se não tinha ainda estudado bem o hydrogenio, nem se sabia preparar facilmente, renunciaram ao seu uso.

«Tendo ensaiado alguns outros gazes ou vapores. os irmãos Montgolfiers lembraram se de que a electricidade, a qual, em sua opinião, era das principaes causas da ascensão e equilibrio das nuvens, poderia tambem concorrer para a subida do seu apparelho ; e por isso diligenciaram compôr um gaz com propriedades electricas. Imaginaram que o conseguiriam pela mistura de um vapor de propridades alcalinas com outro que as não tivesse. N'este intuito queimaram juntamente palha humida e lan, materia animal, cuja combustão produz gazes com reação alcalina. Viram que estes dois corpos queimados por debaixo de um envolucro de panno ou de papel o faziam subir com rapidez.........

«Fez-se em Avignon o primeiro ensaio de um apparelho construido em pequeno ponto, segundo os principios em que os irmãos Montgolfiers haviam ambos assentado. No mez de novembro de 1782 Estevam Montgolfier preparou um parallelipipedo ôco de seda, cuja capacidade era apenas de dois metros cubicos e viu com a alegria que se imagina o balãosinho subir atè ao tecto do seu quarto.»

Entre a experiencia de Avignon e a da Casa da India não houve differença essencial. Ambas consistiram na elevação de um apparelho por meio do ar dilatado pelo fogo.

E, como não consta que anteriormente ao anno de 1709 alguem chegasse experimentalmente a este resultado, póde e deve attribuir-se a invenção das machinas aerostaticas a Bartholomeu Lourenço de Gusmão, o qual sem os valiosos recursos que setenta e tres annos depois Montgolfier encontrou nos aperfeiçoamentos das sciencias physicas, conseguiu como elle construir um apparelho, capaz de se elevar na atmosphera por virtude do principio d'Archimedes. O adeantamento d'aquellas sciencias, a epoca e a nação em que o segundo vivia permimittiram-lhe o que ao primeiro não foi possivel—corrigir a sua obra, convencer a todos da importancia das experiencias aerostaticas e incitar muitos a proseguil-as.

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  1. A pag. 81 e seg.
  2. A pag. 62 e seg.