Lágrimas Abençoadas/I/XVII
Frei Antonio continuou:
«Entro pobre em tua casa, meu irmão; porém a desgraça é uma riqueza, quando com ella suavisamos desgraças alheias. Contando-te as minhas amarguras não adoçarei as tuas?
—«Deus—respondeu o coronel—suavisou-m'as antes de ti, meu irmão.»
—Bemdito seja Deus!—tornou o padre—era essa a resposta que eu pediria a Deus que te inspirasse!... pois bem... seja a minha historia um passatempo... Peregrinareis comigo n'estes infernos da terra que os homens crearam. Aqui me tendes com a tunica, e com esparto de Dante... Serei para vós o que foi o poeta para a humanidade... recrear-vos-hei...»
O frade afastára as bandas do capote, e deixára vêr o habito de S. Francisco. A magestade da sua postura excitára um calefrio respeitoso em todos, e elle mesmo, tocado pela consciencia do effeito religioso d'aquelle acto, não susteve a lagrima do enthusiasmo, que é sempre revelação de espiritos ardentes. Maria, alma tão cedo estreada na poesia da dôr, cedo principiára a enlevar-se n'aquelles transportes, que a tragedia excita em pessoas que vêem o theatro pelos olhos da innocencia, e não podem desmentir o que vêem pelos calculos frios da razão. Maria, pois, impressionára-se mais que seu pae e sua mãe da attitude pathetica de seu tio. Mais tarde confessou ella que sentira dobrarem-se-lhe os joelhos, e de certo ajoelhára, se frei Antonio lhe não tomasse as mãosinhas que pareciam ajustarem-se em adoração extatica.
Esta scena fôra muda. O silencio é o desafogo das grandes emoções, que nos abafam o espirito, enturvando-nos a razão. Parece que a consciencia precisa digerir esses alimentos extraordinarios, que são a vida energica das almas flexiveis.