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Lágrimas Abençoadas/III/XVIII

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Alvaro falára pela bocca de todos os maridos maus ou infelizes, quando a libertinagem os não cura do veneno do desgosto com o veneno da deshonra. Era de certo o enojo, esse desfallecimento de alma incuravel, esse morrer do amor que nunca mais resuscita, quando a mulher que o causa é esposa, e quando o homem que o recebe não tem a força de virtude que converte a piedade em estima.

A paciencia de Maria azedava ainda mais o desgosto de Alvaro, porque as lagrimas em silencio eram a mais pungente censura que ella podia fazer ao seu procedimento.

A melancolia do padre, cuja convivencia elle afastava, e o sobrecenho do pae, irritavam-n'o até ao frenesi de raiva ás algemas que lhe queriam lançar á sua liberdade.

O padre aconselhava-lhe os bailes, e os passatempos que a sua indole apreciava. Pedia á sobrinha que o acompanhasse para compartir dos prazeres de seu marido; mas a pobre menina, se alguma vez accedia ao que lhe era imposto como dever de mulher casada, ia levar á sociedade o espectaculo da sua tristeza, e dar incentivo de arguições, umas justas, outras exageradas ao procedimento de Alvaro da Silveira.

Menos instada por seu marido, e por seu tio, e por seu extremoso sogro, que lhe era segundo pae, deixou de saír, e mui raras vezes visitou sua mãe, porque não podia mentir ás suspeitosas perguntas de seu pae, a respeito da felicidade que o marido lhe dava.

Alvaro, pouco a pouco, foi-se absolvendo de seus deveres, e respeitos á sociedade. Estudou o viver e o sentir dos maridos no circulo das suas brilhantes relações, e viu que entre tantos havia só um que pudesse atirar-lhe uma pedra. Entendeu que podia ser-se um homem importante aos homens, e importante ás mulheres, embora casado, embora propenso a esquecer-se todos os dias que o era. Relaxados os deveres, seguiu-se a tibieza nas apparencias do decoro, e da delicadeza, ultima ferida que uma mulher com dignidade póde receber de um mau marido.

O seu antigo amigo conde de *** foi reintegrado na sua particular estima. Era já recebido no seu quarto, era o seu confidente em segredos dignos de ambos, era tudo o que póde ser um amigo intimo, menos relação de sua mulher. Maria regeitára com imperio, pouco natural ao seu caracter humilde, a apresentação do conde. Ouvira falar d'este homem em casa de seu pae, ao tio, e ao sogro, de modo que lhe ganhou asco, e não podia vencer o sobresalto com que ouvia annunciar um tal nome, que seu proprio marido, tres mezes antes, banira das suas relações.

Na primavera d'esse anno, Alvaro partiu com o conde, e outros de egual porte para o campo, em busca de touros para as corridas do campo de Santa Anna. Demoraram-se vinte dias n'essa gloriosa expedição digna dos netos de Vasco da Gama e de Affonso de Albuquerque... Durante esse tempo, Maria não teve de seu marido um bilhete, nem uma saudade. De volta, Alvaro achou sua mulher gravemente enferma d'essa molestia que entra no coração, e filtra de lá o veneno da morte por todas as fibras.

Disse-lhe palavras consoladoras, instigadas pelo espinho do remorso, palavras calculadas na frieza do seu desamor; mas a idéa satanica da viuvez entrou-lhe na alma com a esperança de uma felicidade imprevista.

É horrivel! mas não duvideis... Olhae de redor de vós...