Lágrimas Abençoadas/III/XX

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A mulher de Alvaro da Silveira balbuciou:

—Não o accuso, meu tio; peço-lhe sómente que me deixe chorar. É bem pouco pedir; mas eu sinto um grande conforto n'este unico prazer dos infelizes.

—O da oração é maior, minha sobrinha...—atalhou o padre.

—Pois eu não oro, meu tio? É quando sinto mais dentro do coração a doçura das lagrimas. Ou peça a Deus paciencia para soffrer até ao fim, sem que a minha familia o saiba; ou peça que se digne tocar o coração de meu marido, choro sempre, e fico sempre mais desopprimida.

—Mas os teus dias são sempre eguaes, filha. Estás cada vez mais abatida, mais magra, e mais febril.

—Que importa o corpo? O que eu recebo de Deus é a força da alma... A morte não lh'a peço, por que sei que não faria com ella a felicidade de Alvaro... É impossivel que o remorso o não castigue depois... Isso é que eu não queria... O Senhor me livre de ser o instrumento das torturas d'alguem... E, se eu morresse, a nossa pobre familia soffria muito... minha mãe, seguir-me-ia, e os meus irmãos pequeninos nos braços de meu pobre pae... matal-o-iam com carinhos... É por isso que eu não peço a morte...

—Não peças, Maria. Diz-me o coração que terás melhores dias da tua existencia, e que eu hei de ve'-los ainda.

—Oxalá... e como serão esses dias, meu tio?

—Será quando teu marido voltar ao que era quando te queria tanto.

—Pois esse amor póde por ventura tornar?

—Pois não póde, filha?! Estás passando por uma dolorosa provação; é impossivel que não recebas n'este mundo o premio da tua constancia. Assim como Alvaro passou do mal para o bem, e depois recaiu no mal, o anjo, que o alumiou uma vez, ha de alumia'-lo outra, minha sobrinha. Quando menos o esperarmos, estará comnosco, para nos restituir o bom coração que nos roubou. Crê, e ora, minha filha. Oremos ambos. As nossas supplicas sejam por elle, e deixemos ao senhor apiedar-se de todos, quando a sua bondade quizer.