Lágrimas Abençoadas/III/XXII
Frei Antonio fôra assistir ao trespasse de um moribundo, e não estava em casa quando chegou o conductor da resposta. Foi Maria que recebeu a carta, e vendo a letra inesperada de seu marido, sobresaltou-a tanto o prazer, que nem sequer reflectiu para abri'-la.
Leu... E mal viu as ultimas linhas. Entrou em tremuras, escondeu a carta no seio deixando uma parte visivel; luctou como querendo segurar o alento que lhe fugia; mas debalde. Padre Antonio ergueu-a desmaiada de um canapé, quando voltou. Tirou-lhe do seio a carta; leu-a, e tornou a insinua'-la sem a sobrinha dar fé. Esta, recuperando os sentidos, viu ao pé de si o tio, com ar risonho, trahindo-se em algumas palavras confortadoras; mas a pobre senhora, de momento a momento, levava a mão ao seio para certificar-se de que a carta lhe não fôra tirada.
—Então o que foi isso, minha filha?—perguntou o padre.
—Um desmaio, resultado da grande fraqueza que tenho, de um passeio que dei longo de mais para as minhas forças...
—Pois tu saíste, Maria? Não enganes o teu tio.
Aqui, Maria córava, e o frade vinha logo com o remedio, fugindo para outra idéa.
Depois de uma hora em que dois corações angustiados estiveram a enganar-se mutuamente, padre Antonio abraçou sua sobrinha; e disse:
—Olha, menina, o extremo do soffrimento não se póde dizer qual é, nem quando chega; por isso não direi ao certo que as nossas penas estão a passar por serem culminantes. Mas é de fé para mim, filha, que isto assim não póde demorar-se muito. A piedade do Altissimo está por instantes a amercear-se de nós. Maria, fica no teu quarto; pensa n'essa carta que tens no seio, eu vou pensar tambem; e, passada uma hora estaremos juntos. Antes, porém, de decidir, Maria, pede ao senhor a luz da graça.
Maria ficára como engolfada em profundo pasmo com a mão no seio. O frade saíra.