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Lágrimas Abençoadas/III/XXIII

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Passada uma hora e um quarto, foi a sobrinha, atemorisada pela falta, que entrou subtilmente no quarto de seu tio. O velho estava de joelhos diante de uma cruz. Sentiu-a entrar, voltou um pouco a face, e disse:

—Espera um bocadinho, menina; eu falo-te já.

Maria ajoelhou ao pé d'elle.

—Pois sim, oremos juntos: disse o padre—se já resolveste, pede comigo ao Senhor que mude a tua tenção, se ella não é do seu agrado.

Decorridos alguns minutos ergueram-se ambos.

—Pensei, meu tio—disse Maria.

—E então?

—Creio que Deus permitte a minha vontade: o tio me dará a certeza da minha fé, se não se oppuzer.

—Pois diz, filha.

—Eu fujo a meu marido.

—Como? foges a teu marido?!—atalhou o velho espantado.

—Acolho-me ao seio de Deus, para morrer tranquilla.

—Entendi; minha filha!—exclamou elle com jubilo abraçando-a.—Queres dizer que entras n'um convento.

—Sim, sim.

—Foi a minha idéa, quando orava...

—Sim? então, bemdito seja Deus!—disse Maria erguendo as mãos com arrebatamento.—Já vejo que o Senhor approva a minha resolução. Eu pedi muito á Virgem que lh'a inspirasse, meu tio. Vou para as Therezinhas. Tenho lá muitas amigas que me hão de fazer digna de orar com ellas. Trabalharei para viver em flôres, em recorte de papeis, em tudo, por que pouco me basta. Poderei ve'-lo todos os dias, meu tio, e verei meus paes, e meus irmãos. Se Alvaro um dia me quizer, elle irá procurar-me, e eu serei sempre o que sou e o que fui. Não lhe tenho odio, não tenho. Sei que elle ha de ser ainda muito infeliz, e talvez seja eu, depois de meu tio, quem lhe restitua a boa alma que elle tinha quando o conheci.

—Tu choras. Maria?—interrompeu o padre carinhosamente—Levas saudades de Alvaro, não levas?

—Saudades? não sei que sentimento é este!... parece-se mais com o da compaixão. É como se eu dissesse: podiamos ser ambos tão felizes!.. e assim não se sabe qual de nós será o mais desgraçado! É o que eu sinto, meu tio. Já vê que o estimo ainda como se fosse um meu irmão perdido de vicios, que maltratasse sua familia, e que eu tivesse conhecido enchendo de carinhos minha mãe e meus irmãos. Lembra-me que elle era tão amigo de todos! entrava na nossa casa como se fosse nosso... agradecia tanto o nosso bom agasalho, sem saber que nós ficavamos sempre tristes quando elle nos deixava... É porque eu choro, meu tio... Isto é saudade do que elle foi, e compaixão do que é.... Paciencia... Vou para as Therezinhas... Imaginei-me sempre lá desde creança, não se lembra? No tempo em que eu cantava aquellas palavras tristes, pensava tanto em pedir a minha mãe que me deixasse entrar no convento, ainda que fosse como creada...

—E hoje, Maria... talvez... tenhas de entrar como creada...

—E isso que tem, meu tio?! Pois nas Carmelitas não entravam tantas senhoras distinctas que faziam a cozinha ás semanas? Que tem que eu seja creada? Alvaro não póde envergonhar-se d'isso; porque ha muitas situações vergonhosas para um marido, mas esta—a de servir—não é uma d'essas... pois não?

Maria córou proferindo algumas d'essas ultimas palavras. Fr. Antonio depois de abraça'-la, disse:

—Eu vou para Lisboa, minha sobrinha. Falarei com a prioreza; veremos como has de entrar; antes, porém d'esse passo, é preciso que escrevas a Alvaro.

—Pedindo-lhe consentimento?

—Sim.

—Se m'o nega?! não vou?

—Vaes, Maria. A petição é a humildade da esposa; mas a fuga é o ultimo direito da victima. Onde ha algoz não ha marido.