Lágrimas Abençoadas/III/XXVI

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Alvaro da Silveira recebeu a carta, quando saía para Santarem, onde o esperava um brilhante sarau, em que era rainha uma nobre dama que se deixara ferir do nobre caçador. Era, portanto, muito improprio o ensejo da carta, cuja generosidade tinha para elle o valor odioso de uma accusação mascarada. Foi esta a opinião do seu amigo conde.

Alvaro respondeu vocalmente que mais tarde responderia por escripto. O portado, industriado pelo padre, replicou humildemente que não voltava sem resposta, ou signal de ter sido recebida a carta. Perguntou-lhe Alvaro quem lh'a tinha dado. O creado falou a verdade. «Pois esse hypocrita ainda lá está?» exclamou irado o fidalgo... «Leva—continuou elle—ahi vae o signal de que recebi a carta».—E entregou-lhe, aberta, a carta de sua mulher.

Tal foi a resposta que Maria recebeu. Diga quem puder as lagrimas que este desprezo lhe custou. O frade respeitou-as tanto, que em logar de consola'-la com a paciencia, eloquente sempre em seus labios, chorou tambem.

—Vamos, filha—disse elle por fim.

—Já?! de noite?—reflectiu ella.

—Tens medo, Maria? A noite vae melhor ao estado da nossa alma... Chegaremos de madrugada á tua nova casa. Passarás o dia no locutorio com a nossa familia.

—Pois está tudo arranjado?

—Tudo, Maria, tudo providencialmente arranjado. Vaes ser hospeda da sr.ª escrivã, em quanto eu não posso por meios certos que Deus me ha de deparar comprar-te uma cella no convento. Depois, o teu trabalho dar-te-ha uma subsistencia certa. Fallaremos, fallaremos... Vamos embora.

Maria foi, quasi desfallecida, encostada ao hombro do padre, até entrarem n'uma sege de praça que os esperava no portão. Grande, porém, foi a surpresa da attribulada senhora, quando ao entrar na sege, foi apertada por uns braços que só podiam ser de mãe pelo afago com que lhe bebiam as lagrimas da face.

O choro de ambas embargava as palavras soluçadas. O que ellas, porém, queriam dizer-se era pedirem-se perdão mutuamente; a mãe á filha, por lhe haver afervorado e absolvido o amor a Alvaro; a filha á mãe porque fraqueava no martyrio, e, sem pedir-lhe conselho, abandonava aos juizos da sociedade a explicação da sua fuga, talvez bem infamada.