Lágrimas Abençoadas/III/XXVII
A sege parou defronte do mosteiro.
Rompia a manhã. Tão lindo estava o céo, tão balsamico o ar ao pé do arvoredo do convento, as aves deleitavam tanto o coração, o múrmuro despertar da natureza tão meigos arrobos filtrava ao seio de Maria, que, enlevada em mudo regalo, docemente lhe marejavam nos olhos as lagrimas de um contentamento infantil, se não eram antes o respirar suavissimo da abafação angustiosa em que penára.
Aberto o portão exterior, frei Antonio entrou com sua cunhada e sobrinha. Algumas religiosas desceram á portaria, e levaram comsigo mãe e filha, felicitando esta com grandes jubilos, e inventando graças para a desassombrarem da sua tristeza. Sabiam-lhe bem a maguada vida, e a virtude santa, aquellas servas do Senhor. A Mãe de Jesus, protectora sempre invocada de Maria, tocou talvez o coração das carinhosas freiras que parecem porfiar qual mais mimos e agrados fará á querida hospeda.
D'ahi a pouco volveu ao mosteiro Fr. Antonio com a familia toda. O coronel esmoreceu d'aquelle seu grande animo vendo a magreza cadaverica da filha. O velho, alimpando as lagrimas, fez que nenhuns olhos ficassem enxutos. Diante d'aquella magestosa dôr, não houve uma só pessoa que tivesse espirito para consola'-lo. O padre, esse, o que mais ali soffria talvez, abaixava humildemente a cabeça diante de seu irmão, como quem confessa a maior culpa de tamanha desventura.
Uma das religiosas, querendo consolar, censurou sem asperidão, ainda assim, o proceder inhumano de Alvaro da Silveira.
Maria fez um gesto de desagrado, e, sentindo amargamente que lh'o não entendesse a freira condoida, disse:
—Alvaro da Silveira é meu marido, minha senhora. Deus é que julga as nossas acções... Eu preciso a piedade de toda a gente; mas não queria que ella custasse a Alvaro a sua condemnação. Meu marido não é mais feliz que eu. Por isso que estou muito certa d'isto, peço ás senhoras d'esta casa que roguem a Deus por elle, quando lhe rogarem por mim.
Ficaram como assombrados todos os animos, e apiedados todos os corações. Ninguem, durante aquelle dia, proferiu o nome de Alvaro.
Á tarde houve um adeus de muito chorar; mas, ao dia seguinte, lá estavam os irmãosinhos e a mãe da secular, e o tio padre, uns para chorar com ella, outros para distrai-la com as suas innocentes graças.