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Lágrimas Abençoadas/IV/II

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O marido de Maria viajava então por França, onde lhe foi a nova da morte de seu pae. Alvaro melhorava de meios, porque os recursos, que seu pae lhe dava com quanto superiores ao rendimento de sua casa, não bastavam á dissipação.

Veiu prestes a Lisboa tomar conta dos seus vinculos.

Procurando um usurario que lh'os acceitasse como hypotheca de alguns contos de réis, ninguem os queria por mais do valor dos rendimentos de tres annos, porque a magreza livida de Alvaro aterrava os agiotas.

Um mercieiro, antigo creado de seu pae, sabendo que o fidalgo barateava á usura os seus bens, apresentou-se-lhe para acceita'-los como hypotheca de uma somma quasi egual ao valor d'elles.

Alvaro abençoou o seu destino, e receoso de que o mercieiro se arrependesse, apressou o contracto.

O comprador, porém, clausulou que em sua mão ficaria uma certa somma para acudir ás necessidades da esposa do vendedor, se ella um dia as sentisse. Alvaro acceitou essa hesitação maravilhado de que o inepto logista não pedisse a assignatura consentanea de sua mulher!

Este mercieiro conhecia frei Antonio dos Anjos. Captivo do benevolo interesse d'elle, o padre fôra-lhe contando os infelizes acontecimentos d'aquella casa. O velho creado de Gonçalo da Silveira, quando soube que seu amo expirára, quasi desamparado, sem seis vintens em dinheiro para uma missa, chorou, e protestou valer ao filho, quando o soccorro lhe aproveitasse depois de uma lição amarga.