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Mistério do Natal/XII

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Com um rebanho que recolhia levado por um pastor coberto de peles, as pernas enroladas até os joelhos em velo sórdido, entraram em Jerusalém pela porta do mercado, à hora em que as buzinas romanas troavam nas torres.

José procurava distrair Maria mostrando-lhe as grandes belezas, a magnificência da cidade; nomeava os edifícios, alguns longínquos, esfumados nas primeiras sombras da noite.

A Virgem, porém, seguia calada, sem ânimo de levantar os olhos, com o coração cerrado em tristeza universal.

Gentes diversas cruzavam-se nas ruas: homens abaçanados do deserto, com o albornoz ao vento, o punho esmaltado das adagas reluzindo à cinta; fenícios cobertos de jóias, com enormes colares de contas de ouro e braceletes de marfim; gregos ágeis passando ligeiros entre a multidão, com a túnica colida ao braço, as pernas enlaçadas em tiras de couro.

Mulheres mostravam-se às portas das casas, encostadas languidamente aos umbrais, olhando em êxtase, com um sorriso nos lábios cor de púrpura.

A algumas viam-se-lhes os peitos pela abertura das túnicas; outras, reclinadas em leitos marchetados, cerravam molemente as pálpebras gozando o frescor dos flabelos que escravas agitavam.

Errava no ar denso um cheiro forte de aromatas.

Estranhas músicas soavam e, como os albergues estavam cheios, era um barbariso alegre sob as frescas latadas, por entre as quais, em corridinha airosa, moças iam e vinham com ânforas e crateras.

O pastor falara-lhes em uma modesta estalagem em Bezetha, para o lado do forte, onde podiam encontrar agasalho seguro.

A casa era dirigida por um velho de Siloeh e tinha fama pelo seu anho tenro e pelo seu vinho puro. Lá achariam pousada e, como ficava longe e não recebia mulheres, não seriam incomodados pelos legionários que, à menor agitação invadiam as casas brutalmente levando tudo a conto de lança.

Era um rancho paupérrimo, entre sebes de espinhos, onde se aboletavam mestairais e homens dos montes que traziam ao mercado favos de mel, resinas, bálsamos e raízes.

O velho acolheu-os de boa sombra, serviu-lhes a refeição na sala lôbrega que uma candeia alumiava.

Rústicos bebiam, jogavam e fora, junto a um Monet de pedras, um velho resmungava raspando, com voracidade, o fundo de uma escudela.

Era um leproso nojentamente abostelado de úlceras.

Às chufas dos homens, que lhe atiravam cascas, bagaços de frutas, respondia aos regougos, bramindo maldições e, como prorrompesse aos berros, apanhando pedras para defender-se, os homens revoltaram-se.

O hospede tranqüilizou-os e, saindo ao terreiro, pôs-se a assobiar.

Enorme cão saltou da sombra rosnando. O taverneiro açulou-o contra o leproso que se encolhera estarrecido.

Vendo o cão investir, Maria caiu de joelhos, juntou as mãos frias e, trêmula, d’olhos no céu, implorou pelo infeliz.

O animal raivava, aos saltos; os homens vociferavam incitando-o. Alguns riam no ante-gozo da cena cruel, mas como o leproso, tentando correr, tropeçasse rolando na terra e ferindo o rosto no pedregulho, o cão, que o alcançara, pôs-se a ganir e, sacudindo a cauda, ficou de rastos, lambendo mansamente o sangue que escorria da cicatriz do mendigo.

E Maria, estática, não via a doce misericórdia que imobilizara em espanto os hóspedes do albergue.