Mistério do Natal/XI
Maria abriu os olhos quando as estrelas nasciam.
O cego já havia partido levado pelo menino. As cigarras cantavam vésperas.
José empunhou o cajado: Maria deixou o leito agreste, e seguiram.
As últimas chamas do sol apagavam-se no ocaso e a névoa polvilhava os ares como uma cinza.
Monstruosos penhascos, talhados a pique à beira dos precipícios, avultavam temerosamente na sombra.
Palmeiras debruçavam-se sobre as rampas. Toda a vegetação retorcida, com as raízes à flor da terra, agarrando-se nervosamente às arestas dos penhascos, parecia recear aqueles despenhadeiros de onde subia atroadoramente um escachôo soturno d’águas constrangidas.
Escurecia. Os montes áridos da Judéia apresentavam-se hostis aos peregrinos.
Os caminhos, aos torcicolos, confundiam-se augustos, escavados em brocas, eriçados d’aspas calcárias, orlados de intensos espinheiros que, às vezes, como garras, detinham os viajantes pelas túnicas.
Estriges voavam, pousavam nos ramos, nos penedos com gritos lúgubres.
José caminhava a passo cauteloso, sondando o piso com o cajado, detendo Maria, buscando tranqüilizá-la com palavras carinhosas.
Mas a treva adensava-se a mais e mais, os roçados confundiam-se com a sombra. Julgando seguir a estrada direita, o patriarca estendia a mão e sentia a aspereza das penhas.
- É imprudência insistirmos em prosseguir em tal escuridão, disse Maria com medo. É Deus que nos retém.
José deteve-se. Parecera ter ouvido vozes, rumor de passos, estalos de ramos secos, como se viessem outros caminheiros. Escutou atentamente.
Era o vento que agitava o folhedo e eram as águas profundas que referviam nos algares.
Mas um clarão suave acendeu-se no fundo espesso do arvoredo. Quem seria? Encolheram-se os dois, olhos fitos na claridade, que se adiantava como a luz de um facho. Uma centelha passou na escuridão, outra girou nos ares, as folhas, os ramos de árvores ficaram incrustados de brasas.
Surgiram da terra, saltaram das rochas, subiram dos desfiladeiros, a espessidão estrelou-se e todas as fagulhas, unindo-se, formaram uma rútila umbela pairando sobre Maria e José como a nuvem seguiu Israel guiando-o luminosamente pelo negror das noites no deserto.
Eram pirilampos que voavam em ordenada falange alumiando os caminhos obscuros.
E os dois, sob o relume dos insetos, continuaram a viagem dentro dum reverbero que só ao clarear d’alva desapareceu nos ares.