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Mulheres e creanças/Capítulo IV

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CAPITULO IV

A dissolução dos costumes e o casamento

 

 

Os philosophos, os moralistas, os observadores clamam continuamente contra a dissolução dos costumes modernos, ou descrevem-na com o pungente realismo da sua solta e desbragada ironia.

Uns accusam, outros fulminam, outros contentam-se com chascos e satyras de Juvenaes au petit pied.

Poucos são os que ao passo que apontam o mal, indiquem o remedio, ou pelo menos o caminho que deve seguir-se para chegar a alcançal-o.

As theorias são optimas, a pratica é deploravel.

Ninguem é já tão ignorante e tão desallumiado da scentelha sagrada, que confunda o bem com o mal, mas o criminoso desleixo de todos, é mais funesto á sociedade e á familia, do que a idéa confusa que em épocas menos adiantadas se formava dos deveres de cada um.

Sim, a familia parece corroida por um occulto verme, que pouco a pouco vae dando a essa arvore frondosa, cheia de fructos e de flores, um aspecto morbido e doentio que entristece e causa profundo assombro aos que de perto lhe observam o progressivo definhar.

Mas não basta mostrar ao mundo este indicio da sua decadencia moral, cumpre investigar as causas para oppôr um dique aos effeitos desastrosos que todos os dias se vão mais claramente revelando.

Este dever é de todos; dos grandes e dos humildes. Não ha ninguem que não esteja interessado igualmente na destruição de tão terrivel flagello.

Tragam uns os esplendores do talento que vê de cima, e que das alturas onde paira, derrama luz clara sobre os que labutam na sombra; tragam outros o bom senso, a experiencia, a fé e a boa vontade.

Parece que metade do caminho está vencido, porque se muitos, — se a maioria — anda transviada, todos pelo menos sabem definir o ideal a que aspiram, o fim que desejam attingir e do qual involuntariamente se afastam.

O grande mal da nossa época é — quem tal o diria? — é a preguiça intellectual. Todos trabalham mais ou menos, porém ha poucos que meditem e que pensem.

O seculo desoito foi o seculo do pensamento; o seculo desenove é o seculo da industria.

Predomina a materia, aspira-se ao bem-estar do corpo, aos gozos da riqueza, ao sybaritismo refinado e artistico e pouco se attende á voz prophetica d’essa Cassandra, chamada philosophia, que debalde clama aos homens que elles vão por um caminho errado, que trilham uma estrada que não é a verdadeira, visto que a não illumina e lhe não mostra os precipicios, a verdadeira e eterna luz.

Os males que affligem a sociedade, que affrouxam os laços da familia, que contaminam e dissolvem lentamente os costumes, provém de uma causa, composta de muitas causas complexas, e para combater a qual devem juntar-se os esforços de todos os que amam o bem.

Ninguem considera o casamento como elle precisa de ser considerado, não já sob um ponto de vista mystico e sentimental, porém no seu verdadeiro aspecto, nas suas relações inilludiveis com a sociedade e com a verdadeira moral.

Como sempre, é á mulher que aqui me dirijo, é com a mulher que eu fallo. O homem tem-se em muita conta para dar attenção á minha debil e desautorisada voz.

A mulher attender-me-ha porque é em vista da sua felicidade, da felicidade de seus filhos, da solidez e do aconchego de seu ninho, que eu lhe estou aqui fallando.

O casamento não é um contracto puramente social, não é uma união só filha da religião e do sentimento, não é uma sancção legal de affectos egoistas e de paixões indomadas, de tudo isso tem alguma cousa, mas é muito mais sério, mais sagrado e mais santo do que isso tudo.

Se esta quadra transitoria e convulsa que atravessa a geração de que fazemos parte, é triste como nenhuma outra, essa tristeza provém principalmente das imperfeições que maculam o casamento, das duvidas que assaltam todos os espiritos ao vêr tão longe da sua resolução definitiva o problema importante da familia.

Por toda a parte o desconsolo, o desalento, a duvida, a melancolia insanavel dos que, depois de haverem sonhado um esplendido e estrellado sonho, despertam para as agras tristezas da realidade e nada encontram que corresponda ás radiosas esperanças com que se haviam embalado.

É que realmente depois da escuridão caliginosa, da noute lugubre e sinistra que durante seculos envolveu a humanidade, fizeram-lhe esperar tanto, evocaram diante do seu deslumbrado olhar tantas apparições luminosas, apontaram-lhe para um ideal tão levantado, fizeram-lhe crêr em tão divinas utopias, que todos os desalentos se desculpam ao vêr quão pouco a realidade dos factos correspondeu a todos esses sonhos por ora infecundos.

Mas não percamos a fé; sem ella o mundo caminhará sem ter outro norte que não seja o perigoso conselho das suas paixões desordenadas.

Se ainda pouco está feito, appellemos para o futuro e vamos preparando essa evolução pacifica e luminosa de que já talvez nenhum de nós aproveite os resultados beneficos.

Esqueçamos este egoismo feroz e improductivo que nos faz desanimar em todas as emprezas de que não possamos com mão soffrega e impaciente colher os fructos embora prematuros e mal sasonados.

 

 

Não ha nada mais triste do que ouvir o modo desdenhoso, quasi sacrilego, com que os moços de hoje, os moços de ambos os sexos, fallam do casamento e da familia.

Elles duvidam, rindo com ironia ignobil de tudo que n’outro tempo amavam devotamente. Foram-se os bardos sentimentaes e um tanto rediculos, diga-se a verdade! que amavam sem esperança, mas com ternura apaixonada, as queridas perfidas, que desprezavam o seu desinteressado affecto.

A litteratura, que é o espelho das sociedades, tem por feição a ironia mordente, a analyse fria, a dissecação anatomica mais positiva e mais crua.

O desdem pela mulher manifesta-se sob todas as fórmas, e debaixo de todos os aspectos.

Se acabaram as declamaçães de Benedicto e de Antony contra a tyrannia esmagadora da instituição conjugal, apparecem em logar d’estas os quadros mais abjectos da dissolução e da decadencia a que chegou o casamento e com elle a mulher.

No limiar da adolescencia os que não alardeiam um cynismo falso e tão ridiculo como os transportes romanticos do passado, calculam arithmeticamente o que póde provir-lhes em beneficios liquidos d’aquillo a que chamam um bom casamento.

Não attendem ás qualidades moraes, que não podem apreciar nem conhecer; quando muito, lançam no orçamento como uma verba de certa importancia as vantagens physicas da noiva escolhida.

Nenhum grande pensamento os exalta, nenhuma idéa definida e clara da missão que aceitam os eleva a seus proprios olhos.

Pelo seu lado a noiva, a creança radiosa que enfeitam todas as galas e todas as flôres dos vinte annos, gaba-se em confidencia ás amigas intimas, de que já não tem illusões e que conhece a vida, a vida de que ella não leu ainda sequer a primeira pagina!

Casa porque a familia quer, casa porque encontrou aquelle rapaz em dous bailes, porque o achou interessante, sympathico, muito amavel, porque emfim é um bom partido, segundo diz o papá!

Outras vezes casa porque gosta d’elle, mas gosta d’elle instinctivamente, animalmente, sem o conhecer, sem saber se essa mão que aperta nas suas mãos virginaes, será sempre em todas as crises, em todas as occasiões da vida, a mão de um homem honrado.

No dia em que se acham ligados indissoluvelmente o seu primeiro sentimento é um sentimento de surpreza, quasi de susto.

Dizem então os frivolos e os superficiaes: o melhor tempo é o da lua de mel.

Engano! Esses dias são os dias da vertigem, mas não são os dias da felicidade.

Cada defeito que os dous mutuamente se descobrem, é como uma semente envenenada que ha de germinar mais tarde.

Não se lembram do futuro, saboreiam com a volupia da paixão sensual os prazeres ephemeros d’essa hora que passa. No fundo, bem no fundo do pensamento, n’um escaninho escuro em que ambos fogem de entrar, porque sabem que lá os espera a desillusão, teem guardadas muitas das tristes descobertas que fizeram n’aquellas horas de abandono, de loucura, de extasi, em que as suas almas se embeberam voluptuosamente.

Elle sabe já que a mulher é frivola, é ignorante, é vaidosa, que vê no casamento as alegrias da vaidade, antes de ver os deveres e os sacrificios; ella tem a certeza de que todas aquellas promessas radiosas não passam de uma chimera que o tempo desfará, que o marido não tem as delicadezas que satisfariam a alma da mulher ainda a menos exigente, e a menos ambiciosa.

Na ebriedade d’aquelles primeiros tempos perdoam-se mutuamente os defeitos, que parecem até graciosos, lindos e feiticeiros.

O que os entristecerá mais tarde, o que avincará de rugas de mau prenuncio o rosto do marido, e fará encher de insondavel tristeza o coração da mulher, não é mais que a resultante das pequenas e todavia fataes concessões e desculpas que reciprocamente fizeram os noivos aos defeitos que viram apparecer nas