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Mulheres e creanças/Capítulo XIII

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CAPITULO XIII

Victoria Woodhall

 

 
Uma oradora americana


Os Estados-Unidos, que são decididamente a patria das excentricidades colossaes, o paiz em que o excesso do positivismo, como que para justificar o axioma de que os extremos se tocam, tem conduzido a intelligencia a uma especie de permanente hallucinação, os Estados-Unidos estiveram para dar segundo affirmou a imprensa ingleza, mais uma prova evidente do seu amor pelas originalidades ruidosas.

Dizia-se que a presidencia d’esta republica tão poderosa e florescente ia ser offerecida a uma mulher, e citava-se o nome d’essa mulher, que é uma das mais fervorosas e apaixonadas propagandistas da reforma politica e social, uma das advogadas mais eloquentes da emancipação completa do seu sexo.

Já muitas vezes o temos dito, antipathisamos formalmente com esta doutrina revolucionaria, da qual não esperamos senão funestos resultados, por isso nenhum laço de sympathia póde prender-nos á famosa Victoria Woodhall, de que se occupam com verdadeiro enthusiasmo alguns dos jornaes importantes da Inglaterra e da America do Norte.

Não deixaremos, porém, de estudar com attenção os poucos dados que conhecemos do seu caracter e da sua intelligencia, porque, embora como mulher — não concordemos com as suas theorias, — como artista — não podemos deixar de reconhecer que ella é um producto perfeito do seu meio.

Victoria Woodhall é moça, tem uma formosa presença, sabe vestir-se, o que já é deveras para notar-se n’uma advogada convicta dos direitos politicos da mulher, e se aprecia os triumphos que a sua palavra um pouco emphatica costuma arrancar aos numerosos ouvintes que a escutam, nem por isso desdenha os cuidados minuciosos da elegancia mundana.

Teem-na visto prégar sobre um texto biblico, que ella modernisa segundo as conveniencias da sua these, trajando elegantemente um vestido de velludo preto, e com uma rosa purpurea aninhada nas lustrosas tranças escuras do seu cabello garridamente penteado.

É casada, visto que lhe chamam Mistres Woodhall, mas nos salões onde tem preleccionado apparece sempre só sobre uma elevada platafórma, de onde préga ás turbas.

O marido, se existe, é um simples comparsa, ninguem o nota e ninguem se occupa em fallar d’elle. Entre parenthesis: não ha posição mais deploravel que a do marido de uma mulher celebre, quer dizer de uma mulher que falla em publico, que apparece, que declama, que tem os ruidosos triumphos da actriz, da cantora, da agitadora politica, e agora os mais modernos da preleccionista social.

Nunca pudemos deixar de sentir muito dó do Barão Stael, de monsieur Rolland, do marido de Henriqueta Beecher Stowe, e de tantos outros forçados e obscuros satelites d’esse astro brilhante e phenomenal que é a mulher acclamada pelo indiscreto applauso das multidões.

Agora o marido de Mr. Victoria Woodhall, se acaso vive, o que não podemos de modo algum affirmar, não tendo nunca ouvido citar o seu nome, parece-nos uma victima igualmente lamentavel do mesmo negro fado.

Victoria tem dado conferencias, extraordinariamente concorridas, em Nova-York, em Londres, em Liverpool e em outros centros industriaes da Inglaterra e da America.

Tem a voz insinuante e harmoniosa, a gesticulação arrebatada e artistica, a palavra facil, fluente, emphatica, mas tão quente e apaixonada que exerce sempre uma impressão profunda nos que a escutam.

Como já dissemos não tem os terriveis oculos azues, nem o rosto anguloso e severo de Mrs. Beecher Stowe, uma mulher que fez no seu paiz uma revolução humanitaria, e que destruiu aos nossos olhos todo o effeito sympathico da sua cruzada contra a escravatura com aquellas conferencias pedantes pelas quaes concluiu a sua carreira litteraria.

A mulher oradora precisa de ser formosa, sob pena de ser ultra-ridicula. Parece-nos, porém, que do ridiculo simples, sem circumstancias aggravantes, não a salva nem mesmo a formosura.

Victoria Woodhall no seu paiz préga em favor da santidade do matrimonio, da reforma da educação, de todos os graves e momentosos assumptos de que hoje depende a regeneração politica e moral das sociedades.

Fóra do seu paiz, porém, não vão tão longe ainda as suas aspirações.

O que ella por emquanto reclama é a igualdade e nivelamento absoluto de deveres e direitos entre a mulher e o homem.

Adoptamos com todo o coração não os meios, mas o fim d’essa propaganda tão necessaria; mas não podemos concordar de modo algum com o complemento que a feminil oradora proclama indispensavel.

Achamol-o contraproducente, illogico, funesto ás instituições abaladas, que se pretendem salvaguardar.

Queremos o casamento grave, austero e santo, querermos a creança educada com solicitude extremosa, queremos a mulher respeitada e querida, consciencia de bronze e coração de cêra, queremos na arte um ideal severo e levantado, queremos na sociedade a incorruptivel e serena justiça, queremos o homem regenerado e forte, e é porque desejamos tudo isso, que pedimos a Deus afaste para bem longe de nós o terrivel flagello da mulher dominando o seu proprio destino e o destino da sociedade.

N’um discurso de Victoria Woodhall, pronunciado em Nova-York e applaudido enthusiasticamente por um auditorio de 40:000 pessoas leem-se os trechos seguintes:

«Fallando do casamento, é escusado dizer que falamos n’esse casamento ideal que toda a maldade dos homens não póde destruir; n’esse casamento, de cujos membros poderá dizer-se com verdade: Foram unidos por Deus, e o poder do homem, não logrará desunil-os; n’esse casamento, de cujas alegrias jámais quererão apartar-se os que um dia as conhecerem; n’esse casamento que é tão sagrado, tão puro, tão santo, que nem a sombra de uma discussão póde existir entre, os dous factores que o determinam; fallamos n’esse casamento em que os dous representantes oppostos da humanidade — o elemento positivo e o negativo das raças — se tornam pela acção e pelo pensamento n’um unico ser, e tão perfeito, que os mesmos motores o movam e o façam pensar e obrar; em resumo, n’esse casamento do qual nem a sombra d’um elemento estranho possa alterar a pureza, a unidade, a ideal perfeição.

«O casamento é geralmente considerado como um assumpto por demais frivolo ou pueril.

«Aceitam-no ou quebram-lhe os laços com a mesma pressa e a mesma idéa das responsabilidades que elle impõe, como se o considerassem uma instituição especialmente designada para satisfazer as egoisticas paixões da humanidade.»

Sim, concordamos plenamente com este levantado ideal do casamento que a formosa preleccionista apresenta e proclama, mas affirmamos que elle nunca poderá realisar-se se triumpharem universalmente as doutrinas que ella tão ardentemente advoga.

A prova evidente d’esta nova asserção é ella quem se encarrega de nol-a fornecer.

A mulher, como nós a sonhamos e a queremos, não é a forasteira acclamada e illustre que anda espalhando por sobre a cabeça das turbas indifferentes ou passageiramente commovidas, as suas convicções e as suas theorias sociaes.

Recolhida no seu modesto e placido interior, mãe de um bando infantil, mimoso e louro, de que ella fosse a providencia, o amparo, a suprema alegria, esposa de um homem forte e honesto, de um trabalhador, de um membro activo e laborioso da moderna sociedade, a acção d’esta mulher seria muito mais restricta, mas incontestavelmente mais util e mais salutar.

Não daria uma hora de commoção dramatica ao auditorio que viesse ouvil-a, curioso de excentricidades novas; não julgariam possivel a sua eleição como presidente de uma republica poderosa; mas as pessoas que vivessem em mais ou menos estreito contacto com ella receberiam a influencia honesta do seu exemplo, e os filhos que ella educasse seriam outros tantos elementos fecundos da futura regeneração social.

Não é prégando o respeito ao casamento que se convencem os homens, é provando esse respeito nas minimas acções e nas acções mais decisivas de uma existencia.

Mrs. Victoria Woodhall tem arrebatamentos soberbos de eloquencia oratoria, fulminando a decadencia em que o sentimento da familia tem modernamente cahido, mas como quer ella provar-nos que comprehende essa absoluta identificação de duas almas, essa absorpção de um espirito em outro espirito seu irmão, ella que affirma tão rasgadamente a sua individualidade, ella que apparece em plena luz deixando na sombra aquelle de que não póde ser senão a metade incompleta, a porção imperfeita e mutilada.

Anda n’uma gloriosa faina a converter as suas irmãs que prevaricam ou descreem, ou ignoram.

Mas se o exemplo da gloriosa propagandista as tentar e seduzir?

Onde fica o lar modesto, o aceio do ninho, o terno amor dos filhos pequeninos, as obscuras virtudes domesticas, toda a graça, toda a poesia, todo o conchego, todo o encanto mysterioso e indestructivel d’essa ineffavel união chamada o casamento?

 

 

Não nos surprende, porém, este producto extraordinario de uma sociedade agitadissima e ainda para si propria indefinida e indefinivel.

A America tem-se feito a si mesmo, não procura para as suas leis e para os seus costumes uma solida base tradicional.

N’ella que é tão forte como nação, tão pertinaz nos intentos, tão energica nas acções, n’ella que é uma prova terminante de como em dous seculos se fórma uma raça, unica e cheia de virginal vigor, ha cousas que estão ainda perfeitamente vagas e fluctuantes.

O destino das mulheres é uma d’essas cousas.

Politicamente possuem os mais amplos direitos, podem ser tudo, aspirar a tudo, todas as carreiras estão abertas diante dos seus passos; socialmente é quasi um dogma o respeito que inspiram.

Ninguem ousa insultal-as nem com uma palavra, nem com uma suspeita, gosam de uma liberdade absoluta, andam sós, viajam desprotegidas ou antes protegidas pela sua fraqueza omnipotente, nos caminhos de ferro, nos omnibus, nos paquetes; sentam-se sósinhas á meza redonda de um hotel, fazem emfim impunemente, apoiadas pela despotica soberania dos costumes, tudo que a nós, européas de facto ou de tradição, se affigura quasi monstruoso de inconveniencia.

E no entanto, apesar d’este reinado apparente, apesar d’este predominio ostensivo, é bem mais profunda a invisivel influencia que as mulheres do velho mundo exercem em torno de si, não sobre as leis, o que seria pouco, mas sobre os costumes, o que é quasi tudo.

É que somos as rainhas do lar; de nosso bom ou mau juizo depende a paz ou a guerra, a ventura ou a desgraça, a prosperidade ou a ruina, a dôce mediania tranquilla ou a agitada e tempestuosa existencia mundana.

Não parecemos nada e somos tudo!

Os que mais nos desdenham não escapam ao nosso poder. Submettem-se-lhe inconscientemente. Os que luctam contra nós teem de confessar-se vencidos.

Não somos medicas, não somos advogadas, não somos professoras, não somos preleccionistas officiosas de qualquer theoria, mais ou menos arriscada; mas somos a influencia continua e permanente, a voz surda que sempre se escuta, a tentação funesta ou a guia providencial, o grande poder obscuro, a que se não furta o filho, o irmão, o marido, o proprio pae!

Que importa que não possamos exercer a nossa acção dentro da esphera restricta e limitada das leis, se os costumes ahi estão, para que nós os criêmos, os modifiquemos, os transformemos, para que nós lhes dêmos o nosso collectivo impulso enorme!

Na America, visto que a mulher tem a faculdade de luctar com o homem no campo da actividade pratica, é-lhe restringido fatalmente o seu poder na esphera em que ella póde e deve ser rainha.

O casamento na America protestante, dizem os viajantes que teem observado os costumes d’essa raça estranha e vigorosa, é um contracto temporario que se baseia no calculo, e que o mais leve atricto póde destruir.

O divorcio é alli um facto vulgarissimo, ha mulheres