Não é mel para boca de asno/VIII
O velho Azevedo agradeceu ao céu o ter achado um genro como ele sonhara, um genro que fosse homem de bem, inteligente, esclarecido e amado por Hortênsia.
— Agora, dizia ele no dia do casamento, só me resta concluir o meu tempo de serviço público, pedir a minha aposentadoria, e ir passar com vocês o resto da minha vida. Digo que só espero isto, porque Luizinha é natural que se case breve.
Marques, apenas chegou à corte, lembrou-se de ir à casa de Azevedo; não o fez por achar-se fatigado.
Tendo rematado o romance da mulher que o levou ao Rio da Prata, o jovem fluminense, em cujo espírito sucediam-se os projetos com espantosa facilidade, lembrou-se de que deixara em meio um casamento, e voltou-se logo para essas primeiras idéias.
Entretanto, como a antiga casa de Meneses era no centro da cidade, e ficava-lhe, portanto, mais perto, Marques resolveu ir lá.
Encontrou um moleque que lhe respondeu simplesmente:
— Nhonhô está em Petrópolis.
— Fazendo o quê?
— Não sei, não senhor.
Eram quatro horas da tarde. Marques foi jantar projetando ir à noite à casa de Azevedo.
No hotel encontrou um amigo que, depois de abraçá-lo, despejou um alforje de notícias.
Entre elas veio a do casamento de Meneses.
— Ah! casou-se o Meneses? disse Marques espantado. Com quem?
— Com uma filha do Azevedo.
— A Luísa?
— A Hortênsia.
— A Hortênsia!
— É verdade; há dois meses. Estão em Petrópolis.
Marques enfiou.
Realmente ele não amava a filha de Azevedo; e o direito que poderia ter à mão dela, tinha-o destruído com a viagem misteriosa ao Rio da Prata e a carta que dirigira a Meneses; tudo isto era assim; porém Marques era essencialmente vaidoso, e aquele casamento feito em sua ausência, quando ele pensava vir achar Hortênsia lavada em lágrimas e semi-viúva, feriu-lhe profundamente o amor-próprio.
Por felicidade do estômago dele só a vaidade estava ofendida, de modo que a natureza animal readquiriu logo a sua supremacia à vista de uma sopa de ervilhas e de uma maionese de peixe, fabricadas por mão de mestre.
Marques comeu como um homem que vem de bordo, onde não enjoou, e depois de comer tratou de ir fazer algumas visitas mais íntimas.
Deveria, porém, ir à casa de Azevedo? Como deveria falar ali? Que teria havido em sua ausência?
Estas e outras perguntas surgiam do espírito de Marques, que não sabia como decidir-se. Entretanto o moço refletiu que não lhe convinha mostrar-se sabedor de nada, a fim de adquirir o direito de censura, e que em todo caso era conveniente ir à casa de Azevedo.
Chamou um tílburi e foi.
Mas aí a resposta que teve foi:
— O senhor não recebe ninguém.
Marques voltou sem saber até que ponto aquela resposta era ou deixava de ser um insulto para ele.
— Em todo caso, pensou, o melhor é não voltar lá; além de que eu venho de fora, tenho o direito à visita.
Mas os dias passaram-se sem que lhe aparecesse ninguém.
Marques magoava-se com isso; mas o que sobretudo lhe doía mais era ver que a mulher se lhe escapara das mãos, e tanto mais se enraivecia quanto que a coisa era toda por culpa dele.
— Mas que papel faz Meneses em tudo isto? dizia ele consigo. Sabendo do meu projetado casamento foi traição aceitá-la por esposa.
De pergunta em pergunta, de consideração em consideração, Marques chegou a conceber um plano de vingança contra Meneses, e com satisfação igual à de um general que tem meditado um ataque enérgico e seguro, o jovem dândi esperou tranqüilamente a volta do casal Meneses.