Noções Elementares de Archeologia/I

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NOÇÕES ELEMENTARES
 
DE
 
ARCHEOLOGIA
 


 
CAPITULO I
 

Tempos prehistoricos

 

Chamaram prehistoricos aos tempos antigos de que não existe historia escripta.

Desde os tempos mais remotos, apparece um longo periodo sem historia escripta, nem elementos positivos, durante o qual tentamos encontrar o progresso e o desenvolvimento da humanidade, unicamente por vestigios mais ou menos incompletos.

O archeologo tem que tomar a penna do historiador e procurar deduzir algumas probabilidades historicas, com observação escrupulosa dos factos averiguados. Os antiquarios modernos têem-se dedicado com entranhado amor a este genero de investigações.

Estabeleceram na historia pertencente á existencia do homem, anterior ás épocas conhecidas, tres grandes phases, ou estancias, a saber:


Idade de pedra
Idade de bronze
Idade de ferro

A fundição, ou reducção dos metaes, é uma operação difficil, que esteve de certo por muito tempo desconhecida: os povos atrazados na civilisação deviam fabricar os objectos de que tivessem necessidade para a propria defensa e para a caça, assim como para os usos communs da vida, empregando pedras rijas, como é o silex (pedreneira), os ossos dos animaes, ou a madeira.

O extraordinario numero de descobrimentos feitos nos diversos paizes, principalmente em França, na Suissa, na Inglaterra, e na Dinamarca, confirmou esta supposição.

As collecções dos museus contém quantidade consideravel de pontas de frechas, facas, machados, feitas com pedreneira e em rocha rija: grande numero de instrumentos de osso, ou de pedra, se tem achado em differentes partes, e esses instrumentos conservam-se quasi intactos dentro do solo, onde estavam occultos. O periodo secular em que os metaes não estavam ainda em uso recebeu, pois, a denominação de idade de pedra.

As melhores qualidades de rochas para fabricar os instrumentos cortantes, eram o silex (pedreneira), felds-pathicas, o petrosilex verde, e algumas variedades de porphyro; porém o silex tem sido, como parece, a pedra mais constantemente empregada, e talvez a mais facil de preparar a forma requerida.

Seguramente, se dermos com certa precaução uma martellada sobre um fragmento de silex, de forma alongada, esse silex estalará, e a pedra que se desligue tomará logo a forma conoidal; ficará chata de um dos lados, mostrando do outro uma aresta viva. Podiam-se fazer por este modo facas de pederneira, de que em diversas localidades se tem encontrado centenares de modelos.

Fazendo-se estalar esta qualidade de pedra repetidas vezes com certa habilidade, podem-se fabricar machados, pontas para flechas e outros instrumentos do genero d'aquelles de que apresentamos os desenhos n’esta pagina.

Os objectos pertencentes á idade de pedra e á idade de bronze tem sido encontrados, principalmente nos tumulos, nas cidades lacustres, em algumas cavernas, antigamente habitadas.

Examinemos os depositos que indicamos, porque nos offerecerão, segundo recentes explorações, materia variada e curiosa para o nosso estudo.

Tumulos

Os tumulos ou sepulchros, compõem-se d’um recinto central formado de pedras de rocha de grande dimensão, no qual se entra geralmente por um corredor de egual construcção, estando tudo encerrado em immenso montão de pedras e terra.

Quer fosse porque estivesse com imperfeição o recinto central encerrado no meio do outeirinho facticio; quer, o que parece mais natural, porque se servissem da terra ou das pedras dos tumulos em época posterior, muitas vezes foram encontrados os pedregulhos que formam a parte central sem a terra que os cobria e quasi completamente separados; então n’este caso chamavam-se Antas (dolmen).[1]

Vista exterior de um tumulo

Os defuntos eram depositados com os seus corpos inteiros e em geral apresentavam-os sentados e encostados nas paredes do recinto central, tendo junto de si os machados e outras armas de pederneira; algumas vezes vasos de barro toscamente fabricados, e outros objectos de uso commum.

Veja-se o desenho n.º 2, de um tumulo completo; o n.º 3, um tumulo aberto com dolmen; o n.º 4, um dolmen completamente desguarnecido; e o n.º 5, a perfeita Anta de Guitamães, em Vianna do Castello.

Figura 3: Vista interior de um tumulo
Figura 4: Dolmen central de um tumulo

Varios antiquarios tinham tomado os dolmens desguarnecidos de tumulos por altares druidicos, porém ao presente esta ideia esta quasi desprezada, por falta de provas positivas.

O cobre com liga que lhe dá maior rijeza, foi empregado depois da pederneira, ou conjunctamente com ella, quando os nossos antepassados aperfeiçoaram esta industria e conheceram o modo de derreter os metaes.

Figura 5: Anta de Guitamães (Minho)
Os principaes objectos de bronze, foram os machados, as pontas das lanças, as espadas, os punhaes, as facas, os anzoes, as fouces, os alfinetes, os anneis, os braceletes; estes objectos fundidos, muitas vezes com formas elegantes, apresentavam em todos os paizes o mesmo feitio, tanto na Dinamarca como em França, e na Inglaterra; e isso nos convence de que os typos tradicionaes, talvez imitados do mundo antigo pelas nações civilisadas, e trazidos para a Europa occidental em época que não se pode fixar, foram reproduzidos sem alteração, em moldes apropriados.
Figura 6: Fachada do Dolmen de Bournan
Figura 7: Plano do Dolmen de Bournan
Esta época importante da historia dos progressos da humanidade rasgou bom horisonte no prolongado periodo antehistorico: d’ahi proveio a denominação de idade de bronze. O difficil era saber-se, por inducção, quando e como o bronze apparecera nos paizes septentrionaes.

Ha annos, o sr. Worsaæ e os antiquarios dinamarquezes publicaram que os tumulos da idade de pedra continham compartimentos centraes, conforme descrevemos; nos quaes se depositavam os cadaveres sentados, com os joelhos juntos á barba e os braços cruzados no peito; em quanto os tumulos da idade de bronze não apresentavam esse compartimento reservado, sendo construidos com grandes pedras e os outeirinhos, compostos de terra e de pequenas pedras, não encerravam cadaveres, mas tamsomente as cinzas dos finados, depositadas em vasos de barro; muitas vezes appareciam acompanhados de objectos de bronze e ás vezes de ouro. Inferia-se d’estas differenças, que os instrumentos de bronze haviam sido trazidos por uma raça que invadira, absorvera e talvez aniquillara a indigena; raça que teria costumes diversos, armas superiores e civilisação mais adiantada que a subjugada.

Acceitando-se este facto, a idade de bronze seria inaugurada na Europa occidental por um povo conquistador em época desconhecida.

Os objectos de barro não nos guiam suficientemente n’esta exploração. Os que foram achados com os instrumentos de bronze são de fabrico grosseiro, mal cosidos, e por seu feitio, ornatos e as substancias que os compõem, simelham-se muito com os vasos de barro achados nos sepulchros que encerravam unicamente objectos de pedra. N’esses diversos tumulos raramente se viam vasos com azas; a forma dos gargalos parecia não ser conhecida, nem o seu uso; consistindo apenas a ornamentação em linhas em direcções diversas; ou ponteado concavo, ou emmoldurado em xadrez.

Além d’isso, a pederneira era ainda de uso geral na idade de bronze, e muitas vezes se tem encontrado objectos de pedra e instrumentos de bronze nos mesmos tumulos; facto que poderia explicar-se admittindo-se que servira successivamente para sepultura em differentes povos.

Acharem-se cinzas no logar dos cadaveres sentados, pareceu sufficiente caracteristico da idade de bronze, pois que nos tumulos, que encerravam objectos de metal, havia poucos exemplos de se fazer enterramento na posição sentado, e essa pratica caracterisa a idade de pedra.

Tem-se, comtudo, encontrado na mesma sepultura esqueletos sentados no proporção de 20 por cento, talvez como demonstração, segundo o sr. Lubbock, dos ultimos representantes das gerações passadas que tivessem apego aos antigos usos.

Habitações lacustres

Precisamos de expôr, em primeiro logar, o que se entende por cidades lacustres.

Ha annos notava-se em muitos lagos da Suissa, abaixo do nivel natural das aguas, estacarias em grupos consideraveis; o dr. Keller, de Zurich, socio da sociedade de archeologia franceza, estudou com attenção esses vestigios, que por grandissima diminuição das aguas ficaram visiveis; e declarou depois, que os primeiros habitantes da Suissa estabeleciam por vezes as suas casas em cima da agua, como praticavam algumas tribus da antiguidade, e até como fazem ainda alguns povos modernos. Tal descobrimento causou sensação entre os antiquarios; muitos observadores se dedicaram depois com grande solicitude a explorar o fundo dos lagos, nos logares das cidades lacustres indicadas pela presença da estacaria. Estas investigações foram proficuas. Poderam-se tirar, servindo-se de dragas, grande numero de fragmentos de objectos de barro, e outros utensilios, os quaes, comparados com os que foram encontrados nos tumulos, reconheceu-se pertencerem tambem a identica civilisação.

Varias outras estancias lacustres foram depois descobertas na Suissa; contaram-se até 32 no lago de Constance; 46 no de Neufchâtel; além das que se viram nos de Genebra, de Inkwill, de Pffikon, de Luissel etc., etc. Ainda que nem todas pertençam á idade de bronze ou de pedra, e que muitas pareçam ser do tempo da idade de ferro, e do periodo romano, todavia o maior numero é das idades de pedra e de bronze.

Os museus de Lausanna, de Genebra, de Neufchâtel e outros, tem collecções completas dos objectos chamados lacustraes, por causa de terem sido conservados por séculos debaixo das aguas.

Os habitantes das cidades lacustraes achavam sem duvida recursos alimentícios na pesca, mas estabeleceram as suas habitações sobre a agua para se collocarem ao abrigo dos ataques das feras, ou dos roubos das tribus visinhas. Era facil separar inteiramente essas povoações fluviaes levantando para isso as pontes, que lhes serviam para communicarem com as margens.

Segundo o estudo das ossadas dos animaes recolhidos pela draga, e de diversos fragmentos, conheceu-se que então já havia seis especies de animaes domesticados que deviam servir para o alimento dos habitantes; e entre essas, encontraram-se restos de veados, bois, de duas formas, porcos, cães, cabras e cavallos, notando-se porém que havia poucos vestigios do cavallo e da cabra.

Cavernas

As excavações dirigidas por varios geologos em diversas localidades, deram em resultado encontrar-se nas cavernas consideravel numero de objectos devidos á industria das raças primitivas, incluindo as da época do diluvio, assim como os machados de pederneira, toscamente fabricados, e outros instrumentos de silex e osso, e em parte envolvidos com ossadas de animaes giganteos, que já hoje não se encontram.

Os objectos de silex e osso, pela maior parte, parece pertencerem á idade de pedra, e provirem das epocas mais remotas da humanidade. Mas deve notar-se que sempre apparecem misturados com esses utensilios do homem, restos de animaes, que se não encontram hoje, e que pertencem á formação do terreno quaternario, considerado até então como anterior ao apparecimento do homem.

O descobrimento de uma queixada humana no saibro do Moulin-Quignon, proximo de Abbeville, na França, veio estratigraphicamente confirmar taes conjecturas e indicações. Embora isto seja do dominio da geologia e da paleontologia, os factos novamente averiguados são de summo interesse, pois que comprehendem a idéa de indeterminada e espantosa antiguidade em que o homem vivia no estado quasi selvagem: não é difficil acreditar que assim acontecesse, quando pensarmos na situação actual dos povos de Africa central, dos naturaes da America, quando foi descoberta, e dos habitantes das ilhas da Oceania. O homem que vive isolado, sem communicação com os povos mais adiantados que elle, poderá ficar muito tempo no mesmo grau de civilisação; como aconteceu em o nosso continente antigo, em quanto os romanos levavam o luxo até o extremo, havia então em o Norte, onde já chegam hoje os caminhos de ferro, povos semi-selvagens que não tinham participado em cousa alguma dos progressos do povo rei; e comtudo deviam depois repartir entre si os seus despojos e gosar da sua civilisação.

Podemos, portanto, admittir que houve por longos annos na Europa, nas margens dos rios, uma raça de caçadores e pescadores, e que nos bosques existiam o mammouth, o rhinoceronte, animaes que podiam resistir á baixa temperatura que n'essa época era propria em nossa região. Julga-se, com fundamento, que tal raça de homens vivia como succede hoje entre alguns esquimaus, e como os laponios viveram seculos antes. Acrescentaremos que a flora fossil parece mostrar que as modificações occorridas na forma por effeito das mudanças climatericas, tiveram os seus equivalentes no mundo vegetal antigo.

Os principaes monumentos dos tempos prehistoricos são, conjuntamente com os tumulos, dos quaes já tratamos:

Os peulvans ou pedras cravadas na terra;

Os monumentos compostos com pedras similhantes, taes como os alinhamentos;

Os circulos formados de pedras, e os recintos simplesmente de terra.

As pedras oscillantes são pedras de extraordinario peso sobrepostas a outras e collocadas em equilibrio, mas que ao menor impulso se fazem mover: existem algumas em França, porém na Inglaterra o maior numero. No Alemtejo, proximo de Alter do Chão, ha uma d’esta qualidade.

Pedras erguidas
Figura 8: Pedras Erguidas

As pedras erguidas[2] que se designam egualmente com os nomes de Menhirs, Peulvans, Pedras cravadas, etc., são pedras toscas de forma esguia ou conica implantadas verticalmente na terra, como se collocam os marcos. A sua altura varia desde 2 a 6 metros, ou mais; ás vezes estão cravadas de maneira que a extremidade menos grossa fica para baixo, e a mais volumosa para cima, como se estivessem sustentadas n'um pião. Outras estão simplesmente postas no solo, em logar de serem cravadas na terra, porém, é preciso não confundir estas pedras com vários pedregulhos erraticos, ou que se encontram em posição vertical e podem estar assim naturalmente collocados.

Figura 9: Alinhamentos de pedra era Ardeven

Alinhamentos.—Os alinhamentos são formados de pedras esguias. As pedras, alinhadas com mais ou menos regularidade, mais ou menos intervallos entre si, formam algumas vezes uma única fileira. Umas tambem se encontram postas em duas, tres, quatro ou maior numero, conservando-se em linhas parallelas. Estas especies de avenidas pedregosas são delineadas commummente na direcção de Leste a Oeste, ou do Norte a Sul.

Outras vezes as pedras são substituidas por trincheiras ou fossos de terra. Tem-se encontrado em algumas partes posto que raramente, terrados parallelos na direcção de Leste a Oeste, e do Norte a Sul, que apresentam, em quanto á disposição, muita analogia com os alinhamentos de pedras e parece terem tido o mesmo destino.

Os alinhamentos de pedras mais notaveis e mais vastos que se conhecem em França, são os de Karnac, de Ardeven, e de Penmarch. Compõem-se de mais de 1:200 pedras toscas em 11 filas parallelas com 763 toezas de comprimento, e 47 de largura. As mais elevadas tem 18 a 20 pés, e as mais pequenas 4 a 5. Ha entre ellas algumas de volume tão extraordinario que lhes avaliam o pezo em 70 a 80 milheiros.

Os alinhamentos de Ardeven estão dispostos regularmente em filas parallelas, tambem na direcção do Norte para o Sul, e no espaço de 3 kilometros de extensão.

Circulos

Outra combinação de pedras erguidas toma a forma de circulos, que têem sido designados pelo nome de cromlecks.[3]

Figura 10: Circulo de pedras

Os maiores d’estes circulos existem em Inglaterra; um d’elles, o vasto circulo de Avebury, em Wiltshire, está totalmente destruido; porém ainda houve quem o visse quasi completo por 1713; compunha-se de 660 pedras, e achava-se situado no meio de uma planicie, ficando-lhe o terreno em declive de todos os lados, como pode vêr-se na gravura junta.

Figura 11: Restauração do monumento d'Avebury

O circulo exterior era formado de 100 pedras de 15 a 16 pés de altura, collocadas a 27 pés umas das outras; tinha perto de 1:300 pés de diametro, e via-se cercado de profundo fôsso, contornado exteriormente por larga trincheira de terra.

Este grande circulo continha dois circulos mais pequenos, compostos cada um de dois renques concentricos de peulvans, do qual um tinha 30 pedras, apresentando um diametro de 466 pés; e o outro 12 pedras, com o diâmetro de 186 pés.

O monumento de Stone-Henge[4] está situado a 6 milhas de Salisbury, em uma eminencia, na proximidade da qual se encontram muitos tumulos; é composto de 4 circulos concentricos, dos quaes os dois maiores são circulares, em quanto os outros dois mostram a forma um tanto elliptica.

Figura 12: Vista de Stone-Henge, proximo de Salisbury

O circulo exterior tinha quasi 97 pés de diâmetro; e compunha-se primitivamente de 30 pedras erguidas com altura de 10 a 12 pés, collocadas a 1 metro de distancia umas das outras; estas 30 pedras sustentavam egual numero de impostas ou pedras collocadas horizontalmente que se ligavam nas extremidades e formavam d'este modo uma especie de balustrada tosca.

O segundo circulo ficava a 9 pés do precedente, era formado de 29 pedras esguias sem impostas, e por metade da grandeza das do circulo exterior: apenas 19 estavam erguidas haverá 38 annos.

O terceiro circulo, a 13 pés do precedente, apresentava uma illipse tendo o pequeno eixo 52 pés, e o maior quasi 55; formado por trilithos[5] de grande dimensão, o mais elevado, dos quaes tinha 22 pés de altura.

Finalmente, o circulo central tambem um pouco elliptico, compunha-se de 20 peulvans com a altura de quasi 6 pés.

Figura 13: Disposição dos renques de pedras em Stone-Henge

Na extremidade oriental do oval, dentro do ultimo circulo, havia uma pedra medindo 16 pés de comprimento e 4 de largura, posta em plano na terra, e que se suppõe serviria de altar.

As pedras esguias que compunham estes quatro circulos eram quasi todas mais largas na base que no vertice; tinham sido cravadas em cavidades abertas em rocha de natureza graphite, e havia o cuidado de as consolidarem calcando-as com fragmentos de pederneira em volta das cavidades.

Um largo fôsso de 30 pés, collocado entre duas trincheiras, formava o quinto recinto circular á roda das pedras do circulo exterior.

A Dinamarca, a Noruega e a Suecia, conteem certo numero de cromlecks, quasi todos circulares ou ellipticos, apresentando geralmente uma pedra no centro, que se suppõe ter servido de altar.[6]

Acredita-se que estes monumentos nem sempre foram usados nas ceremonias religiosas.[7] Na infancia dos povos, os logares consagrados ao culto deviam servir tambem para tribunal de justiça, assim como para ponto de reunião dos conselhos patriarchaes ou de notaveis, que tratavam dos interesses da nação, das eleições, das inaugurações, etc.

Em o Norte, os nobres reuniam-se antigamente dentro de recintos circulares formados de pedras, para elegerem os seus principes, até a promulgação da Bulla de Ouro pelo imperador Carlos IV, em 1356. O circulo de pedras, no qual Eric foi proclamado rei da Suecia, existe ainda proximo de Upsal; uma grande pedra toma o centro, como em outros recintos d'aquelle paiz. Outrotanto se praticava na Irlanda e na Escossia.

Taes são os principaes monumentos de pedra dos tempos prehistoricos. Accrescentemos que o vulgo lhes attribue origens fabulosas, como obra de um ente colossal chamado Gargantua; que a tradicção os tem indicado como encerrando preciosos thesouros; abrigos de fadas, de almas do outro mundo, e dos espiritos que as acompanham!

Recintos formados com terra

Estes recintos consistem em um vallum de terra, ás vezes misturada de seixos, circumdando extensões mais ou menos consideraveis e cujas formas são mui variadas. Poder-se-hia attribuir essa especie de claustros á outra época do que a que corresponde aos tempos prehistoricos, se não houvesse tumulos encerrados no vallum, ou levantados proximo d'elles, o que faz suppôr que serão contemporaneos.

Architectura dos tempos prehistoricos

Pouco sabemos acerca de qual seria a architectura anterior ao dominio dos romanos. Presume-se porém que nas primitivas construcções empregariam a madeira e o barro.

As habitações eram circulares, construidas com madeiras e vimes enlaçados.

No interior faziam as divisões com terra; o telhado formavam-n'o de ripas de carvalho ligadas com massa de argila e palha cortada, conforme os vestigios encontrados na Gallia, na Bretanha, na Germania, em Hespanha e Portugal.

De investigações feitas em França e na Inglaterra, conheceu-se que muitas habitações dos celtas tinham antes a forma oval do que redonda, e algumas vezes rectangular; mostravam alicerces de pedra secca, e muitas eram construidas em nivel inferior ao solo que as circumdavam, quer fosse para se resguardarem dos rigores do clima, ou quer para não darem ás paredes altura consideravel.

Estas casas estavam em relação com a simplicidade dos costumes; deviam ter um só andar, e apresentavam uma só abertura, que servia de porta e janella.

Em todas a forma era egual, mas as dimensões divergiam. O numero e a grandeza das casas deviam corresponder á cathegoria e opulencia dos possuidores.

Os gaulezes abastados tinham sempre junto de si séquito para o qual necessitavam de grandes habitações. Escolhiam portanto o terreno para ellas nos bosques e perto dos rios, ou em eminencias, afim de servirem egualmente de fortalezas para a propria defensa.

Utensilios e instrumentos diversos

Em época, que não podemos determinar, os nossos antepassados souberam, que o estanho combinado com o cobre produzia uma liga mais rija e mais pesada que estes dois metaes separados; as analyses que o celebre mineralogista Clarke repetidas vezes fez em Inglaterra, e aquellas que se fizeram em França, demonstraram que sobre 100 partes quasi todos os bronzes antigos contem 12 de estanho e 88 de cobre; porém que esta proporção não é constante, e que a quantidade de estanho ou de chumbo combinada com o cobre, varia ás vezes desde 4 até 15 por 100.

Mr. Clarke verificou que os antigos bronzes descobertos na Grecia, no Egypto e em algumas partes da Asia,[8] continham a mesma quantidade de estanho (88 e 12): sendo esta a proporção necessaria para se obter o maximum de densidade resultante d'estes dois metaes.

Os machados de bronze, que tem sido encontrados em grandissimo numero em toda a parte e que se vêem em quasi todas as collecções,[9] apresentam entre si differenças notaveis; os typos que damos são os mais conhecidos. Estes machados teem um olhal nos lados, e existem de diversos tamanhos; as faces lateraes são de feitio de uma folha lanceolada sobre o comprido, na qual se vê o vestigio da juncção das duas peças do molde em que o instrumento foi vasado.

Em Portugal descobriu-se um muito singular, não só por suas grandes dimensões, mas por ter dois olhaes, o que o torna raro no seu genero.

Figura 14a
Figura 14b
Figura 14c
Figura 14d

Estes machados deviam encavar-se de duas maneiras: n'uns, o cabo entrava de espiga n'uma cavidade central a, b; n'outros, dar-se-lhe-hia a forma de palmeta para entrar nos dois lados do instrumento no logar preparado c; algumas vezes as bordas delgadas e salientes que formavam a parte ôcca ficavam reviradas sobre si, por modo a formar uma especie de calha d, apropriada para conservar a parte encavada.

Moldes para machados

Os machados de bronze foram sem duvida fundidos em moldes compostos de duas peças symetricas, pouco mais ou menos como os que ainda hoje são empregados na fundição das colheres de estanho.

Figura 15: Molde aberto
Figura 16: Molde fechado

É provavel que alguns d'estes moldes fossem de terra ou de pedra; porém o maior numero dos que se conservam nos museus são de bronze, fundidos egualmente como os machados.

O primeiro molde para machados celticos que chamou a attenção dos sabios foi descoberto na Inglaterra em 1779. Encontraram-se depois em muitas partes da França, principalmente na Normandia.

Estes moldes compôem-se de duas peças ôccas, que se podem juntar e unir sem se desconcertar, por meio de uma parte saliente chamada macho que está na virola do molde de uma das peças, e se encaixa na fenda praticada na virola da outra peça.

Espadas de bronze.—As espadas de bronze compõem-se de lamina e cabo (punho). São de folhas direitas, chatas, mas reforçadas no centro da lamina, e ás vezes ainda com bojo no espaço comprehendido nos dois terços da folha. Cortam dos dois lados e tem ponta aguda.

Figura 17

A largura de lamina quasi sempre é de pollegada e meia ou duas pollegadas na parte mais larga, sendo a sua maior grossura de um quarto de pollegada.

No punho ainda algumas tem os pregos de bronze que haviam servido para segurar a guarnição.

As espadas eram tambem fundidas, e o metal identico ao empregado nos machados.

Punhaes de bronze.—Estas armas parecem-se com as espadas, exceptuando a lamina que é mais curta. O comprimento de alguns é de 10 a 14 pollegadas, e a largura da folha de 2 a 2½ pollegadas na base.

Pontas de lança.—Juntamente com as armas que descrevemos, encontram-se de vez em quando pontas de lanças e e objectos que foram considerados como especies de virolas ou ferragens para guarnecer a parte inferior da hastea.

Rodeias ou collares (torques).—Affirmam alguns historiadores que os gaulezes traziam collares ou torques, como tambem braceletes e argolas nos braços.

Figura 18

O collar era egualmente usado pelos gregos e romanos, e outros povos; talvez não haja outro ornamento de uso mais antigo, nem mais geral.

Deve-se distinguir entre os torques; em primeiro logar, os que são formados de muitas peças encadeadas e enfiadas em especie de rosarios de perolas grossas de ambar, de azeviche, de vidro colorido, etc., como se encontraram dentro de alguns tumulos; e depois as cadeias, cujos elos são de ouro ou bronze. Em segundo logar, os torques, compostos de uma unica peça de metal (ouro, bronze, etc.) arqueada de maneira a formar circulo do diametro mais ou menos consideravel, e muitas vezes com lavores. Em muitos torques as duas extremidades da peça metalica não estão soldadas, porém o metal offerece bastante flexibilidade para facilitar mettel-as nos punhos, podendo-se unir ou abrir, independentemente do fecho; outros torques não apresentam nenhuma d'estas formas.

Figura 19

Appareceram tambem chapas de ouro bastante delgadas com feitio de meias-luas, porém cujas pontas estavam arqueadas de modo a formarem circulo quasi perfeito. Vêem-se, aos lados e nas extremidades de algumas d'estas peças, festões e molduras.

Figura 20

O pequeno intervallo que separa as duas pontas do crescente não nos faz suppôr que este enfeite servisse para se trazer em volta do collo; provavelmente ficava suspenso por uma corrente.

Alguns instrumentos achados por varias vezes nos sepulchros, ou junto dos dolmens, em França e mais frequentemente na Irlanda, consistiam em hastea de ouro arqueada tendo nas duas extremidades um disco, em alguns chato, em outros levemente concavo.

Figura 21

Ignora-se absolutamente para que uso seriam destinados.

Finalmente, o objecto seguinte, uma especie de gargantilha formada de uma folha de ouro mui delgada, foi achado em França em diversas localidades.

Figura 22: Collar de ouro descoberto em França

As moedas chamadas celticas são provavelmente em parte contemporaneas dos ornamentos ou enfeites que descrevemos acima.

Objectos de barro

Figura 23

São tanto mais difficeis de se distinguirem os objectos de barro celticos, com excepção dos que se tem encontrado nos tumulos, quanto em algumas partes estão muitas vezes misturados com outros similhantes aos do tempo dos romanos; visto que os mesmos sitios foram habitados antes e depois da conquista de Cezar na Peninsula.

Os objectos de barro descobertos nos tumulos, são formados de terra preta, mal preparada e com pequenos seixos, o que produziu massa pouco solida. Os seus fragmentos são frageis, e não foram cozidos sufficientemente; a parte quebrada não mostra arestas vivas, mas sempre cheias de cavidades. As superficies d'essas peças, tanto na parte interna, como na externa, tem côr quasi egual á do ferro ferrugento; porém na parte interna é de negro carregado. Expostas á acção do lume tomam exteriormente a côr avermelhada do tijolo; em quanto no interior ficam negras, e mais frageis depois d'esta operação.

Figura 24: Vasos achados nos tumulos de Inglaterra, Hollanda e outros paizes

Esses vasos não parece terem sido feitos com auxilio do torno, e não apresentam nenhum moldado ou borda; foram unicamente alisados na parte exterior com um objecto qualquer, que lhes deu lustro irregularmente, de maneira que mostram na superficie altos e baixos, mais ou menos lisos, conforme vai indicado na gravura junta.

Os que foram encontrados nas cidades lacustras, mostram inteira similhança e caracter no fabrico. A massa não está solidamente ligada, por ter algumas partes de pederneira; a côr é preta ou cinzento escuro. Esta massa tem pouca consistencia; quando está secca quebra-se facilmente, e pode-se desfazer entre os dedos; se a molharmos, dar-nos-ha a apparencia de bocados de cortiça velha que estivesse por muito tempo exposta á chuva. As suas formas indicam a infancia da arte, excepto os fragmentos onde se descobre o uso do torno; os demais pertenceram a objectos que parece foram vasados em moldes e polidos á mão, ou lavrados com algum instrumento. Reconhece-se na superficie exterior de alguns fragmentos o trabalho de uma especie de plaina. Os ornamentos compôem-se de filetes imperfeitos, e em pequenos riscos junto á borda do orificio.

Figura 25: Outros vasos achados nos tumulos

Entre os objectos de arte que enumeramos, só vemos os instrumentos cuja materia unicamente podia resistir á acção do tempo; os moveis de madeira que teriam as habitações gaulezas não conseguiram chegar até os nossos dias. Os lagos de certo conservaram-nos muitos objectos, e até pedaços de tecidos que recentemente nos esclareceram alguns pontos relativos á industria d'esses povos, antes da occupação do territorio da Gallia pelos romanos, porém são ainda dados incompletos para se formar cabal idéa do estado da industria.

Terminamos este rapido esboço, apresentando o quadro synoptico das antiguidades que servem de assumpto ao primeiro capitulo.

Mappa synoptico das antiguidades prehistoricas

Nomes especificos Caracteres
Túmulos conicos Outeirinhos artificiaes de forma, e de dimensões differentes, compostos de pedra e de terra, com dolmens no centro.
ovaes
Pedras erguidas De forma esguia. Firmadas verticalmente na terra como se fossem marcos.
assentes De forma indeterminada. Simplesmente collocadas sobre o solo sem estarem cravadas no chão.
Trilithos Duas pedras verticaes sustendo outra horisontalmente.
Dolmens simples Uma mesa de pedra collocada sobre pedras postas de cutello, em numero de 3, 4 ou 6.
compostos Grande mesa de pedra composta de muitos pedaços, sendo, pelo menos, 6 o numero dos pontos de apoio.

Nota. Os mais collossaes d'estes dolmens formam galeria ficando abertos n'uma das extremidades; costumam ser designados de avenidas cobertas.

Alinhamentos simples Um ou dois renques de pedras em linha recta.
compostos Quatro, cinco e algumas vezes até onze ou doze renques de pedras formando avenidas parallelas.
Pedras postas em grupo Accumulação de pedras, sem ordem, mais ou menos consideravel.
Circulos formados com pedras simples Composto d'um só renque de pedras cravadas ou assentes.
compostos Formados de muitos renques de pedras.
Recintos cercados de terra, ou de pedras De diversas formas.
Logares de Habitações Vestigios de casas Logar de cabanas redondas, ovaes, algumas vezes rectangulares, indicadas por alicerces de pedra tosca sem argamassa ou tão sómente pelo abaixamento do solo.
Subterraneas Galerias e casas cortadas na rocha.

Excavações diversas.

Instrumentos Diversos Em pedra Punhaes e facas Um pedaço de silex cortado de maneira a apresentar uma folha aguda, com dois gumes, e armado d'um cabo.

Folha de silex sem cabo.

Pontas para frechas Pequenos dardos, dos quaes o comprimento varia desde meia pollegada até duas
para rojões Dardos quasi similhantes aos precedentes, porem mais sobre o comprido.
Martellos Peça quer redonda dos dois lados, quer d'um lado sómente.
Pedras para fundas Redondas ou ovoides, de 2 a 3 polegadas de diametro.
Machados Convexos para o centro, cortados em aresta viva nos bordos, acabando de um lado em ponta romba, e de outro em gume, o qual descreve uma porção de ellipse.
Em bronze Machados De formas diversas similhando-se mais ou menos a uma cunha.
Fôrmas para machados São duas peças symetricas, que depois de reunidas a parte ôcca mostra o feitio do machado.
Espadas Folhas direitas, chatas, de dois gumes, acabando em ponta.
Punhaes Quasi similhante ás espadas na forma, porém com menor comprimento.
Cabeças de rojões De forma lanceolada tendo um engrossamento no meio.
Torques compostas de peças Correntes metallicas.—Perolas de pedra de côr-alambre, formando rosario.
de uma só peça Argolas metallicas mais ou menos grossas muitas vezes com lavrados.—Chapas do feitio de meia lua.
Ornamentos diversos Em bronze e em ouro, com lavrados.
Louça de barro Muito fragil, mal cozida, composta de terra preta mal preparada e cheia de pequeninos seixos.
Moedas Em ouro, em prata e em bronze.

Notas[editar]

  1. Dolmen é composto de duas palavras celticas, dol mesa, e men pedra.
  2. Menhir e peulvan derivam da língua celtica, e têem quasi a mesma significação; compõem-se de duas palavras men pedra, e hir longo; peul, pilar, vain ou maen, pedra: isto é, pedra alongada.
  3. Nome composto de duas palavras dos bretões: crom, curva; leck, pedra.
  4. Esta palavra é saxonia e significa «pedras enfileiradas.»
  5. Os antiquarios inglezes designam pelo nome de trilithos a mesma combinação de pedras, indicando um monumento composto de tres grandes pedras.
  6. King era da opinião de que havendo pedras erguidas no centro dos circulos, eram estes destinados para as assembléas civis; em quanto aquelles em que havia dolmen serviam para as ceremonias religiosas.
  7. Antigamente os orientaes tinham, como os celtas, veneração religiosa pelas grandes pedras toscas; assim como os hebreus, a ponto de Moysés lhes prohibir que as adorassem.
  8. É notavel que a relação da liga d'este metal, seja egual á dos bronzes descobertos em regiões tão distantes.
  9. Os machados e frechas achados na Europa comparados com os que usavam os selvagens da America e os da Nova Hollanda e da Nova Zelandia, causam admiração por terem as mesmas formas, e muitas vezes, egual materia.