Noções Elementares de Archeologia/IV

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Era Ogival[editar]

Grande revolução artistica se effectuou no fim do XII seculo, tanto pela applicação do arco descripto de tres centros, e o abandono da volta perfeita; como pelo novo systema de construcção e decoração, isto é, pela introducção do estylo ogival.

Todavia, o estylo ogival não substituiu repentinamente o estylo roman; o emprego da ogiva só veio a ser commum no decurso do seculo XII, e depois de ter sido applicado conjunctamente á volta perfeita, que lhe era preferido. Esta época de transformação chama-se tambem de transição; teve por limite o seculo XIII: então o arco com tres centros foi geralmente empregado, e o estylo ogival completamente formado.

Figura 163: Duas ogivas encaixilhadas em um arco

Ainda edificaram igrejas no estylo roman em certas localidades, quando a architectura ogival dominava em outras. Comtudo, em algumas provincias do meio-dia, conservaram o estylo de transição durante o seculo XIII. As causas que determinaram a creação do estylo ogival são complexas. O arco de tres centros teve a sua origem em a necessidade de tornar mais solidas as novas fórmas de construcção.

Já vimos como as abobadas se aperfeiçoaram pelo uso do encruzamento dos arcos. Encontraram logo em seguida ao emprego do arco descripto por dois centros, novo meio de diminuir o esforço das abobadas, e fazer convergir todo o peso d'ellas sobre os pontos em que havia os contrafortes. D'esta innovação derivou um sem numero de outras innovações, que produziram o estylo ogival tal como se observa nas construcções do XIII seculo.

Architectura religiosa[editar]

Forma das igrejas

Fizeram-se algumas modificações no plano das igrejas edificadas no XIII seculo; taes como o côro, mais comprido que fôra antes; as naves lateraes, que se prolongavam em roda do santuario (capella-mór), ficaram depois aformoseadas com outras capellas, excepto quando as igrejas terminavam na curva da abside; e n'esse caso as naves limitavam-se aos dois lados do santuario.

Em algumas das cathedraes de maior grandeza, as naves lateraes corriam em fórma de galeria, em logar de uma em roda do côro, como teve a Sé de Lisboa. Muitas vezes davam á capella central atrás do côro, maior extensão que ás outras que circundavam a nave, e a qual era consagrada a Nossa Senhora; todavia foi no seculo XIV que mais se generalisou esta disposição.

Não se collocavam ainda no seculo XIII capellas nas naves lateraes, e se algumas cathedraes d'essa época apparecem com esta disposição, foram construidas nos seculos seguintes (XIV e XV).

Figura 164: Plano do côro da cathedral de Reims

As pequenas igrejas do seculo XIII apresentavam sempre um côro de fórma recta no fundo da nave.

Figura 165

Em algumas igrejas adoptaram na edificação, raras vezes, a fórma circular.

Quando faziam radiar as capellas em roda da abside, não as collocavam então em as naves lateraes; pois as que existem d'este modo nas igrejas do seculo XIII, provieram d'uma addicção mui facil de se reconhecer.

Em muitas partes do sul da França, nas igrejas de transição e do seculo XIII, e até nas maiores não apresentam naves lateraes, mostrando, emquanto ao plano, uma traça particular, da qual trataremos mais adiante. Este plano com uma só nave provém do estylo bysantino; pois a maior parte d'essas igrejas com cupula não tinham naves lateraes e sómente a principal.

Figura 166: Arcos da cathedral de Bayeux

Apparelhos

Desapparecendo as construcções com as pedras dispostas em escamas, e com o pequeno apparelho assim chamado, as pedras foram escolhidas com maiores dimensões e fórmas mais regulares.

Contrafortes

Os contrafortes apparecem com maior sacada. Um rasgo ousado do novo estylo foi collocar arcos-bolantes, fig. 166 (A), sobre os contrafortes. Estes coroavam-se de agulhas (C), e como os arcos iam neutralisar a esforço das abobadas no cimo das paredes; tambem se serviam d'elles para aqueductos dando o escoante ás aguas das chuvas, provenientes do telhado principal da igreja. As aguas eram encaminhadas por um canal cavado no extradoz do arco-bolante, depois lançadas fóra por canos salientes (B), que se chamam gargulhas.

Ornamentos

Já se não faziam folhas de fórma carnuda, adornadas de perolas e galões, nem ornamentos com feitios geometricos; como eram os arcos dentados nas ameias, os zig-zags, os rhombos. Principiaram então a imitar, no seculo XIII, os vegetaes indigenas, como mostram os seguintes especimens.

Figura 167: Florões
Figura 168: Ornamentação vegetal do portal da igreja de Nossa Senhora de Trier
Figura 169: Grinalda de rosas
Figura 170: Ramos de rosas sobre um capitel
Figura 171: Folhas de hera

Columnas

As columnas mui delgadas e enfeixadas formam um dos caracteres mais distinctos da architectura do seculo XIII. Esses fustes, esculpidos inteiriços na mesma pedra, apresentavam, não obstante, muitas vezes, faixas ou engrossamentos que os dividiam por partes eguaes. Em muitas igrejas, a primeira ordem era composta de grossas columnas cylindricas. As columnas enfeixadas occupavam os corpos superiores.

Figura 172: Grupo de columnas do seculo XIII

Janellas

As janellas eram estreitas e esguias: o seu extremo similhava ponta de lança; os inglezes deram-lhes o nome de lancetas;[47] viam-se muitas com bastante altura, e outras de acanhadas porporções, nos monumentos da mesma época.

No meado seculo XIII já as janellas se alargaram e se subdividiram em muitas aberturas; o cimo da ogiva da empena pôde então ser ornado com um espelho ou rosaceo, R.

As janellas circulares tambem com espelho, no seculo XIII, tiveram maiores dimensões, que no seculo precedente, e foram muito mais frequentemente empregadas, até nas igrejas ruraes.

Figura 173: Janellas com feitio de lancetas
Figura 174: Janellas compostas de duas aberturas, tendo no cimo um espelho

No interior dos edificios que apresentam tres andares sobrepostos, a parte média é constantemente occupada pelas tribunas, formando um andar com a mesma largura que a arcaria inferior das naves lateraes, ou formando simples galeria. Estas galerias compunham-se unicamente de uma continuação de arcadas sustentadas por columnasinhas; os antiquarios inglezes chamam-lhes triforium; e designam, pelo contrario, com a denominação de clerestory, a correnteza das janellas que está superior ao triforium, e que effectivamente dão luz á nave principal; gravura da pag. 175 [fig. 176].

Figura 175

Portas

As portas das egrejas, com as suas aberturas curvas, são ornadas de molduras com o feitio de tóros, e ás vezes tem representados diversos personagens em esculptura; nos lados ordinariamente vêem-se columnasinhas e estatuetas.

Figura 176

No tympano representavam o dia de Juizo; ou Christo, sem que o rodeassem os symbolos dos Evangelistas, segundo o costume do seculo XII; está o Christo com as mãos levantadas, tendo aos lados anjos, além de Nossa Senhora e S. João ajoelhados, como se lhe implorassem clemencia. Os anjos seguram a cruz, a corôa de espinhos, os cravos e a lança, instrumentos da Paixão.

Figura 177: Representação do Juizo Final sobre um tympano do seculo XIII

A resurreição dos mortos e a separação dos bons e dos maus, apparece representada por baixo do Tribunal Celeste.

Nas igrejas dedicadas a Nossa Senhora, a imagem do Christo é reconhecida pela aureola sobre a cruz, e algumas vezes a corôa na cabeça da Mãe de Deus, como na igreja de Nossa Senhora de Trèves.

Em alguns portaes estão passos da vida de Jesus Christo, de Nossa Senhora, sua morte, e enterro pelos Apostolos, e a sua Assumpção; differentes assumptos do Antigo Testamento, etc. Algumas vezes nos tympanos representavam Jesus Christo e sua Santissima Mãe, sentados em duas cadeiras quasi iguaes, o que nunca se vê quando o Salvador preside ao dia de Juizo.

Figura 178: Tympano pertencente á igreja de Nossa Senhora de Trèves

Torres

Foi no seculo XIII, principalmente, que os architectos conseguiram levantar até a grandissima altura essas pyramides esguias, que dão tanta variedade na architectura ogival.

Figura 179: Uma das torres da cathedral de Coutances
(Sinos collocados em bastante altura)

Vêem-se aberturas elevadas e estreitas, e muitas vezes por cima as agulhas da torre; sobre a base da pyramide octogona estão quatro campanariosinhos, e as quatro faces do octogono que corresponde aos quatro lanços da torre, sustentam trapeiras com columnas e pyramides por adorno.

Quando as torres das igrejas ruraes mostram telhados de duas aguas, construidos com madeiramento ou de abobada, indicara isso que o telhado não é o primitivo, mas que o substituiram á agulha, quer de madeira, quer de cantaria.

Figura 180: Egreja do seculo XIII

Geralmente as torres edificadas nos paizes meridionaes no seculo XIII tem apparencia pesada e acaçapada com o telhado de fórma obtusa. As agulhas de pedra encontram-se em grande numero em certos paizes.

Altares, pias baptismaes, tumulos

Eis alguns typos para servirem de exemplos dos altares, pias baptismaes e tumulos pertencentes ao seculo XII, de igrejas nacionaes e estrangeiras.

Figura 181: Altar do seculo XII em Norrey (Calvados)
Figura 182: Pia baptismal octogona, ornada com arcos ogivaes
Figura 183: Pia baptismal sobre pés formados por columnas

Os altares não tinham então tabernaculo; as santas particulas estavam reservadas em armarios fechados com portas chapeadas, collocados nos lados do santuario, e as arcadas d'esses armarios eram abertas no grosso das paredes da capella-mór, e geralmente as designavam com o nome de credencias[1].

Figura 184

Os tumulos, mettidos nas paredes, como se vê na gravura junta, chamavam-se tumulos arqueados. A estatua do finado estava representada debaixo d'estas arcadas.[2]

As campas são grandes lageas, as quaes serviam de piso nas igrejas, e apresentavam a effigie do finado aberta a traço; eram estes os tumulos mais communs. Tem-se destruido constantemente um sem numero, para lhe substituirem lageas lisas sem significação nem caracter funereo. Deviam, pelo contrario, conserval-as cuidadosamente, porque pelos seus epitaphios ou inscripções, as campas fornecem documentos mui interessantes para a historia local, e as effigies esculpidas n'ellas servem para o estudo dos trajos da época.

Figura 185: Campa pertencente ao ultimo quartel do seculo XIII

Em alguns cemiterios existem ainda fanaes formados por columnas ôcas, no cimo das quaes se accendia um farol para alumiar de noite os enterros, e tambem para fazer lembrar aos transeuntes que as pessoas enterradas precisavam das suas orações. Estas columnas tinham na base um altar, no qual se dizia a missa nas occasiões dos enterramentos. Ficavam collocados no centro dos cemiterios, nos mais importantes dos seculos XII e XIII.

Architectura civil[editar]

O arco composto de tres pontos applicado ás abobadas, ás aberturas de portas e janellas e a todos os detalhes da ornamentação, favorecia o engrandecimento de diversas construcções civis e monasticas, publicas e particulares. Os conventos tinham-se então enriquecido com os legados de numerosos fieis, e pelos lucros obtidos com o aperfeiçoamento que tinham dado á agricultura. A immunidade dos municipios veio a ser para as cidades, e para as suas industrias, uma causa de engrandecimento, que muito contribuiu egualmente para o seu progresso. O seculo XIII foi pois para a architectura civil como para a architectura religiosa, uma grande época.

Architectura monastica

Os claustros com arcadas formando galerias, sustentadas por columnasinhas de uma extraordinaria finura, com capiteis compostos de folhas, como se vê na gravura do claustro de Santa Trophina d'Aries (França), nos conventos de Santa Clara em Santarem, em Thomar[3] e o da Esperança em Lisboa.

As casas de capitulo, os refeitorios, as casas para os hospedes e os outros edifícios, dispostos em roda do claustro, geralmente abobadas, recebendo a claridade por aberturas com o feitio de ponto subido; ainda se vêem, comtudo, algumas de volta perfeita; porém são de tão extraordinaria delicadeza, que não pódem ser attribuidas ás construidas no seculo XII. A vista geral da construcção monastica de Bonport [fig. 187], mostra a disposição geral d'estes edificios religiosos.

Figura 186: Vista longitudinal do refeitorio de Bonport
Figura 187: Vista dos edificios de Bonport, tirada das margens do Sena
Figura 188: Vista da empena do lado sul do edificio de Vauclair

Porém, para exemplo de construcções civis e monasticas, não se póde apresentar outra mais importante, que a que pertence á abbadia de Vauclair, proximo de Laon; é uma das empenas, e uma das fachadas. Esta fachada não tem menos de 70 metros de comprimento; o edificio é dividido em numerosas e bellas salas, e compõe-se de dois andares abobadados, ficando por cima grandiosos celleiros, cujos madeiramentos são muito bem combinados.

Figura 189: Vista do grande edifício de Vauclair
Figura 190: Córte longitudinal d'esse edificio

Granjas.—As granjas que estavam annexas ao grande pateo exterior das abbadias tomavam grandes dimensões, principalmente n'aquellas cujas rendas mais importantes consistiam em trigos; como se vê no edificio em Ardennes, perto de Caen. Esta granja podia conter 100:000 feixes de trigo: as naves estavam divididas longitudinalmente por nove arcadas.

Figura 191: Uma das empenas da granja das Àrdennes

Algumas abbadias possuiam estabelecimentos industriaes. A de Citèau pertenciam-lhe grandes fabricas de cortume, estabelecidas na margem de um rio que ali corre proximo.

Como especimen de uma entrada de abbadia, quasi sempre composta de duas portas, uma para os carros, a outra para as pessoas, apresentamos a que pertencia ao priorado de S. Vigor, próximo de Bayeux. As portas tinham geralmente um aposento construido por cima d'ellas.

A pretoria, onde se julgavam as causas e as prisões (pois os abbades tinham muitas vezes a alçada judicial), ficavam quasi sempre junto da porta da entrada, e o pretorio occupava algumas vezes o primeiro pavimento.

Dioceses

As dioceses foram dispostas no seculo XIII como tinham sido no seculo precedente, havendo-se aproveitado os progressos architecturaes. Daremos, para exemplo d'isso, a soberba empena da diocese de Auxerre, edificada em 1250 a 1260; os restos que ainda subsistem do palacio do bispo de Laon, e sobretudo a grande sala construida em 1242; o pateo d'este palacio era quasi quadrado.

Figura 192: Entrada da abbadia de Saint-Vigor
Figura 193: Empena da diocese de Auxerre (1250 a 1260)

Mercados

As casas para os mercados do seculo XIII, apresentavam a mesma disposição que as do seculo XII. Damos para exemplo a empena do grande mercado de S. Pedro-sobre-Dive, que se assemelha a uma grandiosa granja. Pode-se attribuir unicamente ao seculo XIII a parte que mostra a gravura, pois que se fizeram obras nas outras partes e em diversas épocas.

Figura 194: Entrada do mercado de Saint-Pierre-sur-Dive

Hospicios

A disposição dos hospicios era a mesma que no seculo precedente, porém multiplicavam-se e desenvolviam-se bastante n'este seculo. Certos hospicios estavam edificados junto das cathedraes, e quasi em contacto com ellas; outros ficavam sempre collocados proximo de um rio, embora fosse da parte de fóra das fortificações, ou no interior d'ellas e junto das portas, sendo mais particularmente destinados para os viajantes.

A grande sala do hospicio de Bayeux, reconstruida pelo bispo Roberto de Ableges, ficou infelizmente destruida em 1823; mas ainda se lembram que eram as abobadas de fórma ogival, e que tinha columnas monocylindricas para as sustentar, dividindo longitudinalmente a grande sala. A linda capella do seminario actual, um dos mais bellos executados no seculo XIII, formava uma dependencia do hospicio que devia ter tambem claustro.

A sala do hospital da misericordia de Chartres, estava dividida por columnas, e na extremidade oriental tinha um altar onde se dizia a missa para os doentes: nos outros hospicios mais importantes tambem existia um altar para o mesmo piedoso fim. Pederiamos citar outros hospicios dos ultimos annos do seculo XIII com receio de que desappareçam todos d'aqui a alguns annos, pois é certo que se os municipios continuarem a destruir tudo o que fôr antigo, para levantar edificios com grandes quantias, obtidas por meio de emprestimos, unicamente pela pretensão de ser cousa determinada pelas autoridades da actual geração, nada teremos que seja digno de considerar-se pelo lado da arte, nem pela veneração dos monumentos; porque não só não respeitaram as condições architectonicas, o que é facil de demonstrar tambem nas restaurações dos edificios monumentaes em Portugal, assim como nas construcções modernas, taes como a do hospital no Algarve, e o lazareto; mas sobretudo motivado pelo desprezo e falta de inspecção das antiguidades nacionaes.

Campanarios e casas da camara

Quando no fim do XIII seculo a organisação dos municipios veio a ser geral, então as cidades tiveram um brazão e uma torre ou campanario, cujo sino servia para chamar o povo a assistir ás deliberações municipaes.

As casas das camaras foram geralmente collocadas junto das portas das cidades no seculo XIII. O sino era montado em torre construida por cima das abobadas do portal, ou nas proprias torres que flanqueavam essa entrada.

Pelos fins do seculo XIII as casas das Camaras comprehendiam egualmente mercados cobertos, os quaes vieram depois a ser edificios consideraveis nas cidades commerciaes, como está representado na gravura do edificio de Ypres, pag. 193 [fig. 195], posto que fosse concluida sómente em 1304, começando a construcção em 1200. É na verdade magnifico palacio.

Pontes

Existem ainda muitas pontes do seculo XIII. Ha outras de que se não sabem as datas, mas que talvez sejam da mesma época, como a da gravura da pag. 194 [fig. 196] parece indicar.

A soberba ponte de Cahors, defendida pelas suas tres torres, é uma das mais bellas do XIII seculo, e ainda se conserva a sua solida construcção.

Casas particulares

Nas construcções particulares empregavam madeira ou cantaria. As casas de madeira, muito mais vulgares que as outras, eram construidas com madeira apparente: ornavam os paus de prumo, os transversaes, todas as peças de samblagens; depois enchiam com argamassa os intervallos, deixando visivel toda a construcção executada em madeira. A base era quasi sempre feita de cantaria para evitar que a humidade apodrecesse a madeira.

Figura 195: Casa da camara e campanario da cidade de Ypres
Figura 196: Ponte do seculo XIII
Figura 197: Vista geral da ponte de Cahors

Vêem-se ainda algumas casas de cantaria do seculo XIII nas cidades pouco povoadas, onde não chegou, felizmente, a mania da destruição ignara.

Damos a vista de uma d'essas construcções para mostrar como eram executadas as galerias cobertas com alpendres, que cercavam as praças, e tambem as ruas mais frequentadas.

Figura 198: Casa do seculo XIII em Arras

Architectura militar[editar]

Se o genio da architectura contribuira com as suas mais bellas e mais perfeitas inspirações, na composição d'essas admiraveis cathedraes que têem justamente appellidado a grande epopeia de pedra, o poder feudal fecundará egualmente o talento dos architectos do seculo XIII.

Se as magestosas cathedraes excitam a admiração e enchem a alma de commoções religiosas; os castellos de Coucy em França, e os de Leiria e Palmella em Portugal, com as suas torres colossaes, não deixam menos em nós esse sentimento, sem duvida contemplando o formidavel aspecto de taes edificações.

Forma geral

A fórma ou disposição geral dos castellos do seculo XIII foi, como aconteceu antes, subordinado á do terreno conforme se firmasse sobre o cimo de um rochedo, ou sobre uma planicie cercada de valles e barrancos. Nos paizes formados por planicies, preferia-se a fórma quadrilonga; encontrando-se em roda dos dois recintos, os mesmos trabalhos de defeza que costumavam ter as fortalezas do seculo XII.

Figura 199: Vista do torreão de Coucy

Torre ou torreão

Se appareceram ainda no seculo XIII torreões quadrados, eram elles mais restrictos que os construidos nos seculos XI e XII; porém, mais geralmente, tinham a fórma cylindrica nos que se construiram no centro da França. Fosse qual fosse o logar escolhido para a torre principal, ficava sempre isolada e rodeada de um fosso, sendo unicamente accessivel por meio de uma ponte levadiça.

A contar do XIII seculo, não as erguiam sobre as eminencias das terras ou pelo menos não as dispunham ali senão raras vezes, e só nos logares onde a falta de bons materiaes obrigava a recorrer a este meio para augmentar a altura dos edificios: talvez que os torreões do seculo XIII, assentes em eminencias, estejam por este modo collocados, pelo menos o maior numero, porque substituiram as torres mais antigas construidas nos mesmos terrenos.

Aposentos

Figura 200

As casas que ficavam proximas do torreão, tomaram nova extensão. O luxo havia sensivelmente augmentado: foi preciso portanto fazer aposentos mais espaçosos, vastas salas de recepção, do que se póde fazer idéa pela gravura da vista geral do antigo castello de Coucy, a pag. 198 [fig. 200]. Algumas d'estas salas eram magnificas, tinham janellas de fórma de lanceta, com vidraças pintadas representando brasões ou espelhos, com divisões de differentes côres; o chão formado com tijolos vidrados.

Torres nas muralhas das cidades

A fórma cylindrica prevaleceu para as torres das muralhas da cidade, como para os torreões; os architectos do seculo XIII mostraram-se mui habeis na regularidade e na solidez d'essas bellas pyramides que se elevaram como fortes columnas para consolidar as muralhas e garantil-as contra os ataques dos estranhos e inimigos. As torres eram divididas em dois ou tres andares por sôlhos postos sobre vigamentos, algumas vezes abobadados de cantaria (mas nunca com tijolos), e terminadas por galerias com seteiras.

As torres cylindricas deviam resistir melhor aos ataques das machinas do que as torres quadradas; as suas superficies convexas apresentavam em todos os pontos a mesma solidez; a introducção das abobadas de ponto subido em ogiva devia além d'isso fazer abandonar esses extensos torreões com sobrados planos: acharam mais simples abobadar as torres e consolidar as abobadas servindo-se de arcos apoiados em columnasinhas, ou em caxorros postos em egual distancia uns dos outros, e formando nos aposentos uma decoração analoga áquellas das egrejas. Finalmente, os telhados conicos dos torreões cylindricos apresentavam menos superficie e menos perigo, em tempo de sitio, que os telhados a quatro aguas dos grandes torreões quadrados, que eram tambem ás vezes incendiados pelos fachos lançados da parte de fóra.

A grande transformação que se operára na architectura em geral, pelo descobrimento do estylo ogival, devia reagir sobre a architectura militar: foi preciso pois dar maior elevação aos andares, pôr as torres em harmonia com as outras construcções. Esta mudança, além d'isto, estava tão intimamente ligada com a introducção do estylo ogival que se vê a fórma quadrada presistir nas regiões da França e de Portugal, que conservaram o estylo roman de transição, e ao mesmo tempo com o estylo ogival; foi principalmente no reino de França, onde a architectura ogival appareceu tão bella no seculo XIII, que os torreões cylindricos apresentavam as suas agradaveis fórmas e proporções.

Apparelhos

O apparelho que se distingue pela denominação de mediano encontra-se nas torres e nas muralhas do seculo XIII: porém, as pedras variam de dimensões conforme a natureza dos materiaes empregados. Em Coucy, onde estas pedras são de sufficiente grandeza e perfeitamente apparelhadas, eram consolidadas as paredes com vigas encastradas na alvenaria, como fôra uso nos seculos precedentes. Algumas torres, cujos revestimentos são em pedra tosca, tem todavia fiadas de cantaria em differentes alturas, como se fossem faixas de tijolos, e mostrando por este modo especies d'aros na elevação das torres. A gravura junta mostra esta disposição.

Figura 201

Janellas

No exterior dos edificios, as janellas mostram muitas vezes o feitio de simples frestas chamadas seteiras, porque se podiam lançar por ellas frechas sem receiar as que viessem de fóra. Algumas d'estas janellas, demasiadamente rasgadas na parte interna, são ornadas de columnas de cada lado, e de molduras com tóros ou nervuras, como se fazia nas das igrejas. Nos logares menos expostos aos ataques, no interior dos pateos, encontram-se janellas bipartidas, encaixilhadas em lancetas; as grandes salas dos castellos recebiam do mesmo modo claridade. Ahi a extremidade da ogiva era tapada com cantaria: de maneira que as aberturas ficavam de fórma quadrada.

Portas

As grandes portas flanqueadas de duas torres, na entrada das praças fortes, tomaram tambem nas arcadas a fórma ogival; estando algumas vezes munidas de duas pontes levadiças; uma manobrando por detraz da ponte levadiça A, e a outra collocada na extremidade opposta da passagem de abobada, para o interior do recinto C. Habitualmente, não se podia communicar da porta com as duas torres lateraes: a entrada para ellas estava situada dentro do baylum, isto é, no primeiro recinto.

Figura 202

As portas das torres e das casas situadas no interior dos castellos, mais pequenos que os precedentes, eram ornadas de molduras e de columnas, mas nunca apresentavam as repetidas archivoltas como as das portas de entrada das igrejas de igual época, e não se via n'ellas nenhuma ornamentação.

Molduras

As molduras, que se usavam nos castellos do seculo XIII, eram do mesmo feitio que aquellas empregadas na architectura civil d'aquella epoca.

A pintura sobre as paredes veio auxiliar a esculptura para a decoração dos castellos, e as grandes salas tinham muitas vezes cobertas as suas paredes.

Recintos urbanos

Sabe-se que grande numero de cidades e grandes povoações foram elevadas a municipios nos seculos XII e XIII. Esta instituição, uma das mais importantes revoluções sociaes da edade média, produziu mudanças extraordinarias na importancia relativa e no estado material das cidades.

Pouco depois o espirito da industria se reanimou, o commercio veio a ser objecto de séria attenção, e principiou a prosperar; a população augmentou sensivelmente, e a riqueza appareceu nos logares que estiveram por muito tempo servindo de asylo da pobreza.

Então as cidades se engrandeceram e aformosearam.

A maior parte ficou rodeada de muralhas, e aquellas que as tinham já alargaram o seu antigo recinto.

El-rei D. Fernando I cingiu Lisboa com uma nova cintura de muralhas de que existem ainda alguns vestigios. Em Coimbra tambem foram reedificadas por ordem do mesmo monarcha.

As torres, quasi sempre cylindricas nos outros paizes, foram dispostas ao correr das muralhas das cidades, seguindo a fórma da construcção adoptada para esse fim.

Quando estas eram postas em estado de defensa, então viam-se coroadas por essas galerias salientes feitas de madeira, de que a torre de Laval [fig. 162] apresenta um bello exemplo. Por meio d'estas sacadas de madeira chamada hurdicium, podia-se dominar o pé das fortificações, e lançar pedras e outros projectis sobre os sitiantes, pelos intervallos abertos dispostos entre as vigotas que sustentavam o parapeito em falso.

Esses remates de madeira podiam ser incendiados, e os engenheiros do século XIII procuraram o modo de substituir a pedra á madeira. Portanto, a grande torre de Coucy tinha caxorros formados de cantaria em que apoiava a galeria que seria naturalmente de madeira, ficando correspondente ás aberturas do ultimo andar; podiam citar-se outros exemplos de tentativas feitas para substituir a pedra á madeira. Foi sómente no seculo XIV que este melhoramento veio a ser geral.

O recinto d'Aigues-Mortes apresenta a fórma de um parallelogrammo rectangular; o maior numero das torres era semi-circular no exterior da muralha, e quadrada no interior, de maneira que apresentava pouca sacada sobre o baluarte interior e formava linha com elle, levantando-se a certa altura acima do parapeito. As portas principaes abriam-se entre as duas torres; o intervallo que existia entre estas ultimas era occupado pela sala onde se içavam as pontes levadiças; em cada ponte havia duas: uma para a porta exterior, e outra para a porta interior.

Figura 203: Uma das portas d'Aigues-Mortes

Tinham boas escadas, cujos degraus descançando nas abobadas com a volta de quarto de circulo, deixavam subir á trincheira de cada lado das grandes pontes.

Figura 204: Muralhas e torres d'Aigues-Mortes—Vista do interior da praça

As abobadas das torres eram guarnecidas de arcos encruzados. Algumas chaminés existem ainda nas salas que ficam por cima das pontes de entrada: o cano por onde saía o fumo tem a configuração octogona.

Sabe-se que estas bellas fortificações foram levantadas por Philippe o Ousado (1270-1285); pertencem pois ao fim do seculo XIII.

As pontes levadiças moviam-se por meio de vigas servindo de alavancas, ás quaes o taboleiro estava suspenso. Não se encontraram vestigios das caixas nas quaes entravam as vigas ou alavancas para ficarem os madeiros recolhidos: este systema julga-se fôra geral, sómente nos seculos XIV e XV.

Figura 205: Uma das portas do recinto da muralha de Laon

A ponte levadiça, que se abaixava detraz das portas correndo por uma calha aberta na cantaria, tinha por fim multiplicar os obstaculos; fazendo-a mover do aposento que ficava por cima d'esta porta, e aquelles que se deixavam apanhar entre as pontes levadiças podiam ser esmagados da parte superior, ou trespassados de frechas atravez das grades de resguardo.

Quando os rios passavam pela parte de fóra das muralhas, e que se tinham aproveitado para servirem tambem como meio de defensa, as pontes tinham nas extremidades dois fortes; um para defender a entrada da ponte, o outro para deter a tropa que a quizesse transpôr; estas obras de fortificação, chamadas cabeças de ponte, compunham-se, ás vezes, de muitas torres e formavam um pequeno quadrado defendido de todos os lados. Acontecia tambem, quando a ponte tinha certo numero de arcos, o ultimo de cada extremidade não era abobadado, havendo uma ponte de madeira que descançava sobre os seus pilares.

Figura 206: Porta guarnecida de grades

Havia em determinadas localidades torres collocadas sobre a ponte, como se vê na gravura da ponte de Cahors.

Figura 207: Vista de uma cabeça de ponte

Notas[editar]

  1. Como se nota na primeira capella da igreja do Carmo de Lisboa. [N. A.]
  2. Temos exemplos na Sé Velha de Coimbra e na igreja da Batalha. [N. A.]
  3. N'este descobrimos nós o nome do canteiro na base das columnas do angulo sul, o qual estava encoberto debaixo da cal! [N. A.]