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O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro/Capítulo 1/1.2.2.

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1.2.2. Direitos autorais

 

De acordo com o art. 1º da LDA, esta regula os direitos autorais, entendendo-se pela expressão os direitos de autor e os que lhe são conexos[1]. Os direitos autorais se riam, portanto, gênero, do qual os direitos de autor e os direitos conexos seriam espécies. Os direitos de autor são, assim, aqueles conferidos ao criador da obra literária, artística ou científica. Já os direitos conexos são os detidos pelos artistas intérpretes ou executantes, produtores fonográficos ou empresas de radiodifusão, aos quais são conferidos os mesmos direitos atribuídos aos autores, no que couber[2].

Desde logo, é importante esclarecer que a obra intelectual protegida se distingue do suporte físico em que se encontra eventualmente incorporada[3]. A doutrina usualmente chama a obra intelectual de corpus misticum, enquanto que ao bem físico se costuma atribuir a denominação de corpus mechanicum. Dessa forma, a LDA visa a proteger a obra intelectual, não seu suporte. A aquisição de um livro, por exemplo, confere a seu proprietário todos os direitos de propriedade sobre bens móveis: poderá ele vender, doar, abandonar ou destruir seu bem. No entanto, o mesmo proprietário do livro gozará, quanto ao texto contido no livro (a verdadeira obra intelectual) direitos distintos dos direitos de propriedade, na extensão que lhe tenham sido outorgados pela lei ou pelo titular[4].

Para a LDA, os direitos autorais se reputam bens móveis[5] e os negócios jurídicos a eles relacionados devem ser interpretados restritivamente[6]. O autor sempre será pessoa física, sendo que a proteção conferida ao autor poderá ser aplicada às pessoas jurídicas nos casos previstos em lei[7]. A proteção de que trata a lei independe do registro da obra em qualquer órgão público ou privado [8].

A LDA aponta quais as obras protegidas por direitos autorais, sendo a lista indicada em seu art. 7º considerada meramente exemplificativa[9]. Também indica a LDA as criações do espírito não sujeitas à proteção por direitos autorais[10].

Um dos aspectos mais relevantes para o desenvolvimento deste trabalho é a divisão dos direitos autorais em dois feixes, ou grupos, de direitos: os morais e os patrimoniais[11]. Muitas vezes, a doutrina trata (a nosso ver equivocadamente em ambos os casos, do que cuidaremos mais adiante[12]) os primeiros como se fossem emanação da personalidade do autor, e os segundos como objeto de propriedade[13].

Quanto aos direitos morais do autor, prevê o art. 24 da LDA:


Art. 24. São direitos morais do autor:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III – o de conservar a obra inédita;

IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.


A doutrina discute se os direitos morais do autor seriam, de fato, um direito de personalidade. Adriano de Cupis, por exemplo, assim os classifica[14].

Para o autor, os direitos de personalidade não são inatos, estando “vinculados ao ordenamento positivo tanto como os outros direitos subjetivos, uma vez admitido que as ideias dominantes no meio social sejam revestidas de uma particular força de pressão sobre o próprio ordenamento. Por consequência, não é possível denominar os direitos da personalidade como ‘direitos inatos’, entendidos no sentido de direitos relativos, por natureza, à pessoa”[15]. Vê-se, portanto, que Adriano de Cupis rejeita a possibilidade de os direitos de personalidade serem um direito natural: o fundamento de sua existência é mesmo o ordenamento jurídico.

Por outro lado, o autor pondera que, ainda que todos os direitos subjetivos derivem do ordenamento positivo, aqueles que, para serem verificados, dependem apenas do pressuposto da personalidade, podem ser tidos como inatos[16].

No entanto, ao contrário dos demais direitos da personalidade – como imagem, privacidade, honra, integridade psicofísica etc. –, para os quais basta o nascimento com vida para que se façam proteger, os direitos morais do autor dependem de um evento externo ao nascimento com vida – a criação da uma obra artística que atenda a diversos pressupostos – a fim de que se possa de fato protegê-lo. Tanto é assim que Adriano de Cupis faz menção expressa ao fato em suas páginas introdutórias à matéria: “[p]ense-se, por exemplo, no direito moral do autor. A essencialidade apresenta-se, em tal espécie de direitos, como atenuada, pois que o fim de assegurar um valor concreto à personalidade não chega a exigir necessariamente e só por si a sua existência, mas simplesmente a continuação desta, uma vez que eles são revelados pela eventual existência de uma figura que acresce ao pressuposto da personalidade”[17].

Com palavras a nosso ver mais claras, afima um tanto adiante que “[o] direito moral de autor, (...), não é um direito inato. De fato, só surge em seguida a um ato de criação intelectual. Quer dizer, não corresponde a todo aquele que seja munido de personalidade, mas àquele que, além de ter personalidade, se qualifique ulteriormente como ‘autor’”[18]. Além disso, o ato de criar é uma faculdade que pode jamais vir a ser exercida[19].

Mas não só quanto a não serem de fato inatos repousa a crítica que pode ser tecida contra a tese de se defender os direitos morais do autor como direitos de personalidade. Todos os demais direitos desta categoria (v.g. imagem, privacidade, honra, nome, integridade psicofísica) encontram-se presentes de maneira indissolúvel ao próprio titular. Já o direito moral do autor depende de um fator exógeno para existir: a exteriorização da obra intelectual.

Em síntese, o ato de criação será o fato gerador do surgimento de ambos os feixes de direitos garantidos aos autores: os patrimoniais e os morais. É a criação da obra (exteriorizada por qualquer meio ou fixada em qualquer suporte, nos termos da lei) que garante a proteção autoral. Adriano de Cupis não vê nesse fato qualquer obstáculo, ao afirmar[20]:


Por consequência, o fato de o direito moral de autor não ser inato, e de o seu fato constitutivo ser o mesmo que para o direito patrimonial de autor, não constitui argumento para negar a sua autonomia a respeito deste último, uma vez que, tendo embora a mesma origem, a sua vida segue regras próprias e distintas, correspondentes ao seu caráter de essencialidade. O sujeito adquire ao mesmo tempo, enquanto autor, o direito patriomonial e o direito moral de autor. Mas, como veremos, estes dois direitos cessam de existir a par quando o primeiro se destaca da pessoa.


Parece-nos que o entendimento de Adriano de Cupis pode ser sintetizado da seguinte forma: os direitos morais de autor, ainda que não sejam inatos e ainda que tenham o mesmo fato constitutivo dos direitos patrimoniais, são distintos e independentes destes pois é possível que o direito patrimonial seja cedido (ou seja, se “destaque da pessoa do autor”), mas não o direito moral.

Até aí, não se nega em nada a teoria. O que indagamos é se apesar dessas distinções (não serem inatos, dependerem da existência de um bem externo ao próprio titular para começarem a existir e talvez sequer virem a existir, pela inércia – ou mesmo incapacidade de fato de seu potencial titular) os direitos morais de autor podem ser qualificados como direitos de personalidade.

Adriano de Cupis se limita a afirmar que “uma vez nascido, o direito moral de autor tem caráter de essencialidade e, portanto, constitui um verdadeiro direito da personalidade”. E acrescenta: “[d]e resto, já tínhamos visto a propósito do direito ao nome, a possibilidade de existir um direito essencial sem ser inato[21]. É bem verdade o fato de o nome não ser inato. Mas também aqui cabe uma distinção: o nome não depende da existência de algo externo, alheio ao titular do direito para existir. Existe por causa da existência mesma de seu titular e não por causa de algo que lhe é exterior[22].

Para Bruno Jorge Hammes, “[o] direito moral é o que protege o autor nas relações pessoais e ideais (de espírito) com a obra”[23]. Comentando a obra de referido autor, Elisângela Dias Menezes acrescenta que, para ele, o direito moral “nada diz sobre a moralidade (ética) do autor, ou seja, não se destina a tecer juízos de valor sobre sua condição de respeito como pessoa. Ao contrário, visa essa garantia legal proteger a moralidade da ligação entre criador e obra, possibilitando aos autores, em qualquer tempo, requerer a proteção do direito em favor de seus legítimos interesses de ordem não-patrimonial”[24].

Nesse sentido, José de Oliveira Ascensão critica fortemente a terminologia de direitos morais, por qualificar o termo “moral” como “impróprio e incorreto”. Impróprio, “pois há setores não-éticos no chamado direito moral e é incorreto, pois foi importado sem tradução da língua francesa. Aí se fala em pessoas morais, danos morais, direitos morais, e assim por diante. Mas no significado que pretende o qualificativo é estranho à língua portuguesa e deve, pois, ser substituído”[25]. Prega, portanto, o autor português, que sejam denominados dos “direitos pessoais”[26]. Concordamos inteiramente com a crítica, mas continuaremos a nos referir a “direitos morais” por conta da nomenclatura adotada pela LDA.

De maneira imprecisa e pouco técnica, a LDA informa que os direitos previstos nos incisos I a IV transmitem-se aos herdeiros do autor. Ocorre que a interpretação literal do dispositivo não faz sentido. Quanto aos incisos I, e II, é certo que não se trata da transmissão do direito de o herdeiro reivindicar para si a autoria da obra do de cujus nem tampouco de ter seu nome a ela vinculado. Só pode a lei estar fazendo referência à defesa do direito do autor da obra, e não da herança propriamente dita do direito.

O mesmo se pode dizer do inciso IV, já que a LDA é expressa em afirmar que competirá ao herdeiro (que sucedeu o autor nos termos do § 1º do art. 24) defender a reputação ou a honra do autor morto caso modificações na obra venham a ferir qualquer desses direitos.

Diverso, no entanto, é o entendimento quanto ao inciso III. De fato, aqui há verdadeira transmissão do direito, já que passará a competir ao sucessor do autor decidir quanto à conveniência de publicar a obra do autor falecido ou mantê-la inédita. Acreditamos, entretanto, que esse direito apenas existe se o autor, antes de falecer, não deixou manifestada de maneira inequívoca qual sua vontade quanto ao destino a ser dado a obras eventualmente ainda inéditas. Caso haja provas do interesse do autor de não permitir a publicação de alguma(s) de suas obras, sua vontade deve permanecer soberana mesmo após sua morte.

De acordo com o texto legal, não se transmitem aos sucessores os direitos morais constantes dos incisos V, VI e VII. Mas também aqui algumas considerações devem ser feitas.

Se se tratar de obra técnica, como livros jurídicos ou de medicina, por exemplo, é natural que haja modificações autorizadas pelos sucessores a fim de atualizar as informações constantes da obra. Do contrário, seria inclusive difícil mantê-la comercialmente disponível.

Fez bem a lei em não permitir aos sucessores que possam retirar obra de circulação comercial, conforme previsto no inciso VI do art. 24. Do contrário, seria possível aos sucessores, a título de exemplo, querer ser mais conservadores do que o próprio autor da obra. Imagine-se, por exemplo, escritor de livros infantis que publique, ainda em vida, livro de contos eróticos. Após sua morte, seus sucessores poderiam invocar o inciso VI para dizer que o teor do livro de contos atenta contra a reputação ou imagem do autor falecido. Ora, se o próprio autor em vida não se furtou à publicação, não podem os sucessores retirarem a obra de circulação comercial. Seria, neste caso, fazer a vontade dos sucessores mais soberana do que a do autor.

Por outro lado, não faz sentido impedir os sucessores de terem acesso a exemplar único e raro de obra do autor falecido. Voltaremos a estes aspectos relacionados aos direitos morais no capítulo 3 desta tese.

Os direitos chamados de “patrimoniais” são aqueles que garantem ao titular dos direitos autorais o aproveitamento econômico da obra protegida. A LDA os menciona no art. 29[27]:


Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I – a reprodução parcial ou integral;

II – a edição;

III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;

IV – a tradução para qualquer idioma;

V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;

VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;

VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;

IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.


A doutrina, de modo geral, entende que os direitos patrimoniais previstos na LDA compõem uma lista exemplificativa. Não há como discordar. Afinal, de maneira um tanto exagerada, o legislador faz questão de afirmar, em três momentos distintos (duas vezes no caput e a seguir no último inciso), que o uso de obra protegida, pela maneira que for, deve ser prévia e expressamente autorizada – ainda que se trate de modalidade de autorização não explicitamente mencionada.

Ocorre que numa interpretação precipitada de qualquer dos incisos acima transcritos, poderia parecer que mesmo uma única fotocópia de uma página de livro ou ainda o uso de um pequeno trecho de música em outra obra estaria ferindo o disposto na lei. Para se evitar esse tipo de controle extremado, a LDA prevê em seu art. 46 as chamadas limitações aos direitos autorais, das quais cuidaremos mais à frente.

Qual a importância de se discutir a natureza jurídica dos direitos autorais? Como lembra Teresa Negreiros, “as classificações jurídicas, se, por um lado, pecam por tentar reduzir a categorias abstratas fenômenos complexos, por outro lado, têm a importante função de sistematizar o conhecimento jurídico e (...) podem inclusive apoiar importantes reformulações no tratamento dogmático dos institutos e na sua aplicabilidade concreta”[28]. No caso específico dos direitos autorais, Giselda Hironaka e Silmara Chinelato afirmam tratar-se a discussão sobre sua natureza jurídica algo de fundamental importância, “pois repercutirá em temas diversos em relação aos quais as polêmicas, dúvidas, indagações e perplexidades serão resolvidas à luz da tomada de posição quanto à natureza em tela”. Assim, por exemplo, “quanto à desapropriação de direito autoral”[29].

Afirma Gama Cerqueira[30]:


Segundo Piola Caselli, o êrro principal de Kohler, assim como de todos os que porfiam em considerar o direito de autor simplesmente como instituto de direito patrimonial, consiste na apreciação unilateral e inexata da natureza da obra intelectual. A obra do engenho, diz o autor, é, certamente, um bem e apresenta, como tal, uma “objetividade externa”. Mas êste bem é essencialmente diverso de qualquer outra espécie de bens, sob duplo aspecto. Em primeiro lugar, porque permanece sempre, senão compreendido na esfera da personalidade de seu autor ou criador, pelo menos ligado de modo constante a essa esfera da personalidade, que determina o nascimento e a extensão da relação jurídica, de que êsse bem constitui objeto. Em segundo lugar, êsse bem, ao contrário de todos os outros bens patrimoniais, é representativo da personalidade do autor nas relações sociais.

Ainda que não integralmente, concordamos com os argumentos acima no sentido de que as obras protegidas por direito autoral não carregam em si apenas o aspecto patrimonial, de modo que é forçoso admitir um aspecto moral ligando a obra a seu autor.

Em síntese, o resumo apresentado por Gama Cerqueira a partir da teoria de Piola Caselli nos parece extremamente interessante, pelo que o transcrevemos na íntegra[31]:


[O] direito de autor representa uma relação de natureza pessoal, porque o objeto dêste direito constitui sob certos aspectos uma representação, ou uma exteriorização, uma emanação da personalidade do autor; representa, por outro lado, uma relação de direito patrimonial, enquanto a obra intelectual é, ao mesmo tempo, tratada pela lei como um bem econômico. O direito de autor representa, pois, um poder de domínio (potere di signoria) sôbre um bem intelectual (jus is re intellectuali), o qual, pela natureza especial dêste bem, abrange, no seu conteúdo, faculdades de ordem pessoal e faculdades de ordem patrimonial. Êste direito deve ser qualificado como direito pessoal-patrimonial e a denominação que mais lhe convém é a de “direito de autor”.


É importante observarmos, entretanto, que não nos parece possível encarar o direito autoral como um único direito composto de uma mescla de seus aspectos moral e patrimonial. Isso se dá, em primeiro lugar, por conta da crítica apontada por Gama Cerqueira de que, se se tratasse de um único direito pessoal-patrimonial, “[ê]ste direito seria, assim, concomitantemente, pessoal e patrimonial, e teria como objeto, ao mesmo tempo, uma pessoa e um bem patrimonial que lhe é externo: a pessoa do autor e sua obra. Segundo a doutrina do direito pessoal, o sujeito e o objeto do direito identificam-se, pois o autor é ao mesmo tempo sujeito e objeto do direito, o que é contrário à natureza das coisas e ao senso jurídico. Pela doutrina do direito pessoal-patrimonial o objeto consiste, ao mesmo tempo, na pessoa e em uma coisa incorpórea, o bem imaterial”[32].

Em segundo lugar, porque os aspectos pessoal e patrimonial têm fundamentos jurídicos distintos e sobre eles pesam regras jurídicas diversas. Dessa forma, não é possível tratarmos o direito autoral como um único direito composto de duas facetas, mas sim como o conjunto de dois feixes de direitos distintos que nascem para o autor no momento da criação da obra [33]. Conforme anteriormente mencionado, acreditamos que os direitos patrimoniais, que autorizam ao autor fazer uso econômico de sua obra, não podem ser classificados como direito de propriedade. Da mesma forma, apesar de a doutrina de modo geral assim tratá-los, entendemos que os direitos morais não podem ser qualificados como direitos de personalidade, mas tão-somente como direitos extrapatrimoniais, ou pessoais.

Alguns doutrinadores atribuem ao direito patrimonial de autor a natureza de direito real de propriedade[34]. No entanto, conforme várias vezes enfatizado, a questão não é pacífica – muito pelo contrário.

Em obra clássica, Antônio Chaves aponta 9 diferentes teorias para determinar a natureza jurídica do direito autoral para finalmente concluir que “[p]odendo embora constituir uma parte relevantíssima do patrimônio, não é uma verdadeira propriedade. Se não chega a ser, como entende Laurent, uma criação arbitrária da lei, o fato de acrescentar, sob certos aspectos, duração limitada, confirma tratar-se de um direito ‘sui generis’”[35] [36].

O autor ainda menciona as principais características do direito autoral a ponto de afastá-lo do direito de propriedade comum[37]:


A diferença essencial, que existe entre o direito de autor e o de propriedade material, revela-se tanto pelo modo de aquisição originário (único título: criação da obra), como pelos modos de aquisição derivados, lembrando Bluntschli que no direito autoral uma perfeita transferência não existe, não saindo completamente uma obra intelectual da esfera de influência da personalidade que a criou.

Distingue-se, ainda, quanto à duração, quanto à sua extensão, posse, comunhão, formas de extinção.

No que porém mais se distancia o direito autoral da propriedade material é na separação perfeitamente nítida que se estabelece no período anterior e posterior à publicação da obra, sendo absoluto, na primeira, e constituindo-se, na segunda, de faculdades relativas, limitadas e determinadas: patrimoniais exclusivas de publicação, reprodução etc., que recaem sobre algumas formas de aproveitamento econômico da obra, e de natureza pessoal, referentes à defesa da paternidade e da integridade intelectual da obra.

Apesar de ligeiro em sua análise, Pugliatti é categórico ao afastar o direito autoral do direito de propriedade: “no grupo de situações subjetivas que se designam de modo complexo como ‘direitos de autor’, pode-se falar de propriedade em certos aspectos: o autor de um romance é proprietário das cópias enviadas pelo editor. Mas nesse sentido, é proprietário quem adquiriu uma cópia na livraria; e o direito (pessoal) do autor, direito sobre o bem imaterial, isto é, sobre a obra de arte como criação ideal, não tem nada a ver com o direito de propriedade”[38].

Carlos Alberto Bittar qualifica os direitos autorais patrimoniais como objeto de monopólio[39]. Solução semelhante à apontada por Denis Borges Barbosa na qualificação dos direitos de propriedade intelectual, que “ao tornar exclusiva uma oportunidade de explorar a atividade empresarial, se aproximam do monopólio”[40], doutrina que guarda muita semelhança com aquela que consideramos a mais adequada e sobre a qual passamos a discorrer.

Alexandre Dias Pereira afirma, com toda a razão, que “[a] natureza jurídica do direito de autor é um problema clássico” [41]. A positivação do direito autoral é claramente fundada no direito de propriedade. Tanto assim que Le Chapelier afirmava, em 1791, ser o direito autoral “a mais sagrada, a mais legítima, a mais inatacável e (...) a mais pessoal de todas as propriedades”, antecipando as palavras do escritor português Almeida Garrett, que qualificaria o mesmo direito como “a mais indefesa, porém (...) a mais nobre, e a mais inquestionável de todas as propriedades, a que se cria pela inteligência, e pelo espírito imortal do homem”[42][43].

Assiste, de novo, razão a Alexandre Dias Pereira ao afirmar que para se qualificar o direito autoral como um direito que abrange um feixe de direitos de propriedade (os direitos patrimoniais) e um feixe de direitos de personalidade (os direitos morais) é necessário, antes de qualquer outra coisa, definir o que se entende por direitos de propriedade e de personalidade. Daí é que ganham corpo teorias como as do monopólio ou de exclusivo, que constituiriam um tertium genus dentro da classificação dos direitos[44].

José de Oliveira Ascensão, ao dar início à sua profunda análise da natureza jurídica do direito autoral, principia declarando que “[u]ma primeira qualificação é fácil – o direito de autor é uma situação jurídica subjetiva[45]. A seguir, estabelece serem os direitos autorais um tipo de direito absoluto, sem que com isso signifique dizer que se tratam de direitos reais[46]. A partir daí, entretanto, apresenta-nos, exemplificativamente, diversas das incontáveis teorias já esmiuçadas pelos demais autores na análise da mesma questão[47].

Ascensão acaba por concluir que a obra protegida por direito autoral “não pode caber em propriedade a ninguém”[48], pelos seguintes argumentos: “[p]or natureza, a obra literária ou artística não é susceptível de apropriação exclusiva, não podendo, portanto, originar uma propriedade. Uma vez divulgada, a obra literária ou artística comunica-se a todos os que dela participarem. Não pode estar submetida ao domínio exclusivo de um só”[49].

Para Ascensão, a grande distinção entre a propriedade material e a natureza dos direitos autorais reside no poder que o titular do direito pode exercer sobre a coisa representativa de seu direito. Alguns autores, que defendem não haver qualquer distinção entre a propriedade material e a imaterial, alegam que o gozo por terceiros (os usuários) da obra protegida por direito autoral seria como cheirar flores alheias, que em nada atingiria a integridade do respectivo direito patrimonial, assim como os visitantes de um hotel não prejudicariam os direitos de seu proprietário.

A esse raciocínio, Ascensão responde com as seguintes palavras[50]:

Pensamos que estes argumentos acabam por se voltar destruidoramente contra os que os empregam. No que respeita ao gozo de bens materiais, a posição do público é efetivamente irrelevante, porque o seu gozo é devido somente a uma tolerância do proprietário. Esta tolerância pode a todo o tempo cessar, porque o proprietário arrancou as flores, ou contruiu e tapou a vista, etc.

Aqui não. Todos os outros desfrutam diretamente dos bens, e o seu gozo está subtraído à alçada do titular do direito de autor. Este não pode proibir o desfrute intelectual da sua obra por parte de outrem. Pode não autorizar a reprodução; em casos extremos, pode mesmo retirar do mercado os exemplares existentes, etc; mas tudo isto respeita à materialização da obra, e não à obra em si. Esta pertence a todos, por natureza e não por qualquer tolerância do criador intelectual, ou do transmissário do direito de autor. Os autores que criticamos tentam implicitamente defender-se alegando um certo caráter excepcional destas faculdades dos estranhos, que não impediriam que a obra no seu conjunto ficasse sujeita ao titular. A verdade é que o que é restrito e demarcado são as utilizações que se reservam ao titular do direito de autor[51]. Só lhe cabem aquelas faculdades (quer tomadas individualmente, quer em globo) que representam exploração econômica da obra, como sabemos.


Por fim, Ascensão conclui que os direitos autorais podem ser integrados na categoria dos direitos de exclusivo[52]. Esta categoria, portanto, deveria vir a ser adicionada à clássica tripartição de direitos subjetivos em pessoais, reais e obrigacionais.

A grande vantagem da teoria de Ascensão é que ela se presta também a explicar a natureza dos direitos morais do autor.

Boa parte da doutrina vê nos direitos morais do autor uma emanação de sua personalidade, de modo que, não raro, são assim qualificados.

Caio Mário da Silva Pereira atribui aos direitos de personalidade as qualidades de absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis[53]. Sem dúvida, tais definições são atribuíveis aos direitos morais do autor [54].

Conforme mencionado anteriormente, parece-nos que a qualificação como direitos de personalidade nos parece inadequada em razão de diversas circunstâncias. Inicialmente, porque ao contrário dos direitos de personalidade, os direitos morais do autor não são inatos. Em segundo lugar, porque todos os direitos de personalidade são atributos da própria pessoa. Por outro lado, os direitos morais de autor existem em função de uma criação externa – dependem de uma obra distinta da própria pessoa para que possam se manifestar juridicamente. Este é o argumento apresentado por Pascal Kamina, citado por Bruno Lewicki[55].

Finalmente, ao argumento de que os direitos morais seriam um direito de personalidade porque ligariam indissoluvelmente a obra ao autor, é possível lembrar que diversos são os autores que publicam obras sob pseudônimos ou anonimamente, o que parece anunciar, em determinados casos (ainda que excepcionais) exatamente uma certa indiferença quanto ao suposto vínculo entre a obra e sua personalidade[56]. Também por isso, então, torna-se enfraquecido o argumento que defende ser o direito moral de autor um direito de personalidade.

Com isso, voltamos à teoria de José de Oliveira Ascensão, que – já o mencionamos – nos parece a mais adequada.

Ao qualificar o direito autoral como um direito de exclusivo, tal qualificação se presta a definir a natureza tanto dos direitos patrimoniais quanto dos direitos morais do autor, sendo portanto mais abrangente do que a teoria que encara os direitos autorais como um direito sui generis, ou híbrido, um misto de direitos reais com direitos de personalidade, que aparentemente prevalece na doutrina.

Para Ascensão, “também as faculdades pessoais ínsitas no direito de autor não prejudicariam a qualificação deste direito como um direito de exclusivo, ainda que o aspecto patrimonial não fosse predominante. Porque elas se consubstanciam igualmente em exclusivos relativos à obra. O direito de conservar a obra inédita, o direito de ter o nome inserto na obra ou o direito de modificar são elementos do exclusivo e concorrem para aquele exclusivo global que é atribuído ao autor”[57].

Aqui cabe apenas uma observação. Concordamos com o fato de que o direito de exclusivo se presta a justificar os direitos morais do autor enquanto a obra se encontra protegida. Mas ao contrário dos direitos patrimoniais, os morais não se extinguem necessariamente com o fim do prazo de proteção. Sendo assim, mesmo que o direito de exclusivo sirva como justificativa, há que se fazer algum temperamento[58]. Parece-nos, por isso, inevitável atribuir aos direitos morais do autor a natureza de direitos pessoais, ou extrapatrimonais, em contraposição aos direitos autorais patrimonais, pois que os efeitos que se abatem sobre cada feixe de direitos após o decurso do prazo de proteção são distintos, de modo que devem pertencer a categorias de fato distintas.

Por todo o exposto, concordamos com Ascensão e entendemos que os direitos autorais têm por natureza jurídica ser um direito de exclusivo. O direito é conferido pela lei e não por emanação de um suposto direito natural[59]. O direito exclusivo é adequado para justificar tanto (i) o direito patrimonial, que não é direito de propriedade, ainda que seja um direito, como o próprio nome diz, economicamente aferível, quanto (ii) o direito moral, que não é direito da personalidade, ainda que seja um direito pessoal – que inclusive lhe serviria de nomenclatura mais adequada.

Diante das considerações traçadas ao longo deste capítulo, entendemos que “propriedade intelectual” não parece ser a qualificação mais adequada para tratar os bens aqui analisados. Melhor seria denominá-los “direitos intelectuais”[60], já que se trata substancialmente de uma atribuição legal distinta da propriedade. Mesmo no que diz respeito às marcas, conquanto se assemelhem mais à propriedade do que os demais bens qualificados como pertencentes à propriedade intelectual, há características que as distanciam da propriedade clássica (como o fato de serem não-rivais), de modo que seria prudente afastá-las de tal classificação.

Dessa forma, julgamos inadequada a terminologia utilizada na sentença que decidiu em primeira instância o caso entre Roberto e Erasmo Carlos e a gravadora EMI. Entendemos, por todos os argumentos aqui expostos, que obras protegidas por direitos autorais não se sujeitam ao sistema de propriedade stricto sensu, mas a um direito exclusivo. Sendo assim, sob esta categoria – de direito sujeito a um regime de exclusividade legal – trataremos os direitos autorais. E uma vez findo o prazo legal de proteção (e não o direito de propriedade, como poderia parecer), a obra outrora protegida por direitos autorais ingressa no domínio público.

Este material foi publicado por seu autor/tradutor, Sérgio Branco (ou por sua vontade) em Domínio público. Para locais que isto não seja legalmente possível, o autor garante a qualquer um o direito de utilizar este trabalho para qualquer propósito, sem nenhuma condição, a menos ques estas condições sejam requeridas pela lei.

 
  1. Art. 1º: Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos.
  2. Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão. Parágrafo único. A proteção desta Lei aos direitos previstos neste artigo deixa intactas e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas.
  3. Assim é que o art. 37 da LDA prevê que “a aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei”. Ainda que mais usualmente as obras protegidas por direitos autorais encontrem-se fixadas em algum suporte, não é impossível que a obra tenha sido apenas exteriorizada (oralmente, por exemplo), sem fixação, caso em que, ainda assim, seguiria protegida.
  4. Alexandre Dias Pereira, comentando a obra de Manuel de Andrade, invoca as seguintes palavras a respeito do tema: “o objecto de tais direitos é a obra na sua forma ideal, na sua concepção intelectual, e não a coisa ou as coisas materiais que constituem a sua corporização ou encarnação exterior, através das quais ela faz a sua aparição no mundo sensível. Os direitos que recaem sobre essas coisas materiais são vulgares direitos de propriedade, salva qualquer variante não essencial. Os que recaem sobre a obra como entidade ideal, como particular combinação de pensamentos ou impressões, é que revestem uma fisionomia específica, embora muito próxima, nos seus principais aspectos, da dos direitos reais sobre coisas corpóreas” (grifos no original). PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Coimbra: Coimbra Editora, 2001; p. 140
  5. Art. 3º: Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.
  6. Art. 4º: Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais.
  7. Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.
  8. Art. 18: A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.
  9. Ver, entre outros, BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2004; p. 25: “[c]om base na diretriz assumida, as leis internas dos países também adotaram a técnica da enumeração exemplificativa de obras protegidas, permitindo, pois, a integração de outras criações estéticas no seu contexto (assim, entre nós, a Lei n. 9.610/98, art. 7º)”.
  10. Art. 8º: Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I – as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; II – os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; III – os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; IV – os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; V – as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI – os nomes e títulos isolados; VII – o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.
  11. “O Direito de Autor possui duas naturezas diversas, ou seja, o jus in rem e o jus in personam, as quais não se confundem, mas coexistem em harmonia para este ramo do direito. As características do jus in rem e do jus in personam são a alienabilidade do primeiro e a indisponibilidade do segundo, o qual jamais se afasta ou pode ser afastado do autor da obra”. LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito (moral) de inédito. Direito de Autor. Brasília: Brasília Jurídica, 2004; p. 119.
  12. Em trabalho anterior, defendemos a classificação que agora negamos. A compreensão dos direitos autorais como propriedade (em seu aspecto patrimonial) e como direito de personalidade (em seu aspecto moral) é bastante difundida, ainda que, em nossa opinião, menos complexa. A análise a que nos dedicamos agora exige maior detalhamento do instituto e, por conta disso, foi necessário rever a qualificação anteriormente adotada. BRANCO, Sérgio. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; p. 29. Disponível em http://virtualbib.fgv.br/dspace/handle/10438/2832. Acesso em 20 de janeiro de 2011.
  13. “Com efeito, os direitos autorais não se cingem, nem à categoria dos direitos reais, de que se revestem apenas os direitos denominados patrimoniais, nem à dos direitos pessoais, em que se alojam os direitos morais. Exatamente porque se bipartem nos dois citados feixes de direitos – mas que, em análise de fundo, então, por sua natureza e sua finalidade, intimamente ligados, em conjunto incindível – não podem os direitos autorais se enquadrar nesta ou naquela das categorias citadas, mas constituem nova modalidade de direitos privados. São direitos de cunho intelectual, que realizam a defesa dos vínculos, tanto pessoais, quanto patrimoniais, do autor com sua obra, de índole especial, própria, ou sui generis, a justificar a regência específica que recebem nos ordenamentos jurídicos do mundo atual”. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit.; p. 11.
  14. “Todos os direitos, na medida em que destinados a dar conteúdo à personalidade, poderiam chamar-se ‘direitos da personalidade’. No entanto, na linguagem jurídica, esta designação é reservada aos direitos subjetivos, cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo. Por outras palavras, existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados ‘direitos essenciais’, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade”. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004; pp. 23-24.
  15. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; pp. 24-25.
  16. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 27.
  17. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 27.
  18. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 337.
  19. Segundo Luis Felipe Ragel Sánchez, “[a] maioria dos autores negam que os direitos morais de autor seja, direitos da personalidade. (...) O principal argumento apresentado consiste em afirmar que as pessoas têm liberdade de criar obras intelectuais, mas nem todas as pessoas as criam”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[l]a mayoría de los autores niegan que los derechos morales del autor sean derechos de la personalidad. (...). El principal argumento esgrimido consiste en afirmar que las personas tienen libertad de crear obras intelectuales pero no todas las personas las crean”. RAGEL SÁNCHEZ, Luis Felipe. La Propriedad Intelectual como Propriedad Temporal. Cit.; p. 22.
  20. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 338.
  21. Grifos no original. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 338.
  22. O nome pode ser entendido como um direito e como um dever. “Na Convenção Americana de Direitos Humanos – o chamado Pacto de San Jose da Costa Rica, já ratificado pelo Brasil –, o art. 18 prevê: ‘toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou de um deles. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário’”. Daí se infere que “[a] relevância do nome não se reduz, então, como outrora, à designação como pertencente a determinada família. O nome, hoje, integra-se de tal maneira à pessoa e à sua personalidade que com ela chega a se confundir, vindo a significar uma espécie de sustentáculo dos demais elementos, o anteparo da identidade da pessoa, a sede do seu amor-próprio”. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Tutela do nome da pessoa humana. Na Medida da Pessoa Humana – Estudos de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010; pp. 151-152.
  23. HAMMES, Bruno Jorge. O Direito de Propriedade Intelectual. Cit.; p. 70.
  24. MENEZES, Elisângela Dias. Curso de Direito Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007; p. 67.
  25. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; pp. 129-130.
  26. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 130.
  27. Além destes, podemos incluir no rol de direitos patrimoniais o direito de sequência previsto no art. 38 da LDA, que determina: o autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado. Parágrafo único. Caso o autor não perceba o seu direito de sequência no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o depositário.
  28. NEGREIROS, Teresa. Teoria dos Contratos – Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; pp. 341-342.
  29. CHINELATO, Silmara Juny de Abreu e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Propriedade e posse: uma releitura dos ancestrais institutos. Reflexos no direito autoral. Revista de Direito Autoral – Ano I – Número I, agosto de 2004. Rio de Janeiro: Lumen Juris; p. 68. Acrescenta João Paulo Capella Nascimento: “há que se ponderar que, dependendo da natureza jurídica que se seja atribuída a qualquer direito, diferente será a interpretação e a aplicação da própria lei. Assim, se qualificarmos os direitos sobre os bens imateriais como direitos reais ou pessoais, a interpretação e aplicação da lei a eles relativa seguirá necessariamente, mesmo que de forma subsidiária, todo o regime jurídico relativo aos direitos reais ou pessoais. Ao revés, se qualificarmos a natureza jurídica desse direito como sendo, como apregoam alguns, um direito novo, imprescindível seria traçar-lhe um regime jurídico também novo, de forma a que tivesse ele uma perfeita integração no ordenamento jurídico como um todo”. NASCIMENTO, João Paulo Capella. A Natureza Jurídica do Direito sobre os Bens Imateriais. Revista da ABPI, n. 28; p. 23.
  30. Grifo no original. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 111.
  31. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 112.
  32. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 112.
  33. Gama Cerqueira entende tratar-se de um direito puramente patrimonial, “que tem por objeto a própria obra criada e consiste, essencialmente, na faculdade exclusiva de reproduzi-la e de auferir as vantagens econômicas que dela possam resultar. Ao lado desse direito, que é, pròpriamente, o direito de autor, e independente dele, subsiste o seu direito moral, que designa o conjunto dos ‘direitos especiais da personalidade que acompanham as manifestações da atividade humana de caráter patrimonial’ e que não se confundem com os direitos pessoais pròpriamente ditos. São dois direitos diferentes: um que compete à pessoa enquanto autor: outro que compete ao autor como pessoa. Não se trata nem de um direito de dupla natureza, nem de faculdades diversas de um mesmo direito, nem de aspectos diferentes de um direito único; mas de dois direitos diversos e independentes, o que explica a faculdade que tem o autor de alienar o seu direito patrimonial da maneira mais completa, conservando íntegro o relativo à sua personalidade, bem como a possibilidade de ser violado o direito de autor sem ofensa ao seu direito moral” (grifos no original). CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 121.
  34. Ver, entre outros, os já citados CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 165 e BARBOSA, Cláudio R. Propriedade Intelectual'. Cit.
  35. São as seguintes as teorias mencionadas: (i) direito da coletividade; (ii) direito real de propriedade; (iii) emanação do direito de personalidade; (iv) direito especial de propriedade, tendo por objeto um valor imaterial; (v) direito sui generis; (vi) direito de clientela; (vii) direito dúplice de caráter real: pessoal-patrimonial; (viii) direito pessoal de crédito; (ix) direito privativo de aproveitamento. CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Cit.; pp. 9-16.
  36. Stéphanie Choisy critica a qualificação sui generis, aplicável ao que quer que seja, pois consistiria no “ressource suprême du juriste embarassé”. CHOISY, Stéphanie. Le Domaine Public en Droit d’Auteur. Cit.; p. 22. Tendemos a concordar com a autora. Se não há classe em que se ajuste, então novas classes devem ser buscadas. Conforme visto acima (v. Teresa Negreiros), há importância capital em se classificar adequadamente os institutos jurídicos.
  37. CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Cit.; p. 16.
  38. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “in quel gruppo di situazioni soggettive che si designa complessivamente come ‘diritto di autore’, si può parlare di proprietà per certi aspetti: l’autore di un romanzo è proprietario delle copie inviategli dall’editore. Ma in tale senso, è proprietario chi ne ha acquistato una copia in libreria; e il diritto (personale) di autore, diritto su bene immateriale, cioè sull’opera d’arte come creazione ideale, non ha nulla da vedere con codesto diritto di proprietà”. PUGLIATTI, Salvatore. La Proprietà e le Proprietà. Cit.; pp. 251-252.
  39. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit.; p. 49.
  40. BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit.; p. 25.
  41. PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Cit. ; p. 113.
  42. PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Cit.; p. 113. Assim como fazem Gama Cerqueira e Antônio Chaves em suas respectivas obras anteriormente citadas, Alexandre Dias Pereira aponta diversas teorias que ao longo dos anos se celebrizaram tentando justificar o direito de autor. Por mais tentador que seja, não incorreremos em um debate aprofundado do tema, pois que isso apenas se justificaria se fosse a definição da natureza jurídica do direito autoral o objetivo final deste trabalho. De fato, a questão é rica, mas aparentemente inesgotável. O esforço de pôr fim à disputa seria certamente infrutífero.
  43. Como lembra José de Oliveira Ascensão, eram exatamente os pensadores – escritores – os homens da Revolução Francesa. Por isso, rapidamente construíram uma ideia que os salvaguardasse. O direito a que fariam jus não seria um privilégio, mas uma propriedade – e a mais sagrada das propriedades. Era a justificação ideológica, no mau sentido da palavra, do direito de autor por via da propriedade, porém teria todos os ingredientes para triunfar. Surge assim a propriedade literária, depois prolongada como Propriedade Literária, Artística e Científica. E a arma da propriedade continua a ser usada hoje com a mesma função. ASCENSÃO, José de Oliveira. En Torno al Dominio Público de Pago y la Actividad de Control de la Administración en la Experiencia Portuguesa. La Duración de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domínio Público. Coord,: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 270.
  44. PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Cit.; p. 114. A pesquisa do autor aponta no sentido de que a natureza jurídica do direito autoral vem assumindo características distintas a depender do país onde a questão é analisada. Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, por exemplo, o direito autoral seria verdadeiro direito de propriedade. Na Alemanha, o direito autoral é constitucionalmente protegido como direito de propriedade. Na França, seria direito de personalidade, “afirmando-se a propriedade ou o direito de exclusivo relativamente aos direitos patrimoniais”. Na Espanha, assim como na Itália, o direito de autor pode ser qualificado pela jurisprudência como uma forma especial de propriedade, ainda que contando com pouco apoio da doutrina. Na Itália, inclusive, haveria uma forte corrente classificatória dos direitos autorais como um direito de exclusivo.
  45. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 598.
  46. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 601.
  47. Sendo assim, Ascensão menciona as teorias personalísticas e patrimonialísticas, cabendo a cada grupo uma gama de outras teorias.
  48. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p.606.
  49. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 604.
  50. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; pp. 605-606.
  51. Aqui, parece que Ascensão defende um caráter excepcional ao direito autoral, sendo o uso por parte da sociedade a regra – e não o contrário, como normalmente se afirma.
  52. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 612. Em análise à obra do professor Ascensão, Alexandre Dias Pereira afirma, após mencionar inúmeros autores que em Portugal partilham da opinião de que os direitos autorais são direitos de propriedade: “[m]as há opiniões alternativas, sendo de destacar a teoria dos direitos de exclusivo ou de monopólio, que é defendida, entre nós, pelo Prof. Oliveira Ascensão, aproximando-se da doutrina dos ‘direitos intelectuais’”. PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Cit.; p. 119.
  53. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. I. Cit.; p. 242.
  54. Inclusive, a própria LDA prevê, em seu art. 27, que os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis, em evidente aproximação aos direitos da personalidade.
  55. “Já criticamos a entranhada, por mais que se a negue, associação entre o exercício dos direitos patrimoniais do autor e aquele do domínio no âmbito “clássico” da propriedade; mas deve ser observado que a automática equiparação dos direitos morais de autor aos direitos de personalidade não é menos daninha que aquela entre faculdades patrimoniais e exercício dominial. Em tão instigante quanto incisivo trecho, Pascal Kamina afirma que os direitos morais de autor não são direitos da personalidade. Assim como as faculdades patrimoniais, os direitos morais são direitos que uma pessoa exerce para proteger algo externo a ela – sua obra. Difere, desta forma e por exemplo, do direito à honra, que é um atributo da própria pessoa”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Tese de Doutorado defendida perante a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007; p. 68.
  56. Alguns exemplos podem ser apontados. “Na Idade Média, a reprodução material se dava principalmente nos monastérios, provavelmente sem fins lucrativos, objetivando principalmente a disseminação de temas religiosos. A identificação da autoria não era revelada, pois a elaboração e reprodução da obra era executada dentro do monastério, dificultando ou até impedindo a autoria individual. Pode-se considerar que havia, na organização da produção cultural da Idade Média nestes locais, a estrutura primária das futuras obras coletivas”. SOUZA, Allan Rocha de. A Função Social dos Direitos Autorais. Campos dos Goytacazes: ed. Faculdade de Direito de Campos, 2006; p. 37. Mais recentemente, o surgimento em número cada vez maior de obras colaborativas, nas quais é impossível se identificar o autor, apenas corrobora este entendimento.
  57. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 614.
  58. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 614. O autor não se furta às inevitáveis críticas, antecipando-as. Afirma que “nem sempre a situação nos surge com a mesma nitidez. Assim, no direito de retirada ou no direito à integridade são elementos da personalidade, como a honra, que surgem em primeiro plano, e não atividades atribuídas em exclusivo. Havendo embora uma extrinsecação da personalidade, há também o aspecto característico de essa extrinsecação se dar a propósito de uma determinada obra. Por isso admitimos que a própria obra é o objeto do direito pessoal do autor”. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 614.
  59. Gustavo Tepedino afirma que “poder-se-ia mesmo dizer quem fora de um determinado contexto histórico, não existe possibilidade de se estabelecer um bem jurídico superior, já que a sua própria compreensão depende de condicionantes multifacetados e complexos atinentes aos valores sociais historicamente consagrados”. E prossegue: “[a] final, bastaria lembrar que, em nome da vida e da liberdade, inúmeros contingentes humanos já foram sacrificados, invariavelmente sob fundamentos éticos, religiosos e políticos que, invocados pelos Estados, pretendem justificar guerras, genocídios, aparheid e outras formas de descriminação social, sexual, étnica e cultural”. Adiante, exemplifica, de maneira incontornável: “[r]esulta, em definitivo, assaz difícil para os defensores das teses jusnaturalistas definirem o que seria a expressão de direitos sagrados do homem, quando se pensa na variedade de posições adotadas pela consciência social dos povos nas diversas épocas históricas e pontos geográficos e, que se insere a pessoa humana. A religião muçulmana, com suas penas corporais e cirurgias através das quais milhares de mulheres africanas são mutiladas, ao nascer, nos dias de hoje, os países cristãos e as concepções ideológicas que adotam a pena de morte; o regime de escravidão em sociedades consideradas civilizadas; a prática de torturas e de linchamento como formas de sanção socialmente reconhecidas em diversos estados brasileiros; tudo isso coloca em crise a simplista tese segundo a qual seria a consciência universal a estabelecer os direitos humanos e os direitos da personalidade, cabendo ao ordenamento jurídico apenas reconhecê-los”. TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro. Temas de Direito Civil, 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 45-46.
  60. Ascensão não apenas se vale da terminologia (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil – Reais. Cit.; p. 39) como defende que a propriedade industrial melhor se chamaria “direito industrial” (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 20).