O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro/Capítulo 2/2.5.

Wikisource, a biblioteca livre

2.5. Existe um prazo ideal?

 

A busca por um prazo ideal é ainda mais complexa e insuperável do que a definição da natureza do direito autoral em propriedade ou monopólio. Muitos são os elementos a serem considerados, havendo tanto aqueles que pregam que, ainda que sem proteção, haveria produção cultural (de modo que o direito autoral não é condição sine qua non para o florescimento da cultura) até aqueles que defendem a proteção perpétua, especialmente entre os que (equivocadamente, em nosso entendimento, já o dissemos) classificam o direito autoral entre as modalidades de propriedade.

A disputa ideológica pode se fazer sentir também em algumas experiências legislativas ao longo do tempo. Por exemplo, já vimos que entre os séculos XVIII e XIX, era comum o prazo de proteção de alguns poucos anos, tanto na França como na Inglaterra, quer se contasse o prazo a partir da publicação da obra ou da morte do autor.

Mais recentemente, a lei cubana de direitos autorais, de 1977, previa um prazo inferior ao da Convenção de Berna: vida do autor mais 25 anos. Com a adesão de Cuba à Convenção de Berna, o texto de lei teve de ser emendado pelo Decreto-Lei n. 156, de 1994, que elevou o prazo de proteção para vida do autor mais 50 anos, o mínimo exigido pelo tratado internacional[1].

Por outro lado, a lei portuguesa sobre direitos autorais que vigorou entre 1927 e 1966 previa um prazo de proteção perpétuo[2]. A consequência, segundo Ascensão, foi desastrosa: edições de livros eram caras e ruins, dada a certeza do mercado. Dessa forma, a lógica do monopólio funcionou exemplarmente[3].

Apenas em 1966 a lei passou a prever um prazo de proteção limitado: 50 anos contados da morte do autor. Ainda assim, foi concedido um prazo suplementar de 25 anos para exploração econômica das obras então garantidas pelo regime de perpetuidade. O domínio público só seria atingido, na melhor das hipóteses, em 1991[4].


  1. 238
  2. 239
  3. 240
  4. 241

238 DÍAZ, Caridad del Carmen Valdés. Duración y Dominio Público de las Obras del Espíritu en el Derecho Cubano. La Duración de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domínio Público. Coord.: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 299.

239 A propósito, caso único na regulamentação dos direitos autorais do mundo pós-Convenção de Berna. GINSBURG, Jane C. e RICKETSON, Sam. International Copyright and Neighbouring Rights — The Berne Convention and Beyond — Volume I. Cit.; p, 527.

240 ASCENSÃO, José de Oliveira. En Torno al Dominio Público de Pago y la Actividad de Control de la Administración en la Experiencia Portuguesa. Cit.; p. 272.

241 ASCENSÃO, José de Oliveira. En Torno al Dominio Público de Pago y la Actividad de Control de la Administración en la Experiencia Portuguesa. Cit.; p. 272. Em um estudo bastante polêmico, Scott Martin[1] afirma que a indagação sobre qual o prazo ideal de proteção está na lista de “perguntas eternas sem resposta” ao lado de “quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete?” e que qualquer um que alegue ter uma resposta empírica para ela estará, na verdade, apenas advogando sua própria perspectiva[2]. Por outro lado, a partir de uma análise econômica consistente, com base em inúmeros dados a respeito do registro de propriedade intelectual nos EUA ao longo do século XX, William Landes e Richard Posner concluem que o registro das obras intelectuais (como condição para sua proteção por direitos autorais, o que ocorria nos EUA até o fim do século XX), bem como sua renovação, são grandes responsáveis por incentivos econômicos. No entanto, períodos muito curtos de proteção e valores muito altos cobrados para o registro e para a renovação inibem tanto o primeiro como a segunda. Por isso, propõem os autores, o ideal seria um prazo inicial nem tão longo e nem tão curto (como 20 anos), seguido de um número de renovações, que poderia até mesmo ser ilimitado

(como ocorre com as marcas).

Ao contrário do que poderia parecer inicialmente, esta solução, no entender de Landes e Posner, resolve dois problemas. Em primeiro lugar, haveria um acréscimo do número de obras em domínio público, já que a experiência demonstra que é relativamente pequeno o número de obras que têm o registro renovado. A seguir, a existência do registro, apesar de manter um número considerável de obras protegidas por longos períodos (talvez para sempre), seria mais fácil identificar os titulares dos direitos[3].

Em regra, as obras intelectuais guardam valor econômico por prazos muito menores do que aqueles previstos na lei que define sua proteção. Por esse critério, todas as leis do mundo deveriam contar com revisão para prever prazos de proteção mais coerentes com a vida econômica da obra. No entanto, como visto anteriormente, os tratados



  1. 242
  2. 243
  3. 244

242 Vice-presidente de propriedade intelectual na Paramount Pictures Corporation e ex-professor adjunto de direitos autorais da Universidade da Carolina do Sul.

243 Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[o]n the list of “Eternal Questions Which Have No Answer”, the ques- tion “What is the correct duration for copyright protection?” is second only to “How many angels can dance on the head of a pin?” There is no empirical way to answer these questions, and anyone who claims to have an empirical answer is, in reality, merely advocating their personal perspective”. MARTIN, Scott M. The Mythology of the Public Domain: Exploring the Myths Behind Attacks on the Duration of Copyright Protection. Disponível em http://llr.lls.edu/ eldred/martin-original1.pdf. Acesso em 17 de julho de 2010; p. 5.

244 “(…) copyright registration and renewals are indeed highly responsive to economic incentives, as our theory predicted. The shorter the expected life of a copyright and the higher the registration and renewal fees, the less likely are both registration and renewal. This in turn suggests that a system of modestly higher registration and renewal fees than at present, a relatively short initial term (20 years or so), and a right of indefinite renewal would cause a large number of copyrighted works to be returned to the public domain quite soon after they were created. Of course, those would tend to be works of low average commercial value; otherwise the owner would have renewed. And requiring registration and renewal for copyright protection, rather than, as at present, making these steps optional, would increase the incentive to take them. Nevertheless, a system of indefinite renewals (or one that combines renewals with a maximum duration) may enable society to have its cake and eat it too. More works will be in the public domain, thus minimizing access, transaction, and administrative costs, while those few copyrights that retain their value will remain in copyright protection indefinitely, with the economic advantages, involving investments in maintenance and the avoidance of congestion externalities, that we discussed earlier”. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. Indefinitely Renewable Copyright. Cit.; p. 41. internacionais atualmente em vigor impedem que os prazos gerais de proteção sejam inferiores a 50 anos contados da morte do autor.

Na verdade, as regras que constituem a estrutura do domínio público têm sido constantemente alteradas, de modo que não é possível afirmar-se com certeza quando uma obra ingressará em domínio público. Existe apenas uma expectativa de isso vir a acontecer em determinado ano, caso as normas ora em vigor se mantenham as mesmas. Segundo Séverine Dussolier, tal incerteza acaba por não conferir muita força ao domínio público[1]. Ademais, muito pouco vem sendo discutido — por órgãos governamentais internacionais — a respeito de aspectos econômicos, sociais e culturais relacionados ao domínio público, de modo que a tendência a aumentar os prazos vigentes tem permanecido francamente inquestionável. Segundo Gillian Davies, nenhum esforço tem sido empreendido para se estabelecer, com base fática e econômica, qual o prazo apropriado para a

proteção dos direitos autorais[2].

Conforme aponta o mesmo autor, citando W. R. Cornish, não pode ser a extensão do direito de 50 para 70 anos post mortem auctoris necessária para significar incentivo àqueles que criam e àqueles que exploram a obra, já que estes tomam decisões com base em prazos muito mais curtos[3].

No cenário político internacional, dificilmente haverá consenso sobre qual o prazo adequado de proteção às obras intelectuais. Difícil, ainda, que todos os países acordem com um mesmo prazo, apesar da atual tendência de esse prazo se estabelecer em torno dos 70 anos. De toda forma, um prazo mais curto do que o vigente é altamente recomendável por diversos dos motivos já apresentados ao longo desta tese.


  1. 245
  2. 246
  3. 247

245 DUSSOLIER, Séverine. Scoping Study on Copyright and Related Rights and the Public Domain; p. 30. Disponível em http://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/news/2010/news_0007.html.

246 “At governmental level and within the European Commission, there was ‘little sustained discussion of the economic, social and cultural issues involved, and the steady trend towards longer terms has remained largely unquestioned'. No effort was made to establish on a factual and economic basis what the appropriate term for copyright protection should be”.DAVIES, Gillian. The Public Interest in the Public Domain. Intellectual Property — The Many Faces of the Public Domain. Cheltenham: 2007; p. 95.

247 “[I]t cannot be that an extension of the right from fifty to seventy years post mortem auctoris is required as an economic incentive to those who create and those who exploit works. They make their decisions by reference to much shorter time scales than these”. DAVIES, Gillian. The Public Interest in the Public Domain. 'Intellectual Property — The Many' Faces of the Public Domain. Cheltenham: 2007; p. 95.