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O Inferno (Auguste Callet)/II/X

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CAPITULO DECIMO

Conclusão em fórma de parabola
 

O pae de familia dizia aos seus servos: Ide aos meus celleiros; tomai a flôr do grão que eu mesmo escolhi e ensaquei á parte em saco novo, e ide semear o meu campo. Não lhe mistureis o grão do saco velho; porque esse embriaga o homem e não o alimenta, e só para os cevados é bom.

Cumpriram os servos as ordens do amo; deixaram, porém, por descuido, cahir no saco novo os grãos malfazejos que o amo havia separado, e, logo que se misturaram, não poderam extremal-os, e cegamente os atiraram á uma para os sulcos.

Chegado o estio, um caminheiro que passava admirou a belleza das espigas que medravam na seara, mas reconheceu entre as espigas as plantas nocivas. Arrancava elle discretamente as que haviam germinado até á beira da estrada, quando os servos, armados de páos, correram a prohibir-lhe que tocasse na seara que era de seu amo. Perguntou-lhes o caminheiro onde estava o amo, e soube d'elles que era fallecido, mas lhes recommendára que vigiassem a messe preparada para seus filhos.

O caminheiro, ouvida tal resposta, contristou-se, e lhes fez vêr a differença que havia entre o joio e o trigo. E disse-lhes: Acautelai-vos de os mandar juntos ao moinho, e não façais pão que não seja de puro fermento.

Os servos, não obstante, persuadidos da sabedoria do amo e do cumprimento fiel ás ordens recebidas, desconfiaram do caminhante, e de seus proprios olhos até, quando lhes apontava a differença das duas plantas. Se isto é joio, diziam, não fômos nós que o fizemos rebentar.

Certo é que não — disse o passageiro — não fostes vós quem fez germinar o trigo nem o joio, nem communicastes a cada um dos dois sua diversa virtude, nem tão pouco lh'as podereis tirar; mas, se não sois quem os fez crescer, fostes vós quem os semeou, depois de misturar os grãos que o pae de familia havia cuidadosamente separado. Se amais os filhos de vosso amo, fazei o que elle faria: não lhes deis a comer pão que empeçonha, porque d'elle adoecerão, e outros hão de morrer.

Turbaram-se grandemente os servos com tal discurso. Um disse entre si: «Póde ser que o homem tenha razão: aqui ha plantas que não parecem eguaes; e é acertado não desprezar bons avisos, venham d'onde vierem, porque, um dia, quem sabe se nos serão pedidas contas?» Outros, no entanto, diziam: «Este homem póde ser um impostor. Quem sabe d'onde vem ou para onde vai? Quem lhe deu direito de nos ensinar? E porque não hemos de dar d'este pão aos filhos de nosso amo? Nós comeremos tambem d'elle.»

Dizendo isto, abaixaram-se a apanhar pedras, e remessaram-as contra o caminheiro que se affastou.