O Livro de Esopo/O rato, a rã e o minhoto
[Fl. 3-r.][C]omta-sse que hũu rrato, amdando ssen caminho pera emderençar sseus neguoçios, ueo arriba de hũa augua, a quall ell nom podia passar. E estando assy cuydoso arriba da augua, veo a ell hũa rrãa e disse-lhe:
— Sse te prouuer, eu te ajudarey a passar esta augua.
E o rrato rrespomdeo que lhe prazia e que lh’o agradeçia muyto. E a rrãa fazia esto pera emganar o rrato, e disse-lhe:
— Amiguo, legemos[1] hũa linha no pee teu e meu, e ssube em çima de mym.
E o rrato feze-o assy. E depois que forom no meo da augua, a rrãa disse ao rrato:
— Dom velhaco, aqui morreredes maa morte.
E a rrãa tiraua pera fundo, pera afoguá-lo de so a augua; e ho rrato tiraua pera çima. E estamdo em esta batalha, vi’-os[2] hũu minhoto que andaua voamdo pello aar, e tomou-os com as hunhas e comê’-os[3] ambos.
Em aquesta hestoria este doutor rreprehemde os homẽes, os quaes com boas palauras e doçes, de querer fazer proll e homrra a sseu proximo, <e>[4] emganosamente lhe<s>[5] fazem maas obras, porque all dizem com as limguoas e all teem nos sseus coraçõoes.
E esto sse demostra per a rrãa, a quall dizia que queria passar o rrato, e tijnha no sseu coraçom preposito de ho afoguar e matar, como dicto he em çima[6].
Notas
[editar]- ↑ Leia-se leguemos.
- ↑ =vio-os. No ms. vios.
- ↑ =comeo-os. No ms. comeos.
- ↑ O e está de mais, postoque nos textos antigos o uso de e não seja sempre rigoroso. Foi aqui talvez escrito por influencia do e seguinte.
- ↑ Esperar-se-hia lhe, por se referir a proximo; mas no espirito do auctor ou no do copista a ideia de homẽes, que apparece no comêço do periodo, alternou com a de proximo, e o lhe foi referido a ella.
- ↑ No desenho á penna, illustrativo da fabula que acaba de se transcrever, lê-se adeante do bico da ave: syyo vioviovio, o que traduz a voz d’ella.