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O Matuto/XXVIII

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A enormidade e a imminencia do perigo abateram o grande animo da senhora-de-engenho, a qual, percebendo levantar-se diante de seus olhos o vulto horripilante da morte, não escolheu meios de fugir a esta funebre visão, e deixou-se arrastar sem resistencia e como sem consciencia pelo mercador.

De feito ella ouvira centenas de vozes pedir do lado de fóra a sua cabeça em resgate do crime, que fôra aliás praticado por seu marido; vira a casa tomada pelos amotinados, resolutos a não terem para ninguem, e muito menos para ella, si não fosse o negociante, a menor contemplação; conhecera emfim que sua vida, posto que á sombra da protecção delle, não se podia considerar ainda de todo segura. Então não hesitou, não refletiu. Pegou da mão que se lhe estendia. O instinto da propria conservação impõe-se como uma fatalidade. D. Damiana não podia mostrar-se superior a essa lei absoluta e impreterivel.

Para Coelho a crise tinha chegado á solução natural e unica. João da Cunha, uma vez nas mãos dos inimigos, não haveria sahir dellas com vida. E o homicidio, previsto pelo mercador, não esteve longe de ser commettido nos primeiros momentos depois da prisão do senhor-de-engenho; mas interpoz-se uma circumstancia, menos filha do acaso do que da clemencia com que o ceo quiz vir a seu soccorro. Os filhos de Jeronymo Paes assentaram não lhe tirar a vida sinão depois de perdida a esperança de um resgate em dinheiro, por então muito em voga.

Coelho não pensou mais senão em effectuar a sua viagem para o Recife. Ahi esperaria a ultima palavra dos acontecimentos, que para elle não era duvidosa. Ahi realizaria o seu sonho. Mas para que este resultado não estivesse sujeito ao minimo contraste, urgia deixar Goyanna. Demais as turbas achavam-se exacerbadas e podiam ter o capricho feroz de preencher a sua vingança derramando o sangue da infeliz senhora. Emfim, apresentando-se todas estas idéas ao espirito do negociante, correu elle á casa, metteu em si todo o ouro que tinha em segredo no cofre, e dizendo a d. Damiana que a ia recolher em lugar onde o povo não podesse suspeitar seu homizio, encaminhou-se com ella em direitura para a Rua-do-rio.

D. Damiana não votava desaffeição a Coelho. Elle tinha sido, por assim escrevermos, seu companheiro de infancia, e tanto bastava para que a seus olhos o jovem europeu não apparecesse sinão como um amigo, ou um irmão. É verdade que mais tarde distancia maior se estendera entre elles dois, filha da desigualdade de condição que naquelles tempos tanto predominava nas relações sociais e de familia. Mas as tradições da primeira idade, que, como os hieroglyphos dos egypcios e os caracteres cuneifórmes dos persas, que tem atravessado as eras e dizem idéas tão duradouras como as pedras em que existem entalhados, não se apagam, sinão com a morte, da imaginação ou, melhor, do coração onde se gravaram e donde dizem a todo tempo a sua muda e eloquente linguagem, essas tradições extinctas e sempre vivas prendiam irresistivelmente a gentil senhora-de-engenho, pelo passado, ao jovem portuguez, como na escriptura commum, o traço de união liga o verbo com o pronome, e de duas vozes differentes faz uma só.

Em sua consciencia mais de uma vez protestou contra certas manifestações do desdem de João da Cunha, para com o negociante; e, comquanto melhor do que ninguem ajuizasse da profundeza do abysmo que entre elles cavára a fatalidade, nem por isso negava a Coelho certas attenções, aquellas que, pela propria fidalguia dos seus sentimentos, entendia que devia ter para o antigo amigo da casa. Nunca deixou sem retribuição os comprimentos e as saudações do mercador, nem lhe recusou falas respeitosas, por occasião de se encontrarem. Seu natural espirito de justiça levava-a até a justificar os profundos ressentimentos de Coelho, quando comprehendeu a verdadeira causa delles. «Elle cuidava—dizia d. Damiana comsigo mesma—elle cuidava que poderia casar comigo. Julgava que, tendo entrada em nossas relações, estava habilitado para prender-se á familia por laços que só o parentesco e a igualdade de condição podem crear»

Taes eram as idéas e os sentimentos de d. Damiana. Por isso, sentindo a gravidade do momento, ella não escrupulisou acompanhar o negociante, unica taboa de salvação que nos cruzados mares da subita adversidade lhe apparecia como instrumento do céo.

E antes de passarmos adiante, justo é que deixemos bem claro este ponto essencial da presente narrativa: Coelho não era indigno da confiança que, por força das circumstancias actuaes, ou por influencia irresistivel de circumstancias anteriores e remotas, depositou nelle a jovem fidalga. O amor, que elle lhe consagrava, era sublime e puro; tinha origem immediata no sentimento, não nos sentidos. O portuguez estava na flôr dos annos, e seu caracter não se tinha polluido ainda no trato das relações sociaes. Nessa epoca da vida e com esta circumstancia, o amor é mais do que um sentimento, é uma virtude. Tende sempre a elevar-se, e nunca a rebaixar-se. O negociante amava em d. Damiana um ente, uma creatura, um composto de qualidades corporaes e immateriaes, não unicamente uma feitura plástica, uma fórma physica, não obstante se acharem colligidas nessa fórma todas as perfeições que elle sonhava para o seu ideal. Sua aspiração não se limitava á posse do olhar, do sorriso, do carinho dessa creatura; elle aspirava, não menos do que a isto, ás suas perfeições morais, á parte immaterial da pessoa humana, a essa porção do ser que não é a figura corporal, o arredondado dos contornos, o donaire da talhe, o avelludado da face e da mão, o colorido da cutis, a vibração da voz, mas, mostrando-se intimamente ligada com todas estas prendas não se confunde com ellas, e sem se deixar ver, porque não é visivel, deixa-se adivinhar, conhecer, sentir na bondade, na dedicação, na conformidade com o sentir da pessoa que lhe é identica nas inclinações, nos gostos, no estado espiritual que lhes é commum.

Certamente elle imaginava ser feliz ao lado dessa existencia selecta, dessa alma que constituia a essencia dos seus desejos, das suas vaidades, do seu nobre orgulho; mas essa felicidade elle nunca a imaginou de outra fórma. Por isso, tanto que viu entre suas mãos o thesouro longamente appetecido, a unica idéa que lhe passou pela mente foi a de que cessára emfim o seu tormento e começára, pelo gozo dos bens sonhados, o resgate dos males curtidos; a idéa de, prevalecendo-se das circumstancias, sujeitar o ente querido e alcançado ao papel de instrumento de paixões menos dignas, essa elle não a teve então, porque não a tivera nunca. No coração do jovem portuguez havia o affecto generoso do amante, não os ardores animaes do barregão.

Cortando pelas ruas exteriores, dando rodeios, atravessando beccos desertos, Coelho chegou com a senhora-de-engenho ao embarcadouro. A Borboleta era a unica embarcação surta no rio.

Como a revolta se concentrára, deste lado a villa apparecia quasi deserta. O dia estava em seu começo, mas assim as casas de morada como as de negocio mostravam-se fechadas; e só por intervallos passavam pela frente dellas os magotes, que andavam exercitando o ignobil officio da rapina.

— Vamos embarcar, senhora—disse Coelho, descendo a margem, onde então se viam grandes mangues de basta e estendida folhagem.

— Embarcar? inquiriu a senhora-de-engenho, não sem sorpreza. Embarcar para onde, sr. Coelho?

— Senhora, o momento é grave, e não me dá lugar a reflectir sobre a escolha do porto de salvamento. Correremos á mercê das aguas e dos ventos, e, uma vez longe dos perigos que vos ameaçam, pensaremos então com serenidade sobre esse objecto.

— Que estais dizendo? tornou d. Damiana, maís pallida, e por ventura mais abalada do que estava antes.

Talvez só nesse momento a sua desgraça se lhe desenhou tal qual era na imaginação, até então tolhida e obscurecida pelo terror que, por mais proximo da morte devera ser maior e mais intenso.

— Tencionais então levar-me para fora de Goyanna? perguntou ella, com trémula e quasi chorosa voz.

— Certamente, minha senhora, certamente. Goyanna neste momento tem para vós sentimentos de madrasta, não de mãe. Não ouvis aquelles tiros, aquelles ruidos sinistros, aquelle vozeiar confuso e medonho? Elles indicam que o povo é o triumphador, que os mascates estão senhores da villa...

— Já sei, já sei tudo isto—interrompeu ella freneticamente.

— Pois bem. O povo é exigente, e vinga-se neste momento dos nobres. Vosso marido, senhora minha, deve já ter acabado ás mãos dos populares. — Pois si elle acabou, acabarei tambem eu—disse a senhor-de-engenho soluçando.

— Não, isso nunca. Já não pertenceis nem a vos, nem a elle, observou Coelho.

— E a quem pertenço então? perguntou ella com altivez.

— O destino confiou de mim a vossa guarda, e hei de salvar-vos, ainda que a troco do meu sangue.

— Sem meu marido, senhor, não quero a vida.

— Senhora d. Damiana! exclamou Coelho com entranhavel amargura que lhe estalara nos labios como si fora vesicula de fel.

— É o que vos digo, Sr. Coelho—repetiu a gentil senhora com a firmeza que indica as profundas convicções. Só agora, continuou ella, só agora comprehendo todo o horror da minha situação. Porque fugi eu? Porque não me deixei matar pelo povo, ao lado de meu marido?

— Porque a sorte tinha já assentado que vós devieis sobreviver a elle, talvez para completar uma existencia que vegeta entre as luzes e as sombras do mundo, sem experimentar outras impressões que não sejam as que as sombras, não as luzes, despertam — respondeu o jovem negociante em tom sentido. Mas para que fallais ainda—continuou logo, como quem se reanimava ao calor de uma inspiração subita—para que fallais ainda em uma existencia que já deve pertencer ao passado? A esta hora, senhora minha, deveis estar viuva, isto é livre...

— Sois cruel, sr. Coelho! —retorquiu com voz amargurada a mulher do sargento-mór. Porque trazeis ao meu espirito este funebre pensamento? Houve um momento na minha vida em que cheguei a suppôr que em vosso coração existia um sentimento fidalgo.

— Que quereis dizer, sra. d. Damiana? interrogou o negociante.

— Que pensei que não obstante o rancor que tendes ao sr. João da Cunha, e que vós explicais attribuindo-o á contrariedade de certo affecto que vos inspirei, não hesitarieis um só momento em salvardes do acabamento o objecto desse rancor, si a salvação dependesse de vós e eu vol-a lembrasse com as lagrimas nos olhos, como agora faço. Vejo, porém, sr. Coelho, que o vosso odio é maior do que o vosso amor, e que só a minha desgraça, esta sim não tem medida nem limite na terra.

— Pensaveis então, senhora... —retrucou o portuguez—Que pensaveis vós? Dizei francamente a vossa idéa.

— Ah! Quereis ouvir-me? Pois bem, senhor, escutai. O que eu pensava era muito natural, e não era improprio de vós nem de mim. Pensava que, em vez dos sentimentos ferozes que tendes mais de uma vez manifestado, deverieis ter para meu marido antes benevolencia e attenções respeitosas.

— Esqueceis, sra. d. Damiana, que nenhum homem, que se prezasse dignamente, beijaria jamais a mão do algoz que lhe houvesse afogado as mais caras esperanças, que lhe tivesse destruido uma felicidade irreparavel.

— Vós é que esqueceis, Sr. Coelho, o passado que devieis ter bem presente na memoria. A meu marido deveis não a desgraça, mas a posição de que soubestes fazer-vos digno. Sua mão generosa e amiga indicou-vos o caminho para a vossa independencia. Por muito tempo não tivestes nesta villa outra protecção, outro amparo, outro pai além de João da Cunha. A vossa entrada nas primeiras casas, a estima que para vós tiveram os mais ricos e os mais nobres de Goyanna, a quem as devestes principalmente, sr. Coelho, quando ereis sem relações, sem nome, e sem haveres? Não vos lembro estas causas por magoar-vos, mas por ver si desperto em vosso coração o nobre sentimento que sempre conheci em vós antes do fatal desastre que levantou uma muralha entre vós e meu marido—o sentimento da gratidão.

— Sra. d. Damiana, vossas palavras trazem-me terror e confusão, disse o jovem europeu, a modo de atordoado.

Seu espirito nadava em um mar de hesitações.

— Que esse sentimento acorde emfim, senhor. É talvez tempo ainda de produzir sua acção consoladora. Não vos importeis comigo, importai-vos com o homem que um dia vos tratou como se fosseis seu filho. Correi e livral-o do furor dos vossos parciaes. Porque tanto odio? Porque tanta vingança?

Não pode continuar este singular dialogo, que promettia chegar a um desenlace talvez pathetico e imprevisto. Bem perto dos dois interlocutores soaram vozes confusas e retintim de armas. O chão estremeceu, batido por um sem-numero de pés que precipitada carreira movia em direitura ao rio.

Afigurou-se então aos fugitivos uma visão sinistra, um desfecho medonho.

— É o povo que vem em vossa procura, sra. d. Damiana. Não percamos um só momento. Salvai-vos, senhora, salvai-vos emquanto é tempo.

Elles tinham chegado ao pé de uma das arvores que da margem estendiam sua grande copa sobre o rio. Perto desta arvore levantava-se um armazem, feito de taboas onde se fazia o embarque dos assucares, e o desembarque dos generos importados pelas barcaças, quando a maré estava cheia e ellas podiam ficar ao nivel da estiva do armazem, do lado que entrava pelo rio sobre solidas estacas. Nesse momento a maré cheia dava ao rio a sua natural plenitude, e a Borboleta, librando-se sobre as aguas banzeiras que accusavam a aproximação da preamar, estava em communicação com o tosco trapiche por meio de uma prancha que para elle partia do embono de bombordo.

Coelho, sem perder mais um instante, arrastou d. Damiana contra a vontade della para dentro do armazem, e, todo preoccupações e temores pela sua salvação indicou-lhe a Borboleta, que apparecia no fim da estiva:

— Correi, senhora, entrai na barcaça, mandai atirar dentro da agua a prancha, e ordenai, em meu nome, que sigam incontinente rio abaixo. Nada temais, que elles d'aqui não hão de passar. Contel-os-hei.

Disse, e retrocedeu acceso em brio, mas pallido como um cadaver. Seu olhar fuzilava. Os musculos, obedecendo ás impressões nervosas, experimentavam subitos estremecimentos. A terra parecia fugir-lhe sob os pés, ao mesmo tempo pesados e céleres.

— Meus amigos—gritou elle, alguns passos distante do trapiche, dirigindo-se ao magote que vinha para seu lado, até onde quereis levar o vosso desforço? A lição satisfaz. A nobreza está vencida em Goyanna. Tratemos agora de ir vencel-a no seu reducto principal—em Olinda. Não percamos tempo.

Então do bando que corria, com as armas nuas reluzindo ao sol, um grito partiu, e não foi preciso mais, ouvindo-o, para que o chefe dos mascates comprehendesse que se enganára e que seus dias, esses, sim, estavam contados.

— Ainda fallas, mascate infame?!

Seguiu-se uma scena, só propria de cannibaes mas que os excessos das paixões humanas estão reproduzindo todos os dias, ainda nos centros da mais adiantada civilização. Varios soldados da tropa que chegára, e que se haviam reunido aos fidalgos e a Francisco ao saberem que elles vinham em demanda do negociante, de catanas desembainhadas se atiram sobre elle e covardemente o degolam. [1]

Ao darem de face com este repugnante espectaculo, os fidalgos estacam horrorizados. Só um deles, a cabo de um momento de confusão, que se diria antes remorso pôde proferir estas palavras:

— E minha mulher? Onde está ela? Onde está a senhora d. Damiana?

— Na Borboleta—lembrou Luiz Vidal. Corramos.

Mas eis que perto delles sôa um grito, que não só traz a tranquilidade, mas descommunal prazer ao espirito de todos.

— Aqui estou, minha gente. E vós salvo, sr. João da Cunha! Foi Nossa-senhora-do-rozario quem vos salvou.

Os fidalgos apertaram em seus braços a senhora-de-engenho, a cujo encontro fôra Francisco o primeiro que corrêra.

— Em poucas horas tudo estará acabado e pacificado—exclamou o sargento-mór. Os mascates serão vencidos, os populares hão de ter uma rude lição.

— E até os frades tambem hão de ter a sua, para não serem tão audazes e mettidos nas coisas do mundo—acrescentou Luiz Vidal.

— E Antonio Coelho? interrogou d. Damiana, que ainda ignorava o tragico fim do negociante.

— Deste estamos livres. Eil-o alli morto, degollado—respondeu o sargento-mór, apontando para o cadaver que a poucos passos se mostrava rodeiado pela mó de soldados, agora occupados em apanhar o ouro, que, na occasião de cahir, se lhe entornara das algibeiras.

— Morto! Morto! Fostes crueis, senhores! Exclamou como allucinada a senhora-de-engenho. Quem praticou tamanho latrocinio? Oh meu Deus! Que horror!

— Não foi nenhum de nós—responderam Francisco e Filippe ao mesmo tempo.

— Não foi nenhum de nós, repetiu o sargento-mór, fitando na mulher seu olhar inflammado e a modo de pasmo. Mas eu o mataria, si fosse eu o primeiro a encontral-o. Era um espirito damnado.

— Engana-vos. Era uma alma generosa, um bom coração; era um martyr—respondeu d. Damiana em lagrimas. Elle ia a salvar-vos, sr. João da Cunha, suppondo em perigo a vossa vida. Oh! meu Deus, por que razão as grandes creaturas não se hão de entender melhor e formar uma companhia só na terra? Mas fujamos daqui. Não posso ter os olhos nesta desgraça que me esmaga.

E a senhora-de-engenho foi a primeira que deu o exemplo da retirada.

Era tempo de se ausentarem todos desse ponto deserto, porque Luiz Soares, batido fortemente pelo ajudante-de-tenente Gil Ribeiro, pelo ajudante Felippe Bandeira e pelo capitão Antonio Rabello, demandava esse lado para escapulir-se com sua gente. Conseguiu-o, com mais quinhentos, entre parahybanos e portuguezes.

Emfim, segundo annunciara o sargento-mór, algumas horas depois Goyanna estava pacificada.

Mas era contristador o aspecto que apresentava, como facilmente se imagina. O saque tinha deixado nas casas vestigios profundos de sua passagem fecunda em ruinas e desastres. O sangue manchava a terra, berço de tantos heróes illustres e afamados. No Pateo-do-Carmo, de mistura com varios cadaveres pertencentes aos invasores viam-se alguns das forças legaes, e muitos da escravatura de João da Cunha.

Jeronymo Paes, os filhos, Belchior, e outros preeminentes vultos do partido vencido tinham sido presos, e d'ahi a tres dias seguiam para Olinda, no meio da tropa victoriosa de Gil Ribeiro. Paes, mal podia comsigo. Recebera durante a luta nove tiros, e innumeraveis cutiladas na cabeça. [2]

Conta-se que, por occasião de lhe darem na prisão a noticia da morte de Coelho, dissera elle o seguinte, formaes palavras:

— Si desta não morrer, hei de vingar-me ainda de João da Cunha. O que elle devia a Antonio Coelho ha de pagar a mim quando tivermos de ajustar as nossas contas. Estão muito anchos com o successo esses infames mazombos. Já pensam que os mascates se acabaram de uma vez. Estão enganados. Hei de ver ainda João da Cunha e Cosme Bezerra correrem as ruas de Goyanna, amarrados com cordas pelas minhas mãos como si fossem negros fugidos.

Estas palavras foram propheticas. Mas não antecipemos acontecimentos que tem lugar proprio na continuação desta historia.

Diz-se que Zefinha falleceu a cabo de algumas semanas depois do lastimoso fim de Antomio Coelho, e da prisão do pae e dos irmãos. Attribuem seu fallecimento á profunda impressão que produziram nella tão estranhos e crueis golpes.

Porque não havia de ser assim?

Era uma excellente alma a rapariga.

Notas do autor

[editar]
  1. Historico.
  2. Historico.