O Saci (8ª edição)/22

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XXII

Meia-noite



NESSE ponto da prosa a-flor que servia de relogio ao saci abriu-se toda.

— E’ hora! exclamou o saci. Estamos justamente no meio da noite.

Apesar de valente, Pedrinho não deixou de sentir um certo arrepio pelo corpo. Primeira vez na vida em que ia passar uma noite inteira na mata — e não seria uma noite comum, pelo que dizia o saci.

— Não se arreceie de coisa nenhuma. Deixe tudo por minha conta, que nada de mal ha de acontecer, disse o saci, correndo os olhos em redor como em procura de alguma coisa. Venha comigo. Ha ali uma peroba minha conhecida, onde encontraremos o melhor dos refugios.

De fato. Na tal peroba havia um oco a doze pés acima do chão, muito proprio para esconderijo. Dentro dele os dois acomodaram-se á vontade e de modo a tudo poderem ver do que se passasse fora sem perigo de serem vistos.

— Muito bem, disse o menino, mas só quero saber como poderei enxergar qualquer coisa de noite, dentro desta floresta que de dia já é tão escura.

— Para tudo ha remedio, foi a resposta do saci. Espalharei pelas arvores vizinhas centenares de lanternas vivas, de modo que você enxergará como se fosse dia. Mas antes é preciso que você coma estas sete frutinhas vermelhas, concluiu apresentando ao menino um punhado de frutinhas do tamanho de amoras bravas.

Pedrinho desconhecia essas frutas e foi com uma careta que mordeu a primeira, tão amarga era ela. Mas comeu as sete, e logo em seguida sentiu uma deliciosa tonteira invadir-lhe o corpo, deixando-o num exquisito estado de conciencia jamais sentido. Era como se estivesse dormindo acordado.

Enquanto isso, o saci repetiu em tom diferente o assobio com que chamara o serra-pau; mas dessa vez não veio serra-pau nenhum, sim uma enorme quantidade de vagalumes, dos grandes e dos pequenos. Vieram e foram pousando nas folhas e galhos das arvores vizinhas, como se algum invisivel guia lhes estivesse a indicar os lugares. O coração da floresta clareou num circulo de cem metros de diametro, como se fosse batido pelo luar da lua cheia.

Pedrinho estava a gozar o espetaculo da floresta iluminada pelas lanterninhas vivas, quando surgiu na clareira o primeiro saci. E logo outro, e outro, e todo um bando de mais de cem. Começaram a pular, a dansar e a conversar numa linguagem que o menino muito sentiu não entender.

— Estão combinando as travessuras que vão fazer durante a noite. Daqui a pouco todos partem, só ficando os pequeninos que ainda não podem correr mundo, explicou o saci, cochichando-lhe ao ouvido.

— Pedrinho enxergou um de cara chamuscada — com certeza o que fora vitima da explosão do pito do tio Barnabé. Mas os sacis foram se dispersando, de modo que ao cabo de alguns minutos só se viam por ali os pequeninos como camondongos.

— Para onde foram? perguntou Pedrinho.

— Oh, eles espalham-se por toda a parte. Ainda está por haver um lugarzinho onde um saci não entre.

— Até nas garrafas... disse o menino, sorrindo.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.