O Saci (8ª edição)/3
III
Medo de saci
PEDRINHO veio. Houve a festa para comemorar o seculo e meio de idade do bando. Houve as brincadeiras e os passeios de todos os anos. Por fim uma ideia entrou na cabeça do menino: ir caçar na mata virgem, a meia legua de distancia da casa.
— Vóvó sabe, disse ele a dona Benta, que estou com vontade de ir caçar na mata virgem?
— E o senhor meu neto não sabe que a senhora sua avó não consente nisso, nem que S. João desça do mastro a venha, com o carneirinho no colo, pedir semelhante coisa de joelhos? Não sabe que pode haver onças por lá e eu não quero ser chamada a "avó do menino que a onça comeu"?
Pedrinho, que jamais tivera medo de onça, fez um bico de desprezo.
— E a senhora então pensa que este seu neto lá tem medo de onça?
Dona Benta riu-se de tanta coragem.
— Olhem o valentão! Quem foi que uma tarde entrou aqui berrando porque uma vespa o havia mordido?
— Sim, vóvó, de vespa tenho medo, não négo; mas de onça, não! Se ela vier do meu lado, prego-lhe uma pelotada de bodoque no olho direito, outra no olho esquerdo, outra bem no meio do focinho, outra no...
— Chega! interrompeu dona Benta, com medo que alguma pelotada errasse a onça e acertasse nela. Mas além de onças ha cobras.
— Cobra? repetiu Pedrinho com cara de pouco caso. Cobra mata-se com um pedaço de pau. Cobra! Como se eu lá pudesse ter medo de cobra!...
— E ha aranhas caranguejeiras, daquelas peludas e grandonas, que comem passarinho.
— Aranha mata-se com o pé, vóvó, assim! respondeu Pedrinho, matando com o pé, ali mesmo na sala, uma duzia de enormes aranhas imaginarias, para melhor convencer a velha da sua habilidade em matar caranguejeiras.
— E ha tambem sacis, concluiu dona Benta.
Pedrinho calou-se. Embora nunca o tivesse confessado a ninguem, percebia-se que de saci, sim, ele tinha medo.
Ele e todos os meninos das redondezas — os caboclinhos, os negrinhos. Não havia um só que não conhecesse historias do saci e não tivesse um especial medinho do moleque duma perna só.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

