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O Sertanejo/II/XVI

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Às sete horas da manhã, D. Flor notando a aus~encia de Águeda, que tinha por costume acordar com a primeira claridade do dia, encaminhou-se para o aposento da viúva.

O quarto ainda estava escuro. A donzela supôs que Águeda tivesse passado mal a noite e não quis incomodá-la. Mas à hora do almôço não a vendo aparecer, nem abrir-se a porta do aposento, assustou-se e foi ter com a mãe.

D. Genoveva acudiu logo; ao repetido bater, ouviu-se um ligeiro rumor, e pouco depois a voz da viúva, que arrastou-se até à porta e a abriu.

Quando as mãos de Arnaldo afrouxaram deixando rolar pelo chão o corpo da cigana, ainda esta respirava, embora pouco faltasse para exalar o último alento.

Por algum tempo ficou prostrada e sem acôrdo, como um cadáver; mas aos poucos o ar penetrou nos pulmões, restabeleceu-se a respiração; e ela caíu no torpor de que a veio tirar a dona da casa, assustada com um sono tão prolongado.

Desculpou-se a viúva com uma dôr violenta que a desacordara e nem tempo lhe deixara de meter-se na cama. D. Genoveva imediatamente recorreu aos seus remédios caseiros; mas a doente os dispensou, dizendo estar habituada àquele achaque, o qual lhe passava com um cordial e algumas horas de repouso.

Tomou um chá de língua de vaca, e deitou-se. Não dormiu porém; os pensamentos tumultuavam-lhe.

Pensou que era o momento de jogar a última cartada. Arnaldo, naturalmente receoso do que fizera, talvez se ausentasse da casa nesse dia: era preciso aproveitar o ensêjo.

Mandou chamar o velho que a acompanhara:

— José, há tempo de avisar o Onofre para esta tarde?

— Êle está alerta, bastam três horas e ainda falta muito para meio-dia.

— Pois então vai. Sabes o lugar?

— A gameleira.

Águeda comfirmou com a cabeça.

— Desta vez não nos escapará.

A rapariga estava ansiosa de vingar-se em Flor do insulto de Arnaldo. Nesse instante ela odiava o sertanejo, porém odiava ainda mais a mulher por quem êle a desprezara.

O cigano deixando a irmã foi ao pasto, onde estava o cavalo que trouxera Águeda, deu-lhe dois nós nas crinas e fez-lhe tais gatimanhas e partes, que o animal partiu de carreira pelo tabuleiro afora.

Depois de duas horas de repouso, a cigana ergueu-se com esfôrço e acompanhou Flor à mesa do jantar, para fortalecer-se com algum alimento de que precisava, pois sentia-se como extenuada.

À tarde, pretendendo que o exercício lhe faria bem, convidou a filha do capitão-mór para saírem a passeio.

Alina achou um pretêsto para eximir-se de acompanhar Flor; a sua antipatia pela viúva bem longe de se desvanecer com o trato, ao contrário crescia.

Águeda e Flor desceram ao tabuleiro, o José oculto entre as árvores trocou um sinal com a irmã, e desapareceu na mata. Ia ao encontro do Onofre para guiá-lo ao sítio.

Foi justamente por êsse tempo que Arnaldo e Jó saíram da caverna. Não tinham andado cem passos, quando o mancebo parou assaltado por uma idéia terrível.

— Segue, Jó! Eu vou à casa.

Com efeito encaminhou-se direito à habitação da fazenda, tomado de cruel pressentimento. Ao meio do tombador encontrou a Justa:

— Onde está Flor?

— Passou agora mesmo com a viúva.

— Agora? Para lá?...

— Que modos são êstes de assustar a gente!

— Corre, mãe, e diz ao capitão-mór que venha salvar a filha, pois a querem roubar.

— Flor!... Roubar Flor!... Minha Nossa Senhora da Penha de França, valei-me!

A sertaneja a tremer com o susto não sabia que fazer, se correr à casa para avisar ao capitão-mór, ou seguir o filho em busca da donzela. Afinal tornou para a fazenda, mas a cada instante parava, soltando brados descompassados.

— Flor!... sr. capitão-mór!... Acuda à sua filha!... Acuda à Flor, que a levam! Ai, meu Jesús!

Entretanto Arnaldo, cuja suspeita se confirmara com a informação que lhe dera a mãe, rompia o mato na direção da gameleira, onde esperava encontrar a donzela e a viúva que êle sabia agora ser emissária de Fragoso.

Aos gritos de Justa acudiram afinal umas escravas, que alvoroçaram a casa, mas sem explicar a novidade de que davam rebate. Ouvia-se o nome de D. Flor repetido de todos os lados e entre clamores de susto, mas o que sucedera à donzela, ninguém sabia, senão a Justa, que ainda não saíra do seu desatino.

Afinal chegou a nova ao capitão-mór que estava do outro lado nos currais em companhia de D. Genoveva. O Campelo, não podendo conceber que um perigo qualquer ameaçasse a filha, alí na Oiticica, junto dele, dirigiu-se à casa com a costumada solenidade, contando achar alí Flor.

Quando, porém, a Justa, ainda atarantada, conseguiu dar-lhe o recado de Arnaldo, e êle percebeu o que havia ocorrido, abalou de carreira para a mata, gritando à mulher com uma voz de trovão:

— Meu bacamarte, D. Genoveva! O Jacaré!

Atrás do capitão-mór precipitaram-se os homens da escolta e toda a gente da fazenda, que andava perto, e acudira ao clamor.

Quando o fazendeiro tinha já vencido meia distância, romperam quatro cavaleiros à disparada na direção da várzea. Um deles levava nos braços uma mulher, envôlta em capa listrada, a debater-se com movimentos desordenados, e soltando êstes gritos sufocados:

— Meu pai!... Acuda!... Acuda à sua filha!... Levam-me!... Ai!... ai!... ai!...

Êsses gritos não deixavam dúvida. Era Flor que levavam aqueles homens; a capa era a sua, que as escravas logo reconheceram.

Ouviu-se o rugido espantoso do capitão-mór. Nesse momento acabava de alcançá-lo o pagem que trazia o bacamarte mandado por D. Genoveva. Recebendo a arma, o Campelo sem hesitar apontou-a na direção do cavaleiro que levava a mulher.

Lembrou-se que podia matar a filha, embora tivesse feito pontaria no cavalo; mas essa filha adorada, êle antes a queria morta por sua mão, do que roubada à sua ternura e profanada por infames.

Dois dos cavaleiros caíram; mas o que levava a mulher e outro passaram incólumes e desapareceram além na várzea.

A êsse tempo chegava D. Genoveva montada a-cavalo, e acompanhada de pagens que traziam o ruço, assim como de toda a gente que pôde armar às pressas para correr em socorro da filha. Nesse momento ela não gritava; as lágrimas saltavam-lhe dos olhos, os lábios moviam-se rezando, mas sua atenção acudia a tudo com ânimo varonil.

Campelo montou no ruço, e partiram êle, a mulher e a escolta como um turbilhão.

O raptor de sua filha levava grande avanço; mas o capitão-mór não refletia nesse momento. Era impossível que êsse homem lhe escapasse; êle o perseguiria até o inferno, e lá mesmo o deixaria estraçalhado por suas mãos depois de ter-lhe arrancado Flor.

Os possantes cavalos do fazendeiro ganhavam sôbre os fugitivos, embora, êstes montassem excelentes poldros dos sertões de Inhamuns, tão afamados entre todos os do Ceará. Mas estavam êstes ainda fatigados da jornada, enquanto que os de Quixeramobim andavam repousados.

Já era noite, quando o capitão-mór avistou afinal o vulto negro do cavaleiro: e ferrando as esporas no ruço, atroou os ares com um grito medonho.

Respondeu-lhe uma voz de mulher cujas palavras se ouviram distintamente.

— Salve-me, sr. capitão-mór, pelo bem que quer à sua filha! Salve-me, e a D. Flor também, que lá ficou nas mãos do Fragoso!

— Esta voz não é de Flor, disse o capitão-mór.

— É da Águeda! exclamou D. Genoveva. Então nossa filha?... Nós a desamparámos, sr. Campelo!...

A voz era efectivamente de Águeda, ou antes, da Rosinha, que temendo cair nas mãos do capitãomór, usara daquele novo ardil para sustar a perseguição.

Campelo tinha estacado o cavalo, e não sabia que resolvesse. Foi D. Genoveva que tomou o alvitre de retroceder; o marido acompanhou-a sem hesitação.

Onde, pois, estava Flor, àquela hora, quando seu pai, julgando correr em sua defesa, ao contrário a abandonava?

É preciso tomar a narração de mais alto.

D. Flor conversava mui tranquilamente com Águeda à sombra da gameleira, onde as deixámos sentadas, quando ouviram-se os gritos da Justa.

Embora pela distância não pudesse distinguir as palavras, conhecera a voz que pareceu-lhe alterada e aflita. Ergueu-se inquieta:

— Vamos, D. Águeda!

— Já? Podíamos esperar um instante. Sinto-me tão fatigada!

— Estou ouvindo a voz de mamãe Justa! Não sei o que terá acontecido em casa.

— Que pode ser?... A voz, eu ouço; mas é de uma pessoa que está cantando.

Flor aplicou o ouvido para ver se enganara-se; e desta vez escutou não só os gritos da ama, como o alarido que se levantava na fazenda, e as vozes que chamavam pelo capitão-mór. Então realmente assustada, fez um gesto à viúva e lançou-se na direção da casa.

Águeda, porém, abraçara-se com ela:

— Daquí não sai!

— Não me toque, senhora, disse a moça revoltada.

— Oh! Pode zangar-se, que eu não faço caso de suas fidalguias. Está em meu poder, e daquí ninguém a tira. Ouve? São cavaleiros a galopar; não tardam aí. À frente deles há de vir o Fragoso, seu namorado!

— Não sairei daquí, mulher, juro; mas não me ponha as mãos e não me insulte.

Falou Flor com tal império e soberania, que a cigana calou-se, e recolhendo os braços deixou livre a donzela, mas tomou-lhe o passo, pronta a segurá-la, se quisesse fugir.

Flor sentou-se resignada, tendo por maior desgôsto o de lutar com essa mulher, do que o do perigo que a ameaçava. Nesse momento seu espírito nobre e cândido enleava-se em suposições acêrca dos acontecimentos extraordinários que a vinham surpreender.

Rosinha alerta e escutando ansiosa o tropel dos cavaleiros, como se os apressasse com seu anelo, voltou-se inquieta para o lado da casa, onde troou nesse momento a voz possante do capitão-mór Campelo, bradando:

— Meu bacamarte, D. Genoveva! O Jacaré!...

Então a cigana temendo que o fazendeiro acudisse a tempo de livrar a filha das garras do Fragoso, correu sôbre a donzela, travou-lhe do pulso, e quis arrastá-la ao encontro do trôço de cavaleiros.

A donzela recalcou a indignação que sublevava-lhe a alma nobre, e opôs à fôrça uma resistência passiva. Rosinha era mais robusta do que ela, mas nesse dia, prostrada como estava, não podia levá-la por violência.

Metendo a mão no corpete, sacou a cigana um punhalzinho da lâmina fina, como a aspa de um espartilho, e o brandiu sôbre a cabeça da donzela:

— Se não me acompanha, mato-a!

D. Flor respondeu-lhe com um soberbo gesto de desprêzo, e ficou a olhar desdenhosamente para a arma que a ameaçava. A cigana hesitou um instante; depois lembrou-se que ferindo a donzela, mais facilmente a arrastaria para o mato.

Quando o punhal descia sôbre a espádua de Flor, abriu-se a folhagem e surgiu Arnaldo. Tão medonho era seu aspecto que a cigana ao vê-lo crescer para ela, fugiu espavorida, levando enleada no braço a capa da donzela.

O sertanejo com a faca desembainhada arrojou-se a ela, mas a voz de D. Flor o deteve:

— Não a mate, Arnaldo! Agarre-a para que meu pai a castigue.

A cigana, porém, tinha desaparecido; e as falas que já se ouviam dos cavaleiros advertiram a Arnaldo que para salvar D. Flor não havia um instante a perder.

— Venha! disse êle para a donzela.

— Para onde?

— Para a casa.

— Quem é esta mulher? Que me queria ela?

— Entregá-la ao Marcos Fragoso.

O sertanejo abria a folhagem para que a donzela passasse mais facilmente; porém ainda assim era demorada a sua marcha. As vozes dos cavaleiros aproximavam-se e já entre elas distinguira o mancebo a de Fragoso. Entretanto ainda soavam longe os brados do capitão-mór e o tropel da gente da fazenda.

A poucos passos encontraram Jó, que os buscava:

— Estamos cercados, disse o velho.

Nova dificuldade surgia, e talvez que insuperável. O sítio onde crescia a gameleira fôra bem escolhido pela astuta cigana para a cilada que armara. Era uma coroa de mato, que ligava-se à floresta por estreito cordão, como istmo de ilha.

Distante da casa um quarto de légua, e encoberto por um largo bojo da mata, era fácil à escolta do Onofre cercar o caapoão, apoderar-se da donzela ainda quando a acompanhassem outras pessoas e executar a emprêsa, sem darem rebate à fazenda.

Arnaldo, conhecia melhor que ninguém o sítio, e julgou da posição de D. Flor. Não desesperou contudo. Êle e Jó levantariam com seu corpo uma muralha diante de D. Flor e a defenderiam até a chegada do capitão-mór.

Quando já indicava o grosso tronco de um jacarandá para que Flor nele se abrigasse, ressoaram perto daí os gritos abafados que soltava uma voz de mulher, simulando-se de D. Flor, e que iludiram o capitão-mór.

Sucederam-se por momentos êstes clamores, fugindo rapidamente para o lado da várzea, e acompanhados do tropel dos cavalos a galope. Foram, porém, abafados pelo grito do Campelo, ao que se seguiu um tiro.

Ao estrondo que estremecera a terra, o sertanejo reconheceu o bacamarte do capitão-mór, como lhe tinha reconhecido a voz, e adivinhou o que se passara.

Águeda escapando a Arnaldo correu direito ao encontro da escolta, guiada pelo tropel. Avistando Fragoso que vinha na frente com o Onofre, atirou-se a êles:

— O maldito vaqueiro chegou quandoeu ia arrastá-la, e o capitão-mór aí vem! disse precipitadamente, apontando para a fazenda.

Onofre calculou o lance; era nos transes apertados que mostrava o coriboca seus recursos. Já êle tinha chamado o Corrimboque e dava-lhe suas ordens; depois voltou-se para a rapariga e em poucas palavras a pôs ao corrente do novo trama.

Águeda despiu a saia preta, envolvendo o corpo na capade D. Flor, e saltou no arção da sela do Corrimboque. Êste a tomou nos braços e partiu a galope, seguido de três bandeiristas que lhe serviam de escolta.

Foi então que a astuta cigana, debatendo-se nos braços do cabra, conseguiu iludir com seus gritos ao capitão-mór levando-o após si, e deixando assim o Fragoso livre de estorvos.

Ouvindo esvaecer com a distância o estrépito das patas dos animais, Arnaldo que tinha adivinhado o ardil, convencera-se de que já não podia esperar o socorro do fazendeiro e só devia contar consigo.

Mas que podia êle só com um velho inerme contra tantos inimigos que os cercavam naquele instante, para colhê-los como nas malhas de uma rede?

O Onofre não se abalou com as impaciências do Fragoso. Deixando-o andar às tontas, estendeu a sua gente em roda do caapoão e com os melhores vaqueanos começou a bater o mato em regra, como sabem fazer os sertanejos, a quem não escapa um quatí entre as fôlhas.

Nestas circunstâncias, se Arnaldo tentasse sair do mato, cairia nas mãos dos que faziam o cêrco, ou mostrar-se-ia no limpo aos inimigos, que imediatamente se lançariam sôbre êle.

Ficando dentro do mato, como livrar-se da batida do Onofre e seus companheiros, cuja marcha convergente sentia-se no atrito das fôlhas que rumorejavam em todas as direções?

Estas circunstâncias tinham ocorrido simultaneamente e com tamanha rapidez, que entre o primeiro grito da Justa e aquele instante não mediara mais de um quarto de hora.

D. Flor impaciente quisera correr ao encontro do pai, quando lhe ouviu a voz. Jó a reteve explicando-lhe a causa do tiro, bem como da partida precipitada do capitão-mór. A donzela teve então um momento de desânimo.

— Estou perdida! murmurou.

— Ainda não! respondeu Arnaldo de manso. Mas suas mãos não podem romper o mato; é preciso que eu a carregue, Flor.

— Não; prefiro ficar, disse a donzela secamente.

— Outros braços a levarão, mas para arracá-la à sua casa, e não para restituí-la a seu pai, que lá vai em sua procura. Que responderei ao sr. capitão-mór, quando êle pedir-me contas de sua filha?

Flor hesitou um momento: depois velou-se de uma fria impassibilidade, fez-se estátua, e caminhou para o sertanejo.

— Leve-me a meu pai.

Arnaldo suspendeu a donzela em seus braços robustos, recomendando-lhe que envolvesse a cabeça e o busto no gibão de couro para defender-se dos galhos e espinhos. Com êsse precioso fardo preparou-se para romper o meto.

Nesse transe não se lembrou o mancebo que estreitava o corpo gentil de uma donzela. O que êle carregava era uma relíquia ou a imagem de uma santa, e as formas encantadoras que êle palpava no seio eram de jaspe ou marfim.

Jó pedira a Flor que rompesse um fôlho de seu vestido. Enquanto Arnaldo desaparecia com a donzela na espessura, o velho esgueirou-se na direção oposta esgarçando a tira de pano pelos crauatás e unhas de gato.

O sertanejo chegou depois de algumas voltas a uma brenha atravessada por um trilho de veado. A meio dessa vereda caíra um grosso toro que a atravessava.

Arnaldo lembrou-se que nesse lugar havia um fojo. Como a caça já o conhecia, tinha-o êle condenado por algum tempo, cobrindo com o tronco a bôca a fim de mais tarde aproveitá-lo. Mal sabia então que serviço devia prestar-lhe.

Afastando o madeiro e retirando a terra, abriu o alçapão e entrou na cova para examinar, se tinha alguma cobra ou outro objeto capaz de assustar a donzela.

— É preciso esconder-se aquí, Flor.

— Só? perguntou a donzela.

— Tem mêdo?

— Não; seja meu coveiro, disse a moça com um sorriso. Enterre-me viva.

Arnaldo desceu Flor à cova, fechou o alçapão, cobriu-o novamente de terra, e colocou o toro sêco no lugar onde estava. Apagando todos os vestígios que podiam denunciá-lo, grimpou ao tope das árvores, onde zombava dos olhos mais perspicazes.

O Onofre e seus companheiros bateram o mato em todos os sentidos e não descobriram sinal de gente. O Fragoso, irritadíssimo com o novo revés, cobria o seu cabo de bandeira das mais pesadas injúrias, que êste sofria com uma calma inalterável, pois entendia que o patrão o pagava não só para serví-lo, como para aturá-lo.

Não achavam D. Flor e todavia tinham certeza que a donzela alí estivera. Rosinha o afirmara e as tiras do vestido rasgado pelos espinhos o provavam. Era impossível que saísse do caapoão sem a verem os do cêrco; e que ela não tinha conseguido escapar-se, bem indicava o engano do capitão-mór.

O Onofre, pois, insistia na esperança de afinal descobrir o esconderijo da moça e do sertanejo.

— No chão não está, disse o bandeirista; ainda que ela fosse uma cobrinha cipó, não me escapava. Só pode estar nos ares, aí trepada nalguma árvore.

Por ordem do bandeirista, subiram alguns à copa das árvores e começaram uma ronda pelos galhos. Diversas vezes passaram junto de Arnaldo, que os iludia imitando o canto da graúna. Onde pousava um passarinho, não podia estar oculto um homem. Também por diversas vezes passaram pelo fojo, e Flor ouviu o som dos passos por cima de sua cabeça.

Afinal já fatigados da porfia, escutaram tropel de animais que aproximavam-se rapidamente.

Eram sem dúvida o capitão-mór que voltava desenganado; e não tiveram outro remédio senão abandonar a partida e dá-la por perdida.

Quando Arnaldo conduziu Flor à casa, alí acabava de chegar o Leandro Barbalho.

Foi o tropel de seus animais que assustara o Onofre. À primeira notícia, êle arrependeu-se de ter salvado a virgem de sua adoração para vê-la noiva de outro. Não seria melhor morrer com ela vingando-a?

O sobrinho do capitão-mór, encontrando a casa em desordem, ouvia do Padre Teles a narração dos estranhos sucessos, quando soube da volta de D. Flor.

Pareceu-lhe inconveniente falar à prima na ausência dos pais e porisso limitou-se a mandar por Alina recado, do pesar que tivera com o desacato feito à sua pessoa.