O carro nº 13/II
A maçada estava apenas adiada.
Durante o jantar a conversa versou sobre as recordações dos tempos acadêmicos, e as novidades mais frescas da corte. No fim do jantar Marcondes consentiu em ir ver os engenhos e algumas obras da fazenda, em companhia de Amaro e do professor público da localidade, que, estando em férias de Natal, fora passar alguns dias com o jovem fazendeiro. O professor tinha a mania de citar os usos agrícolas dos antigos a propósito de cada melhoramento moderno, o que provocava um discurso de Marcondes e um bocejo de Amaro.
Chegou a noite, e o professor foi deitar-se, menos por ter sono que por fugir às perorações de Marcondes. Este e Amaro ficaram sós na sala de jantar, para onde vieram café e charutos, e entraram ambos a conversar de novo sobre os tempos da academia. Cada um deles deu notícia dos companheiros de ano, os quais andavam todos dispersados, uns juízes municipais, outros presidentes de província, outros deputados, outros advogados, muitos inúteis, entre os quais o jovem Marcondes, que dizia ser o homem mais feliz da América.
— E a receita é simples, dizia ele a Amaro; deixa a fazenda, faze uma viagem, e verás.
— Não posso deixar a fazenda.
— Por quê? Não és bastante rico?
— Sou; mas, enfim, a minha felicidade é esta. Demais, eu aprendi com meu pai a não deixar a realidade pelo incógnito; o que eu não conheço pode ser muito bom; mas se o que eu tenho é igualmente bom, nada de arriscá-lo para investigar o desconhecido.
— Bela teoria! exclamou Marcondes pondo no pires a xícara de café que ia levando à boca; desse modo, se o mundo pensasse sempre assim, ainda hoje vestíamos as peles dos primeiros homens. Colombo não teria descoberto a América; o capitão Cook...
Amaro interrompeu esta ameaça de discurso, dizendo:
— Mas eu não quero descobrir nada, nem imponho os meus sentimentos como opinião. Estou bem; por que motivo irei eu agora ver se encontro melhor felicidade, arriscando-me a não encontrá-la?
— És um carrança! Não falemos nisto.
Cessou, com efeito, a discussão. Entretanto Marcondes, ou de propósito, ou por vaidade — talvez ambos os motivos —, entrou a contar a Amaro as suas intermináveis aventuras no país e no estrangeiro. A narrativa dele era uma mistura de história e de fábula, de verdade e de invenção, que entreteve largamente o espírito de Amaro até alta noite.
Marcondes conservou-se na fazenda da Soledade cerca de oito dias, e jamais cessou de conversar acerca do contraste que oferecia aquilo que ele chamava vida com o que lhe parecia simples e absurda vegetação. O caso é que no fim de oito dias tinha conseguido que Amaro fosse viajar à Europa com ele.
— Quero obsequiar-te, dizia Amaro a Marcondes.
— Hás de agradecer-me, respondia este.
Marcondes foi para a corte, esperou pelo jovem fazendeiro, que daí a um mês aí se achou, tendo entregue a fazenda a um velho amigo de seu pai. No primeiro paquete embarcaram os dois colegas da academia, caminho de Bordéus.