O carro nº 13/III
Importa-nos pouco, e mesmo nada, o saber da vida que passaram os dois viajantes na Europa. Amaro, que tinha tendências sedentárias, apenas chegou a Paris aí ficou, e como Marcondes não desejava passar além, não o importunou por mais.
Uma capital como aquela tem sempre que ver e admirar: Amaro ocupou-se com o estudo da sociedade em que vivia, dos monumentos, dos melhoramentos, dos costumes, das artes, de tudo. Marcondes, que tinha outras tendências, tratou de levar o amigo para o centro dos que ele chamava prazeres celestes. Amaro não resistiu, e foi; mas tudo cansa, e o fazendeiro não encontrou em nada daquilo a felicidade que o amigo lhe anunciara. No fim de um ano, Amaro determinou voltar para a América, com grande desgosto de Marcondes, que em vão procurou retê-lo.
Voltou Amaro aborrecido com ter gasto um ano sem vantagem alguma, a não ser o ter visto e admirado uma grande capital. Mas a felicidade que ele devia ter? Essa nem por sombra.
— Fiz mal, dizia ele consigo, em ter cedido aos conselhos. Vim em busca do desconhecido. É uma lição que me há de aproveitar.
Embarcou, e chegou ao Rio de Janeiro, com grande alegria no coração. O seu desejo era seguir logo para a fazenda da Soledade. Mas lembrou-se de que existiam na corte algumas famílias da amizade da sua, a quem cumpria ir falar antes de partir para o interior.
— Quinze dias é bastante, pensou ele.
Meteu-se num hotel, e logo no dia seguinte começou a romaria das visitas.
Uma das famílias a quem Amaro visitou era a de um fazendeiro de Minas, que em virtude de vários processos que teve por motivo de relações comerciais viu reduzidos os seus bens, e mudara-se para a corte, onde vivia com a fortuna que lhe restava. Chamava-se Carvalho.
Aí achou Amaro, como fazendo parte da família, uma moça de vinte e cinco anos, de nome Antonina. Era viúva. Estava em casa de Carvalho, porque este fora íntimo amigo do pai dela, e como este já não existisse, e ela não quisesse viver só, depois de viúva, Carvalho recebeu-a em casa, onde era tratada como filha mais velha. Antonina tinha alguma coisa de seu. Era prendada, espirituosa, elegante. Carvalho admirava sobretudo a sua penetração de espírito, e não cessava de elogiar-lhe essa qualidade, que para ele era suprema.
Amaro Faria foi lá duas vezes em três dias, como simples visita; mas no quarto dia sentiu já em si uma necessidade de lá voltar. Se tivesse partido para a fazenda era possível que não lhe lembrasse mais nada; mas a terceira visita produziu outra, e outras, até que no fim de quinze dias, em vez de partir para a roça, Amaro dispunha-se a residir largo tempo na corte.
Estava namorado.
Antonina merecia ser amada por um rapaz como Faria. Sem ser deslumbrantemente formosa, tinha umas feições regulares, uns olhos ardentes, e era muito simpática. Gozava de geral consideração.
O rapaz era correspondido? Era. A jovem correspondeu logo ao afeto do fazendeiro, com certo ardor que aliás o mancebo partilhava.
Quando Carvalho desconfiou do namoro, disse a Amaro Faria:
— Já sei que você tem namoro cá em casa.
— Eu?
— Sim, você.
— Pois sim, é verdade.
— Não há nada de mau nisto. Eu apenas quero dizer-lhe que tenho olho vivo, e nada me escapa. A rapariga merece.
— Oh! Se merece! Quer saber de uma coisa? Eu já abençôo aquele maldito Marcondes que me arrancou lá da fazenda, pois que eu venho achar aqui a minha felicidade.
— Então é decidido?
— Se é! Pensando bem, eu não posso deixar de casar-me. Quero ter uma vida calma, é o meu natural. Achando uma mulher que não exija modas nem bailes estou contente. Creio que esta é assim. Além disso é bonita...
— E mais que tudo discreta, acrescentou Carvalho.
— É o caso.
— Bravo! Posso avisá-la de que...
— Toque-lhe nisso...
Carvalho trocou estas palavras com Amaro na tarde em que este lá jantou. Na mesma noite, quando Amaro se despediu, disse-lhe Carvalho em particular:
— Toquei-lhe naquilo: a disposição é excelente!
Amaro foi para casa disposto a fazer no dia seguinte a sua proposta de casamento a Antonina.
E, com efeito, no dia seguinte apareceu Amaro em casa de Carvalho, como costumava, e aí, em conversa com a viúva, perguntou-lhe francamente se queria casar com ele.
— Ama-me então? Perguntou ela.
— Deve tê-lo percebido, porque eu também percebi que sou amado.
— É, disse ela com a voz um pouco trêmula.
— Aceita-me por marido?
— Aceito, disse ela. Mas repita que me ama.
— Cem vezes, mil vezes, se quer. Amo-a muito.
— Não será um fogo passageiro?
— Se eu empenho a minha vida inteira!
— Todos a empenham; mas depois...
— Começa então por uma dúvida?
— Um receio natural, um receio de quem ama...
— Não me conhece ainda; mas verá que eu digo a verdade. É minha, sim?
— Perante Deus e os homens, respondeu Antonina.