O moço loiro/Epílogo
Um mês depois da entrada de Lauro na casa de seus parentes, uma grande festa ia ser dada: Lauro e Honorina celebravam o seu casamento.
Afora Lucrécia, que tinha julgado a propósito passar alguns meses no campo, e Otávio, que acreditara útil fazer uma viagem à Europa, todos os outros nossos conhecidos deste romance preparavam-se para o belo sarau oferecido pelos noivos.
E o sarau tinha de ser esplêndido; Lauro de Mendonça, viúvo da filha de um rico negociante da Bahia, reduzira a dinheiro tudo quanto herdara de sua mulher, e, regressando ao Rio de Janeiro, depois de desfazer a calúnia que o manchava, tomou parte na casa de seu tio, e com seus imensos cabedais, levantou-a em brilhante pé. O sarau será, pois, digno de tão abastados senhores.
Hugo, Ema e Lúcia não tinham medidas para seu prazer.
Venâncio mandara (bem entendido, por ordem de Tomásia) fazer uma casaca nova. Manduca, apesar do logro que sofrera, exprimia-se com ardor a respeito de Lauro, pois que sua mana Rosa já se achava casada com Félix.
Brás-mimoso, sempre incorrigível, dispunha-se para estalar balas.
Raquel parecia ter cobrado o seu antigo prazer: fora ela quem apressara e marcara o dia do casamento; deu sua opinião sobre o vestido da noiva, de cujo lado só à força se separava.
Honorina ainda não se tinha acostumado a chamar seu futuro marido nem primo, nem Lauro; achava, dizia ela, graça indizível em chamá-lo moço loiro.
E o moço loiro continuava, como dantes, sempre bom e travesso, alegre e amoroso, apaixonado e extravagante. Sara e seu filho falavam dele com entusiasmo; Carlos mostrava-se sempre tão grato como devotado.
Ia-se volvendo a tarde do dia marcado para o casamento; eram horas de correr aos pés do altar, e de receber a bênção nupcial. Hugo chamava por sua filha.
Honorina, mais bela que nunca, ornada com suas galas, embelecida com seus naturais encantos; e ainda mais ornada e embelecida com essa interessante mistura de amor e pejo tão apreciável nas noivas, abaixou a cabeça para que Raquel lhe pusesse sua coroa de virgem, sua capela de flores de laranjeira.
— Estás pronta, Honorina, disse Raquel.
— Adeus, Raquel! balbuciou Honorina suspirando.
— Oh!... um beijo ainda!...
— Sim... seja teu o meu derradeiro beijo de moça solteira...
E as duas amigas estreitadas em mútuo abraço estavam a beijar-se mil vezes, quando uma lágrima caiu dos cílios de Raquel nos lábios de Honorina.
— Tu choras, Raquel?...
— E tu, Honorina?...
— Sim; mas eu... e tu também, choramos de prazer; não é assim?...
— Sim!... sim!... de muito prazer... adeus!... sê feliz!...
A noiva partiu.
Raquel foi à janela para vê-la embarcar-se na carruagem. Hugo deu a mão à sua filha.
— Sê feliz, Honorina!... sê feliz!... gritou Raquel da janela.
Honorina não respondeu... tinha muito pejo.
A carruagem desapareceu...
Raquel voltou-se e viu que se achava só na sala; deu alguns passos... soluçava... caiu de joelhos, e ergueu as mãos para o céu.
Um homem entrou pé por pé nesse momento, e ficou parado na porta por detrás da moça.
Raquel exclamou:
— Misericórdia!... meu Deus, misericórdia!... eu menti! eu pequei! mas estou arrependida; eu me desdigo, meu Deus!... não! não! amor não é uma vã mentira!... amor não é uma das muitas quimeras com que a fantasia nos entretém na vida, como a boneca que se dá à criança para conservá-la quieta no berço!... não!... eu o confesso... eu o experimento... amor é uma realidade!... realidade, meu Deus, terrível para mim!...
O homem, que estava observando Raquel, lançou-se então para ela, como levado da mais veemente das dores, e, abraçando-a, exclamou:
— Filha do meu coração!... pobre mártir!... Fujamos desta casa! vem... fujamos!...
Jorge tentava levar sua filha, que, forcejando para ficar, respondeu:
— Não! não! meu pai; aqui ao menos tenho eu um remédio contra meu padecer.
— Aqui?... e onde?...
— Na santa amizade de Honorina.
— Mas a sua felicidade faz o teu martírio...
— A sua felicidade é a consolação de minha alma.
— Queres, portanto, ser vítima de seu amor?...
— Outra vez não, meu pai; mas quero ser a mãe de seu primeiro filho.
Ouvindo tão nobre pensamento, Jorge levantou as mãos sobre a cabeça de Raquel e disse:
— Abençoada sejas tu, meu anjo de candura!...