Origem das espécies/Leis da variação

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CAPITULO V


Leis da variação


EFEITO DA MUDANÇA DAS CONDIÇÕES[editar]

Tenho, até ao presente, falado de variações — tão comuns e tão diversas nos seres organizados reduzidos ao estado doméstico, e, num grau menor, naqueles que se encontram no estado selvagem — como se elas fossem devidas ao acaso. É, sem contradita, uma expressão muito incorrecta; talvez, contudo, tenha vantagem porque serve para demonstrar a nossa ignorância absoluta sobre as causas de cada variação particular. Alguns sábios julgam que uma das funções do sistema reprodutor consiste tanto em produzir diferenças individuais, ou pequenos desvios de estrutura, como em produzir descendentes semelhantes aos pais. Mas o facto de as variações e de as monstruosidades se apresentarem em maior número no estado doméstico que no estado natural, o facto de as espécies tendo um habitat muito extenso serem mais variáveis que as que têm um habitat restrito, autorizam-nos a concluir que a variabilidade deve ter, de ordinário, qualquer relação com as condições de existência às quais cada espécie foi submetida durante algumas gerações sucessivas. Tentei demonstrar, no primeiro capítulo, que as mudanças de condições actuam de duas maneiras: directamente, sobre a organização inteira, ou sobre certas partes únicamente do organismo; indirectamente, por meio do sistema reprodutor. Em todo o caso, há dois factores: a natureza do organismo, que é a mais importante, e a natureza das condições ambientes. A acção directa da mudança das condições conduz a resultados definidos ou indefinidos. Neste último caso, o organismo parece tornar-se plástico, e encontramo-nos em presença de uma grande variabilidade incerta. No primeiro caso, a natureza do organismo é tal que cede fàcilmente, quando se submete a certas condições e todos, ou quase todos os indivíduos, se modificam da mesma maneira.

É muito difícil determinar até que ponto a alteração das condições, tal, por exemplo, como a alteração do clima, da alimentação, etc., actua de uma maneira definida. Há razão para acreditar que, no decorrer do tempo, os efeitos destas alterações são tão consideráveis que se podem estabelecer pela prova directa. Todavia, podemos concluir, sem receio de errar, que se não podem atribuir ùnicamente a uma tal causa actuante as adaptações de estrutura, tão numerosas e tão complexas, que observamos na natureza entre os diferentes seres organizados. Nos casos seguintes, as condições ambientes parecem ter produzido um ligeiro efeito definido: E. Forbes afirma que os mariscos, na extremidade meridional do seu habitat, revestem, quando vivem nas águas pouco profundas, cores muito mais brilhantes que os mariscos da mesma espécie, que vivem mais ao norte e a uma grande profundidade; mas esta lei não se aplica certamente sempre. M. Gould observou que as aves da mesma espécie são mais brilhantemente coloridas, quando vivem num país em que o céu é sempre puro, do que quando habitam junto das costas ou nas ilhas; Wollaston assegura que a residência junto das costas afecta a cor dos insectos. Moquin Tandon dá uma lista de plantas de que as folhas se tornam carnudas, quando crescem junto do mar, posto que isto se não produza em qualquer outro lugar. Estes organismos, levemente variáveis, são interessantes, no sentido de apresentarem caracteres análogos aos que possuem as espécies expostas a condições semelhantes.

Quando uma variação constitui uma superioridade por pequena que seja para um ser qualquer, não se poderia dizer que parte convém atribuir à acção acumuladora da selecção natural, e que parte convém atribuir à acção definida das condições de existência. Assim, todos os peleiros sabem muito bem que os animais da mesma espécie têm uma pele tanto mais espessa e tanto mais bela, quanto mais setentrional é o país que habitam; mas quem pode dizer se esta diferença provém de que os indivíduos mais quentemente vestidos têm sido favorecidos e têm persistido durante numerosas gerações, ou se é uma consequência do rigor do clima? Parece, com efeito, que o clima exerce uma certa acção directa sobre a pele dos nossos quadrúpedes domésticos.

Poderiam citar-se, para a mesma espécie, exemplos de variações análogas, ainda que esta espécie esteja exposta às condições ambientes tão diferentes quanto possível; por outra parte, poderiam citar-se variações diferentes produzidas em condições ambientes que parecem idênticas. Enfim, todos os naturalistas poderiam citar inumeráveis casos de espécies que persistem absolutamente as mesmas, isto é, que não variam de maneira alguma, posto que vivam em climas muito diversos. Estas considerações fazem-me inclinar a atribuir menos valor à acção directa das condições ambientes do que a uma tendência à variabilidade, devida a causas que nós ignoramos em absoluto.

Pode dizer-se que, num certo sentido, não somente as condições de existência determinam, directa ou indirectamente, as variações, mas que influenciam também na selecção natural; as condições determinam, com efeito, a persistência desta ou daquela variedade. Quando, porém, o homem se encarrega da selecção, é fácil compreender que os dois elementos da alteração são distintos; a variabilidade produz-se de qualquer maneira, mas é a vontade do homem que acumula as variações em certos. sentidos; ora, esta intervenção responde à persistência do mais apto no estado natural.

EFEITOS PRODUZIDOS PELA SELECÇÃO NATURAL SOBRE O AUMENTO DO USO OU NÃO USO DAS PARTES[editar]

Os factos citados no primeiro capítulo não permitem, creio eu, dúvida alguma sobre este ponto: que o uso, nos animais domésticos, reforça e desenvolve certas partes, enquanto que o não uso as diminui; e, além disso, que estas modificações são hereditárias. No estado de natureza, não temos termo algum de comparação que nos permita julgar os efeitos de um uso ou de um não uso constante, porque não conhecemos as formas-tipo; mas, muitos animais possuem órgãos de que sòmente se pode explicar a presença pelos efeitos do não uso. Não há, como o professor Owen o fez notar, anomalia maior na natureza do que uma ave que não possa voar; contudo, há muitas neste estado. O ganso de asas curtas da América meridional deve contentar-se em bater com as asas a superfície da água, e estão elas, para ele, quase nas mesmas condições das do pato doméstico de Ailesbúria; demais, se é necessário acreditar M. Cunningham, estes patos podem voar quando são muito novos, enquanto que são incapazes de o fazer no estado adulto. As grandes aves que se nutrem sobre o solo, apenas voam para fugir ao perigo; é pois provável que a falta das mesmas asas, em muitas das aves que habitam actualmente ou que, ùltimamente ainda, habitavam as ilhas oceânicas, onde se não encontrava nenhum animal de presa, provêm do não uso das asas. O avestruz, é verdade, habita os continentes e está exposto a muitos perigos aos quais não pode subtrair-se pelo voo, mas pode, bem como um grande número de quadrúpedes, defender-se dos seus inimigos a coices. Estamos autorizados a acreditar que um antepassado do género avestruz tinha hábitos semelhantes aos da betarda, e que, à medida que o tamanho e o peso do corpo desta ave aumentavam durante longas gerações sucessivas, o avestruz se serviu sempre mais das pernas e menos das asas, até que por fim se lhe tornou impossível voar.

Kirby fez notar, e eu tenho observado o mesmo facto, que os tarsos ou parte posterior das patas de muitos escaravelhos machos que se nutrem de excrementos, são muitas vezes quebrados; examinou dezassete especímenes na sua própria colecção e nenhum deles tinha o mais pequeno vestígio dos tarsos. No Onites apelles os tarsos desaparecem tantas vezes, que se tem descrito este insecto como não os possuindo. Nalguns outros géneros, os tarsos existem, mas no estado rudimentar. No Ateuchus, ou escaravelho sagrado dos Egípcios, faltam por completo. Não se poderá ainda afirmar positivamente que as mutilações acidentais sejam hereditárias; todavia, os casos notáveis observados por M. Brown-Séquard, relativos à transmissão, por hereditariedade, dos efeitos de certas operações na cobaia, devem impedir-nos de negar em absoluto esta tendência. Por conseguinte, é talvez mais prudente considerar a ausência total dos tarsos anteriores no Ateuchus, e o seu estado rudimentar em alguns outros géneros, não como casos de mutilações hereditárias, mas como efeitos de um não uso por muito tempo continuado; com efeito, como muitos dos escaravelhos que se nutrem de excrementos perderam os seus tarsos, esta desaparição deve ter-se dado numa idade pouco avançada da sua existência, e, por isso, os tarsos não devem ter muita importância para estes insectos, ou não devem servir-se muito deles.

Em muitos casos, poderia fàcilmente atribuir-se à falta de uso certas modificações de estrutura que são principalmente devidas à selecção natural. M. Wollaston descobriu o facto notável de, em quinhentas e cinquenta espécies de escaravelhos (conhece-se um maior número hoje) que habitam a ilha da Madeira, duzentos serem tão pobremente providos de asas, que não podem voar; descobriu, além disso, que, sobre vinte e nove géneros indígenas, todas as espécies pertencendo a vinte e três destes géneros se encontram neste estado! Numerosos factos, a saber que os escaravelhos, em muitas partes do mundo, são levados frequentemente para o mar pelo vento e aí perecem; que os escaravelhos da Madeira, assim como o observou M. Wollaston, ficam ocultos até que o vento pare e o sol brilhe; que a proporção de escaravelhos sem asas é muito mais considerável nos desertos expostos às variações atmosféricas, do que na própria Madeira; que — e é o facto mais extraordinário sobre o qual M. Wollaston insistiu com muita razão — certos grupos consideráveis de escaravelhos, que têm absoluta necessidade de asas, outra parte muito numerosa, quase que faltam aqui inteiramente; estas diferentes considerações, digo eu, levam-me a crer que a falta de asas em tantos escaravelhos da Madeira é principalmente devida à acção da selecção natural, combinada provàvelmente com o não uso destes órgãos. Durante muitas gerações sucessivas, todos os escaravelhos que menos se entregavam ao voo, quer porque as suas asas se encontravam menos desenvolvidas, quer em razão dos seus hábitos indolentes, devem ter tido a maior probabilidade em persistir, porque não estavam expostos a ser transportados para o mar; por outra parte, os indivíduos que se elevavam fàcilmente no ar, estavam mais expostos a ser levados para o largo e, por isso, a ser destruídos.

Os insectos da Madeira que se não nutrem sobre o solo, mas que, como certos coleópteros e certos lepidópteros, se nutrem de flores, e que devem, por consequência, servir-se das asas para encontrar os alimentos, têm, como observou M. Wollaston, as asas muito desenvolvidas, em vez de reduzidas. Este facto é perfeitamente compatível com a acção da selecção natural. Com efeito, à chegada de um novo insecto a uma ilha, a tendência ao desenvolvimento ou à redução das asas, depende do facto de um grande número de indivíduos escapar à morte, lutando contra o vento ou deixando de voar. É, em suma, o que se passa com os marinheiros que naufragam e dão à costa; é importante para os bons nadadores o poder nadar tão longe quanto possível, mas é melhor para os maus nadadores não saber nadar coisa alguma, e segurar-se ao navio naufragado.

As toupeiras e alguns outros roedores cavadores têm os olhos rudimentares, algumas vezes mesmo completamente cobertos de uma película e de pêlos. Este estado dos olhos é provàvelmente devido a uma diminuição gradual, proveniente do não uso, aumentando sem dúvida pela selecção natural. Na América meridional, um roedor chamado Tucu-Tuco ou Ctenomys tem costumes ainda mais subterrâneos que a toupeira; asseveravam-me que estes animais são frequentemente cegos. Observei um vivo e realmente este era cego; dissequei-o depois da morte, e descobri então que a cegueira provinha de uma inflamação da membrana pestanejante. A inflamação dos olhos é necessàriamente nociva ao animal; ora, como os olhos não são necessários aos animais que têm hábitos subterrâneos, uma diminuição deste órgão, seguida da aderência das pálpebras e da protecção pelos pêlos, poderia neste caso tornar-se vantajosa; se é assim, a selecção natural vem completar a obra começada pelo não uso do órgão.

Sabe-se que muitos animais pertencendo às classes mais diversas, que vivem nas grutas subterrâneas da Carniola e do Kentucky, são cegos. Em muitos caranguejos, o pedúnculo que sustenta o olho é conservado, posto que o órgão da visão tenha desaparecido, isto é, que o suporte do telescópio existe, faltando contudo o próprio telescópio e os seus vidros. Como é difícil de supor que o olho, posto que inútil, possa ser nocivo a estes animais vivendo na obscuridade, pode atribuir-se a ausência do órgão ao não uso. Em um destes animais cegos, o rato de caverna (Neotoma), de que dois especímenes foram capturados pelo professor Silliman a cerca de meia milha da abertura da gruta, e, por conseguinte, nas partes mais profundas, os olhos eram grandes e brilhantes. O professor Silliman me ensina que estes animais acabavam por adquirir uma vaga aptidão para perceber os objectos, depois de submetidos durante um mês à luz gradual.

É difícil imaginar condições ambientes mais sensíveis que as das vastas cavernas, cavadas nas profundas camadas calcárias, em países tendo quase o mesmo clima. Assim, na hipótese de que os animais cegos foram criados separadamente para as cavernas da Europa e da América, deve-se esperar encontrar uma grande analogia na sua organização e suas afinidades. Ora, a comparação destas duas faunas prova-nos que não é assim. Schiödte faz notar só relativamente aos insectos: «Podemos pois considerar apenas o conjunto do fenómeno como um facto puramente local, e a analogia que existe entre aquelas faunas que habitam a caverna do Mammouth (Kentucky) e as que habitam as cavernas da Carniola, como a expressão da analogia que se observa geralmente entre a fauna da Europa e a da América do Norte». Na hipótese que considero, devemos supor que os animais americanos, dotados na maior parte dos casos da faculdade ordinária da vista, têm deixado o mundo exterior, para se mergulhar lentamente e por gerações sucessivas nas profundezas das cavernas do Kentucky, ou, como o fazem outros animais, as cavernas da Europa. Possuímos algumas provas da gradação deste hábito; Schiödte acrescenta, com efeito: «Podemos, pois, considerar as faunas subterrâneas como pequenas ramificações que, destacadas das faunas geográficas limitadas da vizinhança, penetravam a terra e que, à medida que mergulhavam cada vez mais na obscuridade, se acomodavam às suas novas condições de existência. Animais pouco diferentes das formas ordinárias trouxeram a transição; em seguida, vêm os conformados para viver na meia-luz; por fim, os destinados à obscuridade completa e de que a estrutura é muito particular». Devo juntar que estes reparos de Schiödte se aplicam, não a uma só espécie, mas a muitas espécies distintas. Quando, após inúmeras gerações, o animal atinge as maiores profundidades, o não uso do órgão tem-se atrofiado mais ou menos completamente, e a selecção natural dá-lhe, algumas vezes, uma espécie de compensação pela cegueira, determinando um aumento nas antenas. Apesar destas modificações, devemos ainda encontrar certas afinidades entre os habitantes das cavernas da América e os outros habitantes deste continente, assim como entre os habitantes das cavernas da Europa e os do continente europeu. Ora, o professor Dana diz-me que o mesmo sucede com alguns dos animais que habitam as grutas subterrâneas da América; alguns insectos que habitam as cavernas da Europa são muito próximos dos que habitam a região adjacente. Na hipótese ordinária de uma criação independente, seria difícil explicar de forma racional as afinidades que existem entre os animais cegos das grutas e os restantes habitantes do continente. Devemos, além disso, procurar obter, entre os habitantes das grutas subterrâneas do antigo e novo mundo, a analogia bem conhecida que referimos a respeito da maior parte das outras produções. Como se encontra em abundância, sobre os rochedos escondidos, longe das grutas, uma espécie cega de Bathyscia, a perda da vista na espécie deste género que habita as grutas subterrâneas, não tem provavelmente relação alguma com a obscuridade do seu habitat; parece muito natural, em verdade, que um insecto já privado de vista se adapte fàcilmente a viver nas grutas escuras. Um outro género cego (Anophthalmus) oferece, como o fez notar M. Murray, a particularidade notável de se encontrar apenas nas cavernas; demais, os que habitam as diferentes cavernas da Europa e da América pertencem a espécies distintas; mas é possível que os ancestrais destas diferentes espécies, enquanto foram dotados de vista, tivessem podido habitar os dois continentes, e depois se extinguissem, sem excepção daqueles que habitam os pontos retirados que ocupam actualmente. Longe de ficar surpreendido porque alguns dos habitantes das cavernas, como o Amblyopsis, peixe cego indicado por Agassiz, e o Proteu, igualmente cego, apresentam grandes anomalias nas suas relações com os répteis europeus, eu fico admirado de não encontrarmos nas cavernas um maior número de representantes de animais extintos, em razão da pouca concorrência à qual os habitantes destas sombrias habitações estão expostos.

ACLIMATAÇÃO[editar]

Os hábitos são hereditários nas plantas; assim, por exemplo, a época da floração, as horas consagradas ao sono, a quantidade de chuva necessária para assegurar a germinação das sementes, etc., e isto conduz-me a dizer algumas palavras sobre a aclimatação. Como nada é mais fácil do que encontrar espécies do mesmo género em países quentes e em países frios, é necessário que a aclimatação tenha, numa longa série de gerações, desempenhado um papel considerável, se é verdade que todas as espécies do mesmo género derivam de uma mesma fonte. Cada espécie, é evidente, está adaptada ao clima do país. que habita; as espécies que habitam uma região árctica, ou mesmo uma região temperada, não podem suportar o clima dos trópicos, e vice-versa. Além disso, muitas plantas gordas não podem suportar os climas húmidos. Mas tem-se muitas vezes exagerado o grau de adaptação das espécies aos climas em que vivem. É o que podemos concluir do facto de, desde há tanto tempo, nos ser impossível predizer se uma planta importada poderá suportar o nosso clima e deste outro facto, que um grande número de plantas e animais, provindo dos mais diversos países, vivem entre nós com excelente saúde. Temos razão para acreditar que as espécies no estado natural são restritas a um habitat pouco extenso, bem mais pela luta que têm de sustentar com outros seres organizados, do que pela adaptação a um clima particular. Que esta adaptação, na maior parte dos casos, seja ou não muito rigorosa, nem por isso deixa de provar-se que algumas plantas podem, em certa medida, habituar-se naturalmente a temperaturas diferentes, isto é, aclimatar-se. O Dr. Hooker recolheu sementes de pinheiros e de rododendros em indivíduos da mesma espécie, crescendo a alturas diferentes no Himalaia; ora, estas sementes, semeadas e cultivadas em Inglaterra, possuem aptidões constitucionais diferentes relativamente à resistência ao frio. M. Thwaites diz-me que observou factos semelhantes em Ceilão; M. H. C. Watson fez observações análogas em espécies europeias de plantas trazidas dos Açores para Inglaterra; eu poderia citar muitos outros exemplos. Com respeito a animais, podem citar-se muitos factos autênticos provando que, desde os tempos históricos, certas espécies emigraram em grande número de latitudes quentes para as mais frias, e reciprocamente. Todavia, não podemos afirmar, de uma maneira positiva, que estes animais sejam estritamente adaptados ao clima do seu país natal, posto que, na maior parte dos casos, admitamos que o sejam; não sabemos tão-pouco se estão subsequentemente tão bem aclimatados na sua nova pátria, se aí se adaptaram melhor do que estavam no princípio.

Poderiam, sem dúvida, aclimatar-se fàcilmente em países completamente diferentes, muitos animais vivendo hoje no estado selvagem; o que parece prová-lo, é que os nossos animais domésticos foram originàriamente escolhidos pelos selvagens, porque lhes eram úteis e porque se reproduziam fàcilmente no estado doméstico, e não porque se percebesse mais tarde que se poderiam transportar aos países mais diversos. Esta faculdade extraordinária dos nossos animais domésticos em suportar os climas mais diversos, e, o que é uma prova ainda mais convincente, ficar perfeitamente fecundos em toda a parte para onde os transportem, é sem dúvida um argumento em favor da proposição que acabamos de emitir. Não seria necessário, contudo, levar este argumento tão longe; com efeito, os nossos animais domésticos derivam provavelmente de muitas origens selvagens; o sangue, por exemplo, de um lobo das regiões tropicais e de um lobo das regiões árcticas pode encontrar-se misturado nas raças dos nossos cães domésticos. Não podem considerar-se a ratazana e o rato como animais domésticos; não, foram, pelo menos, transportados pelo homem a muitas partes do mundo, e têm hoje, contudo, um habitat muito mais considerável que os outros roedores; suportam, com efeito, o clima frio das ilhas Feroé, no hemisfério boreal, o das ilhas Falclanda, no hemisfério austral, e o clima esbraseante de muitas ilhas da zona tórrida. É lícito, pois, considerar-se a adaptação a um clima especial como uma qualidade que pode fàcilmente enxertar-se sobre esta larga flexibilidade de constituição qua perece inerente à maior parte dos animais. Nesta hipótese, a capacidade que o próprio homem oferece, e bem assim os seus animais domésticos, de poderem suportar os climas mais diversos; e o facto de o elefante e o rinoceronte terem outrora vivido num clima glacial, enquanto que as espécies existentes actualmente habitam todas as regiões da zona tórrida, não deveriam ser consideradas como anomalias, mas como exemplos de uma flexibilidade ordinária de constituição que se manifesta e certas circunstâncias particulares.

Qual é a parte que é necessário atribuir aos simples hábitos? qual a que deve atribuir-se à selecção natural das variedades tendo constituições inatas diferentes? qual a que, enfim, se deve atribuir a estas duas causas combinadas na aclimatação de uma espécie a um clima especial? É esta uma questão muito obscura. O hábito ou o costume tem sem dúvida alguma influência, se devemos acreditar na analogia; as obras sobre agricultura e mesmo as antigas enciclopédias chinesas dão a cada passo o conselho de transportar os animais de uma região para outra. Demais, como não é provável que o homem tenha chegado a escolher tantas raças e sub-raças, de que a constituição convém tão perfeitamente aos países que habitam, eu creio que deve atribuir-se ao hábito os resultados obtidos. Por outro lado, a selecção natural deve tender inevitàvelmente para conservar os indivíduos dotados de uma constituição bem adaptada aos países que habitam. Prova-se, nos tratados sobre muitas espécies de plantas cultivadas, que certas variedades suportam melhor um clima que outro. Encontra-se a prova nas obras sobre pomologia publicadas nos Estados Unidos; aí se recomenda, com efeito, empregar certas variedades nos Estados do Norte, e outras nos Estados do Sul. Ora, como a maior parte destas variedades tem uma origem recente, não se pode atribuir ao hábito as suas diferenças constitucionais. Cita-se mesmo, para provar que, em certos casos, a aclimatação é impossível, a alcachofra de Jerusalém, que jamais se propaga em Inglaterra por sementes e de que, por conseguinte, se não tem podido obter novas variedades; faz-se notar que esta planta ficou tão delicada como era. Tem-se muitas vezes citado também, e com muita mais razão, o feijão como exemplo; mas não se pode dizer, neste caso, que a experiência tenha realmente sido feita; seria preciso para isso que, durante vinte gerações, alguém tivesse o trabalho de semear feijões muito cedo para que uma grande parte fosse destruída pelo frio; em seguida se recolhesse a semente dos sobreviventes, tendo o cuidado de impedir os cruzamentos acidentais; e por fim se recomeçasse cada ano este ensaio cercando-se das mesmas precauções. Não seria necessário supor, além disso, que não aparecessem jamais diferenças na constituição dos feijões, porque muitas variedades são mais rústicas que outras; é este um facto de que eu mesmo pude observar exemplos frisantes. Em resumo, podemos concluir que o hábito ou ainda o uso e não uso das partes têm, em alguns casos, desempenhado um papel considerável nas modificações da constituição e do organismo; podemos concluir também que estas causa são frequentemente combinadas com a selecção natural de variações inatas, e que os resultados são, igualmente, dominados por esta última causa.

VARIAÇÕES CORRELATIVAS[editar]

Entendo por esta expressão que as diferentes partes da organização são, no decorrer do seu crescimento e do seu desenvolvimento, tão intimamente ligadas entre si, que outras partes se modificam quando ligeiras variações se produzem numa parte qualquer e se acumulam aí em virtude da acção da selecção natural. É este um assunto assaz importante, que se conhece muito imperfeitamente e na discussão do qual se podem confundir ordens de factos muito diferentes. Veremos em breve, com efeito, que a hereditariedade simples toma algumas vezes uma falsa aparência de correlação. Poderiam citar-se, como um dos exemplos mais frisantes da verdadeira correlação, as variantes de estrutura que, produzindo-se num ovo ou na larva, tendem a afectar a estrutura do animal adulto. As diferentes partes homólogas do corpo, que, no começo do período embrionário, têm uma estrutura idêntica, e que são, por conseguinte, expostas a condições semelhantes, são eminentemente sujeitas a variar da mesma maneira. É assim, por exemplo, que o lado direito e o lado esquerdo do corpo variam do mesmo modo; que os membros anteriores, que mesmo a maxila e os membros variam simultâneamente; sabe-se que alguns anatómicos admitem a homologia da maxila inferior com os membros. Estas tendências, não ponho dúvida, podem ser mais ou menos completamente dominadas pela selecção natural. Assim, existiu outrora uma raça de veados que tinham esgalhos apenas de um lado; ora, se esta particularidade tivesse sido vantajosa a esta raça, é provável que a selecção natural a houvesse tornado permanente.

As partes homólogas, como o fazem notar certos autores, tendem a soldar-se, tal como se vê muitas vezes nas monstruosidades vegetais; nada mais comum, com efeito, nas plantas normalmente conformadas, que a união das partes homólogas, a soldadura, por exemplo, das pétalas da corola num só tubo. As partes duras parecem afectar a forma das partes moles adjacentes; alguns autores pensam que a diversidade das formas que afecta a bacia nas aves, determina a diversidade notável que se observa na forma dos rins. Outros julgam ainda que, na espécie humana, a forma da bacia da mãe exerce pela pressão certa influência sobre a forma da cabeça da criança. Nas serpentes, segundo Schlegel, a forma do corpo e o modo de deglutição determinam a posição e a forma de muitas das mais importantes vísceras.

A natureza destas relações fica quase sempre obscura. M. Isidoro Geoffroy de Saint-Hilaire insiste muito sobre este ponto: que certas deformações coexistem frequentemente, enquanto que outras se observam apenas raramente sem que possamos indicar a razão. Que há de mais singular do que a relação que existe, nos gatos, entre a cor branca, os olhos azuis e a surdez; ou, nos mesmos animais, entre o sexo feminino e a coloração tricolor; nos pombos, entre a plumagem das patas e as películas que ligam os dedos extremos; entre a abundância da penugem, nos borrachos, que saem do ovo, e a coloração da plumagem futura; ou, enfim, a relação que existe no cão turco nu, entre os pêlos e os dentes, posto que, neste caso, a homologia desempenhe certo papel sem dúvida? Creio mesmo que este último caso de correlação não possa ser acidental; se considerarmos, em verdade, as duas ordens de mamíferos de que o invólucro dérmico apresenta a maior anomalia, os cetáceos (baleias) e os desdentados (tatus e papa-formigas, etc.), vemos que apresentam também a dentição normal; mas, como o fez notar M. Mivart, há tantas excepções a esta regra que pouco valor tem afinal.

Não conheço exemplo mais próprio para demonstrar a importância das leis da correlação e da variação, independentemente da utilidade e, por conseguinte, de toda a selecção natural, como a diferença que existe entre as flores internas e externas de algumas compostas e de algumas umbelíferas. Todos têm notado a diferença que existe entre as floritas periféricas e as centrais da margarita, por exemplo; ora a atrofia parcial ou completa dos órgãos reprodutores acompanha muitas vezes esta diferença. Além disso, as sementes de algumas destas plantas diferem também com relação à forma e lavor. Têm-se algumas vezes atribuído estas diferenças à pressão dos invólucros sobre as florzinhas, ou às compressões reciprocas, e a forma das sementes contidas nas florzinhas periféricas de algumas compostas parece confirmar esta opinião; mas, nas umbelíferas, como ensina o Dr. Hooker, não são certamente as espécies que têm os capítulos mais densos do que as flores periféricas. e centrais que oferecem diferenças mais frequentemente. Poderia pensar-se que o desenvolvimento das pétalas periféricas, levando a nutrição aos órgãos reprodutores, determina a sua atrofia; mas não pode ser causa única em todos os casos; porque, em certas compostas, as sementes das florzinhas internas e externas diferem sem que haja alguma diferença nas corolas. Julga-se que estas diferenças estejam em relação com o fluxo de nutrição diferente para as duas categorias de florzinhas; nós sabemos, pelo menos, que, nas flores irregulares, as que estão mais próximas do eixo se mostram mais sujeitas à peloria, isto é, a tornar-se simétricas de modo anormal. Juntarei, como exemplo deste facto e como caso de correlação notável que, em muitos dos pelargónios, as duas pétalas superiores da flor central do tufo perdem muitas vezes as suas manchas de cor mais carregada; esta disposição é acompanhada da atrofia completa do nectário aderente, e a flor central torna-se assim pelórica ou regular. Quando só uma das duas pétalas superiores é colorida, o nectário não é atrofiado por completo, é somente diminuído.

Quanto ao desenvolvimento da corola, é muito provável, como diz Sprengel, que as florzinhas periféricas sirvam para atrair os insectos, cujo concurso é muito útil ou mesmo necessário à fecundação da planta; se é assim, a selecção natural pode entrar em jogo. Mas parece impossível, no concernente às sementes, que as suas diferenças de forma, que não estão sempre em correlação com certas diferenças da corola, possam ser-lhes vantajosas; contudo, nas Umbelíferas, estas diferenças parecem tão importantes — as sementes sendo algumas vezes ortospérmicas nas flores exteriores e colospérmicas nas flores centrais — que de Candolle, o velho, baseou nestes caracteres as principais divisões da ordem. Assim, modificações de estrutura, tendo uma alta importância aos olhos dos classificadores, podem ser devidas inteiramente às leis da variação e da correlação, sem ter, tanto quanto pelo menos o podemos julgar, qualquer utilidade para a espécie.

Podemos algumas vezes atribuir sem razão à variação correlativa deformações comuns a grupos inteiros de espécies, que são, de facto, apenas o resultado da hereditariedade. Um ancestral afastado, com efeito, pôde adquirir, em virtude da selecção natural, algumas modificações de conformação, em seguida, após milhares de gerações, algumas outras modificações independentes. Estas duas modificações, transmitidas depois a um grupo inteiro de descendentes tendo hábitos diversos, poderiam então ser naturalmente consideradas como estando em correlação necessária. Algumas outras correlações parecem evidentemente devidas a um só modo de acção da selecção natural. Afonso de Candolle notou, em verdade, que não se observam sementes aladas nos frutos que não abrem. Explico este facto pela impossibilidade da selecção natural dar gradualmente asas às sementes, se as cápsulas não são as primeiras a abrir; de facto, é neste caso sòmente que as sementes, conformadas de maneira a serem mais fàcilmente transportadas pelo vento, prevaleceriam sobre as menos aptas a uma grande dispersão.

COMPENSAÇÃO E ECONOMIA DE CRESCIMENTO[editar]

Geoffroy Saint-Hilaire, o velho, e Gœthe formularam, quase na mesma época, a lei da compensação do crescimento; para me servir das expressões de Gœthe: «a fim de poder dispender de um lado, a natureza é obrigada a economizar por outro». Esta regra aplica-se, creio eu, de certo modo, aos nossos animais domésticos; se a nutrição se faz em excesso numa parte ou num órgão, é raro que se faça ao mesmo tempo, em excesso pelo menos, noutro órgão; assim, é difícil de fazer produzir muito leite a uma vaca e emagrecê-la ao mesmo tempo. As mesmas variedades de couve não produzem em abundância uma folhagem nutritiva e sementes oleaginosas. Quando as sementes dos nossos frutos tendem a atrofiar-se, o fruto por si ganha em tamanho e qualidade. Nas aves de capoeira, a presença de um tufo de penas na cabeça corresponde a uma diminuição da crista, e o desenvolvimento da barba a uma diminuição de carúnculos. É difícil sustentar que esta lei se aplica universalmente às espécies no estado de natureza; ela é admitida, contudo, por muito bons observadores, principalmente por botânicos. Todavia, não darei aqui nenhum exemplo, porque não vejo como se poderia distinguir, de um lado, entre os efeitos de uma parte que se desenvolveria largamente sob a influência da selecção natural e de outra parte adjacente que diminuiria, em virtude da mesma causa, ou seguidamente ao não uso; e, por outro lado, entre os efeitos produzidos pela falta de nutrição de uma parte, graças ao excesso de crescimento de uma outra parte adjacente.

Estou também disposto a acreditar que alguns dos casos de compensação que têm sido citados, assim como alguns outros factos, podem confundir-se num princípio mais geral, a saber: que a selecção natural se esforça constantemente por economizar todas as partes do organismo. Se uma conformação útil se torna menos útil em novas condições de existência, a diminuição desta conformação seguir-se-á certamente, porque é vantajoso para o indivíduo não desperdiçar nutrição em proveito de uma conformação útil. É assim sòmente que posso explicar um facto que me tem surpreendido nos cirrípedes, e de que se poderiam citar muitos exemplos análogos: quando um cirrípede parasita vive no interior de um outro cirrípede, e é por este facto abrigado e protegido, perde mais ou menos completamente a couraça. É o caso da Ibla macho, e, de uma maneira ainda mais frisante, o do Proteolepas. Em todos os outros cirrípedes, a couraça é formada por um desenvolvimento prodigioso dos três segmentos anteriores da cabeça, providos de músculos e de grossos nervos; ao passo que, no Proteolepas parasita e abrigado, toda a parte anterior da cabeça é reduzida a um simples rudimento, colocado na base das antenas preênsis; ora, a economia de uma conformação complexa e desenvolvida, tornada supérflua, constitui uma grande vantagem para cada indivíduo da espécie; porque, na luta pela existência, à qual todo o animal está exposto, cada Proteolepas tem melhor força para a vida, visto que desperdiça poucos alimentos.

É assim, penso eu, que a selecção natural tende, de há muito, a diminuir todas as partes do organismo, desde que se tornem supérfluas em razão de uma alteração de hábitos; mas não tende, de modo algum, a desenvolver proporcionalmente as outras partes. Inversamente, a selecção natural pode com facilidade desenvolver consideravelmente um órgão, sem arrastar, como compensação indispensável, a redução de quaisquer partes adjacentes.

AS CONFORMAÇÕES MÚLTIPLAS, RUDIMENTARES E DE ORGANIZAÇÃO INFERIOR SÃO VARIÁVEIS[editar]

Parece regra nas variedades e nas espécies, como o fez notar Isidoro Geoffroy Saint-Hilaire, que, sempre que uma parte ou um órgão se encontra muitas vezes repetido na conformação de um indivíduo (por exemplo as vértebras nas serpentes e os estames nas flores poliândricas), o número é variável, enquanto que é constante quando o número dessas mesmas partes é mais restrito. O mesmo autor, assim como alguns botânicos, têm, além disso, reconhecido que as partes múltiplas são extremamente sujeitas a variar. Ao passo que, para me servir da expressão do professor Owen, esta repetição vegetativa é um sinal de organização inferior, a nota que precede concorda com a opinião geral dos naturalistas, a saber: que os seres colocados em graus inferiores da escala da organização são mais variáveis que aqueles que ocupam o vértice.

Penso que, por inferioridade na escala, se deve entender aqui que as diferentes partes do organismo têm apenas um fraco grau de especialização para as funções particulares, ora, como durante muito tempo a mesma parte tem funções diversas a desempenhar, explica-se talvez por que deve ficar variável, isto é, por que a selecção natural não conservou ou rejeitou todos os leves desvios de conformação com tanto rigor como quando uma parte não serve mais do que para um uso especial. Poderiam comparar-se estes órgãos a uma faca destinada a todos os usos, e que pode, por isso, ter uma forma qualquer, ao passo que um utensílio destinado a um uso determinado deve tomar uma forma particular. A selecção natural, é necessário não esquecer, somente pode actuar servindo-se do indivíduo, e para seu proveito.

Admite-se geralmente que as partes rudimentares estão sujeitas a uma grande variedade. Teremos de voltar a este assunto; contentar-me-ei em dizer aqui que a sua variabilidade parece resultar da sua inutilidade e de que a selecção natural não pode, pois, impedir que se produzam desvios de conformação.

UMA PARTE EXTRAORDINARIAMENTE DESENVOLVIDA NUMA ESPÉCIE QUALQUER, COMPARATIVAMENTE AO ESTADO DA MESMA PARTE NAS ESPÉCIES VIZINHAS, TENDE A VARIAR MUITO[editar]

M. Waterhouse fez sobre este ponto, há muitos anos, uma nota que me tem interessado muito. O professor Owen parece ter chegado também a conclusões quase análogas. Eu não procuraria convencer alguém da verdade da proposição acima formulada sem a apoiar na exposição de uma longa série de factos que recolhi a este respeito, mas que não podem ter lugar nesta obra.

Devo limitar-me a constatar que, na minha convicção, é essa uma regra muito geral. Sei que há muitas causas de erro, mas espero estar prevenido suficientemente contra elas. Bem entendido está que esta regra se não aplica de forma alguma às partes, por mais extraordinàriamente desenvolvidas que sejam, que não apresentem um desenvolvimento desmesurado numa espécie ou algumas espécies, comparativamente à mesma parte em muitas espécies muito próximas. Assim, ainda que, na classe dos mamíferos, a asa do morcego tenha uma conformação muito anormal, a regra não deveria aplicar-se aqui, porque o grupo inteiro dos morcegos possui asas; aplicar-se-ia apenas se uma espécie qualquer possuísse asas tendo um desenvolvimento notável, em relação às asas das outras espécies do mesmo género. Mas esta regra aplica-se, de um modo quase absoluto, aos caracteres sexuais secundários, quando se manifestam de uma maneira desmedida. O termo carácter sexual secundário, empregado por Hunter, aplica-se aos caracteres que, particulares a um sexo, se não referem directamente ao acto da reprodução. A regra aplica-se aos machos e às fêmeas, menos frequentemente a estas, porque raro é que elas possuam caracteres sexuais secundários notáveis. Os caracteres deste género, quer sejam ou não desenvolvidos de uma maneira extraordinária, são muito variáveis, e é em razão deste facto que a regra pré-citada se aplica tão completamente a eles; creio que não pode haver dúvidas a este respeito. Mas os cirrípedes hermafroditas fornecem-nos a prova de que a nossa regra se não aplica sòmente aos caracteres sexuais secundários; estudando esta ordem, refiro-me particularmente à nota de M. Waterhouse, e estou convencido que a regra se aplica quase sempre. Em obra futura, darei a lista dos casos mais curiosos que recolhi; limitar-me-ei, por agora, a citar um só exemplo que justifica a regra na sua aplicação mais lata. As valvas operculares dos cirrípedes sésseis (baleias) são, em toda a extensão do termo, conformações muito importantes e que diferem muito pouco, mesmo em géneros distintos. Contudo, nas diferentes espécies de um destes géneros, o género Pyrgoma, estas valvas apresentam uma diferenciação notável, tendo as valvas homólogas algumas vezes uma forma inteiramente dissemelhante. A extensão das variações entre indivíduos da mesma espécie é tal, que se pode afirmar, sem exagero, que as variedades da mesma espécie diferem mais umas das outras pelos caracteres tirados destes órgãos importantes do que de outras espécies pertencendo a géneros distintos. Tenho particularmente examinado as aves neste ponto de vista, porque, entre elas, os indivíduos da mesma espécie, habitando o mesmo país, variam extremamente pouco; ora, a regra parece certamente aplicável a esta classe. Não tenho podido determinar que ela se aplique às plantas, mas devo juntar que isto me faria ter sérias dúvidas sobre a sua realidade, se a enorme variabilidade dos vegetais não tornasse extremamente difícil a comparação do seu grau relativo de variabilidade.

Quando uma parte, ou um órgão, se desenvolve numa espécie de modo considerável ou em grau extraordinário, somos levados a crer que esta parte ou este órgão não tem alta importância para a espécie; todavia, a parte está neste caso muito sujeita a variar. Porque é assim? Não posso encontrar qualquer explicação na hipótese a não ser que cada espécie se tornou o objecto de um acto criador especial e que todos estes órgãos, no princípio, eram o que são hoje. Mas, se nos colocarmos na hipótese de que os grupos de espécies derivam de outras espécies em seguida a modificações operadas pela selecção natural, pode-se, creio eu, resolver em parte esta questão. Sejam-me permitidas prèviamente algumas notas preliminares. Se, nos nossos animais domésticos, se despreza o animal inteiro, ou um ponto qualquer da sua conformação e se não se lhe aplica qualquer selecção, a parte desprezada (a crista, por exemplo, na galinha Dorking), ou a raça inteira, deixa de ter um carácter uniforme; poderá dizer-se então que a raça degenera. Ora, o caso é quase idêntico para os órgãos rudimentares, para aqueles que foram apenas pouco especializados em vista de um fim particular e talvez para os grupos polimorfos; nestes casos, com efeito, a selecção natural não exerceu ou não pôde exercer a sua acção, e o organismo ficou assim num estado flutuante. Mas, o que mais nos importa aqui, é que as partes que, nos nossos animais, têm sofrido actualmente alterações mais rápidas em razão de uma selecção contínua, são também as que mais sujeitas estão a variar. Considerem-se os indivíduos de uma mesma raça de pombos, e ver-se-á que prodigiosas diferenças existem nos bicos dos cambalhotas, nos bicos e carúnculas dos correios, no porte e cauda dos pavões, etc., pontos estes que os cultivadores ingleses têm hoje em atenção particular. Há mesmo sub-raças, como a dos cambalhotas, de face curta, nas quais é dificílimo obter aves quase perfeitas, porque muitas se afastam de um modo considerável do tipo admitido. Pode realmente dizer-se que há uma luta constante, de um lado entre a tendência à regressão a um estado menos perfeito, assim como uma tendência inata a novas variações, e, por outro lado, com a influência de uma selecção contínua para que a raça fique pura. No decorrer do tempo, a selecção triunfa, e nós não levamos em linha de conta o pensamento que poderíamos falhar assaz miseràvelmente para obter uma ave tão vulgar como é o cambalhota comum, de um bom casal de cambalhotas de face curta puros. Mas, por mais tempo que a selecção actue enèrgicamente, é necessário esperar por numerosas variações nas partes que estão sujeitas à sua acção.

Examinemos agora o que se passa no estado de natureza, Quando uma parte se desenvolve de um modo extraordinário numa espécie qualquer, comparativamente ao que é a mesma parte nas outras espécies do mesmo género, podemos concluir que esta parte sofreu enormes modificações desde a época em que as diferentes espécies se desligaram do antepassado comum deste género. É raro que esta época seja excessivamente afastada, porque é muito raro que as espécies persistam durante mais que um período geológico. Grandes modificações implicam uma variabilidade extraordinária e continuada por muito tempo, de que os efeitos se tenham acumulado constantemente pela selecção natural com vantagem para a espécie. Mas como a variabilidade da parte ou do órgão desenvolvido de modo extraordinário foi muito grande e muito contínua durante um lapso de tempo que não é excessivamente longo, podemos esperar, em regra geral, encontrar ainda hoje mais variabilidade nesta parte que nas outras partes do organismo, que ficaram quase constantes desde uma época bem mais remota. Ora, estou convencido que esta é a verdade. Não vejo razão alguma para duvidar de que a luta entre a selecção natural com a tendência à regressão e à variabilidade, não cesse no decurso do tempo, e que os órgãos desenvolvidos o mais anormalmente possível, se não tornem constantes. Também, segundo a nossa teoria, quando um órgão, por mais anormal que seja, se transmite quase no mesmo estado a muitos descendentes modificados, a asa do morcego, por exemplo, este órgão devia existir, quase no mesmo estado, numa época recuada, e terminou por não ser mais variável do que qualquer outra conformação. É sòmente nos casos em que a modificação é comparativamente recente e extremamente considerável, que devemos esperar encontrar ainda, num alto grau de desenvolvimento, a variabilidade generativa, como poderia chamar-se-lhe. Neste caso, com efeito, é raro que a variabilidade se tenha fixado pela selecção contínua dos indivíduos variando gradualmente e no sentido desejado, e por exclusão contínua dos indivíduos que tendem a regressar a um estado mais antigo e menos modificado.

OS CARACTERES ESPECÍFICOS SÃO MAIS VARIÁVEIS QUE OS CARACTERES GENÉRICOS[editar]

Pode aplicar-se ao assunto que nos vai ocupar o princípio que acabamos de discutir. É notório que os caracteres específicos são mais variáveis que os caracteres genéricos. Cito um único exemplo para fazer compreender o meu pensamento: se um grande género de plantas encerra muitas espécies, umas tendo flores azuis, outras flores vermelhas, a cor é apenas um carácter específico, e ninguém se surpreenderá de uma espécie azul se tornar vermelha e reciprocamente; se, ao contrário, todas as espécies têm flores azuis, a coloração torna-se um carácter genérico, e a variabilidade desta coloração constitui um facto muito mais extraordinário.

Escolhi este exemplo porque a explicação que daria a maior parte dos naturalistas não poderia aplicar-se aqui; sustentariam, com efeito, que os caracteres específicos são mais variáveis que os caracteres genéricos, porque os primeiros implicam partes tendo uma importância fisiológica menor do que aqueles que se consideram ordinàriamente quando se trata de classificar um género. Creio que esta explicação é verdadeira em parte, mas sòmente de um modo indirecto; terei, demais, de voltar a referir-me a este ponto tratando da classificação. Seria quase supérfluo citar exemplos para provar que os caracteres específicos ordinários são mais variáveis que os caracteres genéricos; quando, porém, se trata de caracteres importantes, tenho notado quase sempre, nas obras sobre história natural, que, quando um autor se admira que qualquer órgão importante, ordinàriamente muito constante, num grupo considerável de espécies, difere muito nas espécies muito vizinhas, é muitas vezes variável nos indivíduos da mesma espécie. Este facto prova que um carácter que tem ordinàriamente um valor genérico torna-se frequentes vezes variável quando perde o seu valor e desce à ordem de carácter específico, posto que a sua importância fisiológica possa ficar a mesma. Alguma coisa de análogo se aplica às monstruosidades; Isidoro Geoffroy Saint-Hilaire, pelo menos, não põe em dúvida que, quanto mais um órgão difere normalmente em diversas espécies do mesmo grupo, tanto mais está sujeito a anomalias entre os indivíduos.

Na hipótese ordinária de uma criação independente para cada espécie, como poderia fazer-se que a parte do organismo que difere da mesma parte noutras espécies do mesmo género, criadas independentemente também, seja mais variável que as partes que se assemelham muito nas diferentes espécies deste género? Quanto a mim, não creio que seja possível explicar este facto. Ao contrário, na hipótese de as espécies não serem senão variedades muito pronunciadas e persistentes, pode atender-se a maior parte das vezes a que as partes da sua organização que têm variado desde uma época comparativamente recente e que, em seguida, se tornaram diferentes, continuam ainda a variar. Ponhamos a questão noutros termos: chamam-se caracteres genéricos os pontos pelos quais todas as espécies de um género se assemelham e diferem dos géneros vizinhos; podem atribuir-se estes caracteres a um antepassado comum que os transmitiu por hereditariedade aos descendentes, porque deve ter sucedido muito raramente que a selecção natural tenha modificado, exactamente da mesma maneira, muitas espécies distintas adaptadas a hábitos mais ou menos diferentes; ora, como estes pretendidos caracteres genéricos foram transmitidos por hereditariedade antes da época em que as diferentes espécies se tinham separado do antepassado comum e que posteriormente estes caracteres não tenham variado, ou que, se diferem, o façam apenas em grau extremamente diminuto, não é provável que variem actualmente. Por outro lado, chamam-se caracteres específicos os pontos pelos quais as espécies diferem das outras espécies do mesmo género; ora, como estes caracteres específicos têm variado e se diferenciaram desde a época em que as espécies se afastaram do ancestral comum, é provável que sejam ainda variáveis num certo grau; pelo menos, são mais variáveis que as partes do organismo que ficaram constantes desde um longo período.

OS CARACTERES SEXUAIS SECUNDÁRIOS SÃO VARIÁVEIS[editar]

Penso que todos os naturalistas admitirão, sem que necessário seja entrar em minuciosidades, que os caracteres sexuais secundários são muito variáveis. Admitiu-se também que as espécies de um mesmo grupo diferem mais umas das outras com respeito a caracteres sexuais secundários do que noutras partes da sua organização: comparem-se, por exemplo, as diferenças que existem entre os galináceos machos, nos quais os caracteres sexuais secundários são muito desenvolvidos, com as diferenças que existem entre as fêmeas. A causa primeira da variabilidade destes caracteres não é evidente; mas, compreendemos perfeitamente porque não são tão persistentes e tão uniformes como os outros caracteres; acumularam-se, com efeito, pela selecção sexual, cuja acção é menos rigorosa que a da selecção natural; a primeira, de facto, não produz a morte, contenta-se em dar menos descendentes aos machos menos favorecidos. Qualquer que possa ser a causa da variabilidade dos caracteres sexuais secundários, a selecção sexual tem um campo, de acção assaz extenso, sendo estes caracteres muito variáveis; ela pôde assim determinar, nas espécies do mesmo grupo, diferenças mais notadas sobre este ponto do que sobre todos os outros.

É um facto bastante notável, que as diferenças secundárias entre os dois sexos da mesma espécie se produzem precisamente sobre os mesmos pontos do organismo, pelos quais as espécies de um mesmo género diferem umas das outras. Quero citar, em apoio desta asserção, os dois primeiros exemplos que se encontram na minha nota; ora, como as diferenças, nestes casos, são de natureza muito extraordinária, é difícil crer que as relações que apresentam sejam acidentais. Um mesmo número de articulações dos tarsos é um carácter comum a grupos muito consideráveis de coleópteros; ora, como o fez notar Westwood, o número destas articulações varia muito nos engídeos, e este número difere também nos dois sexos da mesma espécie. Da mesma forma, nos himenópteros cavadores, o modo de nervação das asas é um carácter de alta importância, porque é comum a grupos consideráveis; mas a nervação, em certos géneros, varia nas diversas espécies e também nos dois sexos de uma mesma espécie. Sir J. Lubbock fez recentemente notar que muitos dos pequenos crustáceos oferecem excelentes exemplos desta lei. «Assim, no Pontellus, são as antenas anteriores e o quinto par de patas que constituem os principais caracteres sexuais; são também estes órgãos que fornecem as principais diferenças específicas». Esta relação tem para mim uma significação muito clara; eu considero que todas as espécies de um mesmo género derivam também certamente de um antepassado comum, e que os dois sexos de uma mesma espécie derivam do mesmo ancestral. Por conseguinte, se uma parte qualquer do organismo do antepassado comum, ou dos seus primeiros descendentes, é tornada variável, é muito provável que a selecção natural e a selecção sexual estejam dominadas pelas variações desta parte para adaptar as diferentes espécies a ocupar diversos lugares na economia da natureza, para apropriar um ao outro os dois sexos da mesma espécie, e enfim preparar os machos para lutar com os outros machos para a posse das fêmeas.

Chego, pois, à conclusão da conexidade íntima de todos os princípios seguintes, a saber: a variabilidade maior dos caracteres específicos, ou seja, dos que distinguem as espécies umas das outras, comparativamente à dos caracteres gerais, isto é, os caracteres possuídos em comum por todas as espécies de um género; — a excessiva variabilidade que apresenta muitas vezes um ponto qualquer quando é desenvolvida numa espécie de uma maneira extraordinária, comparativamente ao que é nas espécies congéneres; e o pouco de variabilidade de um ponto, por mais desenvolvido que possa ser, é comum a um grupo inteiro de espécies; — a grande variabilidade de caracteres sexuais secundários e as diferenças consideráveis que apresentam nas espécies muito vizinhas; — os caracteres sexuais secundários manifestam-se geralmente nos mesmos pontos do organismo onde existem as diferenças específicas ordinárias. Todos estes princípios derivam principalmente de que as espécies de um mesmo grupo descendem de um ancestral comum que lhes transmitiu por hereditariedade muitos dos caracteres comuns; — de que as partes que têm recentemente variado de maneira considerável têm mais tendência a continuar a fazê-lo que as partes fixas que não têm variado desde há muito; — de que a selecção natural tem, segundo o lapso de tempo decorrido, dominado mais ou menos completamente a tendência à regressão e a novas variações; — de que a selecção sexual é menos rigorosa que a selecção natural; — enfim, de que a selecção natural e a selecção sexual têm cumulado as variações nas mesmas partes e as têm adaptado assim a diversos fins, quer sexuais, quer ordinários.

AS ESPÉCIES DISTINTAS APRESENTAM VARIAÇÕES ANÁLOGAS, DE TAL MANEIRA QUE UMA VARIEDADE DE UMA ESPÉCIE REVESTE MUITAS VEZES UM CARÁCTER PRÓPRIO A UMA ESPÉCIE VIZINHA, OU REGRESSA A ALGUNS DOS CARACTERES DE UM ANTEPASSADO DISTANTE[editar]

Compreender-se-ão fàcilmente estas proposições examinando as nossas raças domésticas. As raças mais distintas de pombos, em países muito afastados uns dos outros, apresentam subvariedades caracterizadas por penas reviradas sobre a cabeça e por patas emplumadas, caracteres que não possuía o torcaz primitivo; é isto um exemplo de variações análogas em duas ou mais raças distintas. A presença frequente, no grande-papudo, de catorze e mesmo dezasseis penas caudais pode ser considerada como uma variação representando a conformação de uma outra raça, o pombo-pavão. Ninguém deixará de admirar, penso eu, que estas variações análogas provêm de que um predecessor comum transmitiu por hereditariedade às diferentes raças de pombos uma mesma constituição e uma tendência à variação, quando são expostas a influências desconhecidas semelhantes. O reino vegetal fornece-nos um caso de variações análogas nos caules tumefeitos, ou, como se designam habitualmente, nas raízes dos nabos da Suécia e do rutabaga, duas plantas que alguns botânicos consideram como variedades derivando de uma origem comum e produzidas pela cultura; se não fosse assim, haveria então um caso de variação análoga entre duas pretendidas espécies distintas, às quais poderia juntar-se uma terceira, o nabo ordinário. Na hipótese da criação independente das espécies, teríamos que atribuir esta semelhança de desenvolvimento de caules nas três plantas, não à verdadeira causa, isto é, à comunhão de descendência e à tendência a variar numa mesma direcção que é a consequência, mas a três actos distintos da criação, actuando sobre formas extremamente vizinhas. Naudim observou muitos casos semelhantes de variedades análogas na grande família das cucurbitáceas, e diversos sábios nos cereais. M. Walsh discutiu ùltimamente com muito talento diversos casos semelhantes que se apresentam nos insectos no estado de natu- reza, e agrupou-os sob a sua lei de igual variabilidade.

Todavia, encontramos um outro caso nos pombos, isto é, a aparição acidental, em todas as raças, de uma coloração azul-ardósia, de duas faixas negras sobre as asas, dos flancos brancos, com uma barra na extremidade da cauda, de que as penas exteriores são, junto da base, exteriormente bordadas de branco. Como estes diferentes sinais constituem um carácter de origem comum, o torcaz, ninguém contestaria, creio eu, que isto seja um caso de regressão e não uma variação nova e análoga que aparece em muitas raças. Podemos, assim o penso, admitir esta conclusão com toda a segurança; porque, como temos visto, estes sinais coloridos estão muito sujeitos a aparecer nos filhos resultando do cruzamento de duas raças distintas tendo uma coloração diferente; ora, neste caso, não há nada nas condições exteriores de existência, salvo a influência do cruzamento sobre as leis da hereditariedade, que possa causar a reaparição da cor azul-ardósia acompanhada de outros diversos sinais.

Sem dúvida, é muito surpreendente que reapareçam caracteres depois de terem desaparecido durante um grande número de gerações, centenas talvez. Mas, numa raça cruzada uma só vez com uma outra raça, a descendência apresenta acidentalmente, durante muitas gerações — alguns autores dizem durante uma dezena ou mesmo durante uma vintena — uma tendência a regressar aos caracteres da raça estrangeira. Depois de doze gerações, a proporção do sangue, para empregar uma expressão vulgar, de um dos predecessores é apenas de 1 para 2048; e portanto, como vemos, julga-se geralmente que basta esta proporção infinitamente pequena de sangue estranho para determinar uma tendência ao regresso. Numa raça que não tenha sido cruzada, mas na qual os dois predecessores-origem têm perdido alguns caracteres que possuía o seu predecessor comum, a tendência ao regresso a este carácter perdido poderia, depois de tudo o que podemos saber, transmitir-se de modo mais ou menos frisante durante um número ilimitado de gerações. Quando um carácter perdido reaparece numa raça após um grande número de gerações, a hipótese mais provável é, não que o indivíduo afectado se coloque prestes a assemelhar-se a um predecessor de que está separado por muitas centenas de gerações, mas que o carácter em questão se encontrasse em estado latente nos individuos de cada geração sucessiva e que enfim este característico se tenha desenvolvido sob a influência de condições favoráveis, de que nós ignoramos a causa. Nos pombos bárbaros, por exemplo, que produzem muito raramente aves azuis, é provável que haja nos indivíduos de cada geração uma tendência latente à reprodução da plumagem azul. A transmissão desta tendência, durante um grande número de gerações, não é mais difícil de compreender que a transmissão análoga de órgãos rudimentares completamente inúteis. A simples tendência à produção de um rudimento é mesmo algumas vezes hereditária.

Como supusemos que todas as espécies de um mesmo género derivam de uma origem comum, poderíamos esperar que elas variassem acidentalmente de maneira análoga; de tal modo que as variedades de duas ou muitas espécies se assemelhariam, ou que uma variedade se assemelharia por certos caracteres a uma outra espécie distinta — sendo esta, pela nossa teoria, apenas uma variedade permanente bem acentuada. Os caracteres exclusivamente devidos a uma variação análoga teriam provàvelmente pouca importância, porque a conservação de todos os caracteres importantes é determinada pela selecção natural, que os apropria aos hábitos diferentes da espécie. Poderia esperar-se, além disso, que as espécies de um mesmo género apresentassem acidentalmente caracteres perdidos desde há muito. Todavia, como não conhecemos o predecessor comum de um grupo natural qualquer, não podemos distinguir os caracteres devidos à regressão dos que provêm de variações análogas. Se, por exemplo, ignorássemos que o pombo-torcaz, origem dos nossos pombos domésticos, não tinha nem penas nas patas, nem penas voltadas na cabeça, ser-nos-ia impossível dizer se deveriam ser atribuídos estes caracteres a um facto de regressão ou ùnicamente a variações análogas; mas teríamos podido concluir que a cor azul é um caso de regressão, por causa do número de sinais que estão em relação com esta cambiante, sinais que, segundo toda a probabilidade, não apareceriam todos reunidos no caso de simples variação; estaríamos, além disso, tanto mais certos de chegar a esta conclusão, quanto a coloração azul e os diferentes sinais reaparecem muitas vezes quando se cruzam raças tendo cores diversas. Por conseguinte, posto que, nas raças que vivem no estado de natureza pudéssemos apenas raramente determinar quais os casos de regressão a um carácter anterior, e quais os que constituem uma variação nova, mas análoga, deveríamos, todavia, pela nossa teoria, encontrar algumas vezes nos descendentes de uma espécie em via de modificação, caracteres que existem já noutros elementos do mesmo grupo. Ora, é isto certamente o que acontece.

A dificuldade experimentada em distinguir as espécies variáveis provém, em grande parte, de que as variedades imitam, por assim dizer, outras espécies do mesmo género. Poderia também fazer-se um catálogo considerável de formas intermédias entre duas outras formas que não é possível ainda considerar-se a não ser como espécies duvidosas; ora, isto prova que as espécies, variando, têm revestido alguns caracteres pertencendo a outras espécies, a não ser que se admita uma criação independente para cada uma destas formas tão próximas. Todavia, encontramos a melhor prova de variações análogas nas partes ou órgãos que têm um carácter constante, mas que, contudo, variam acidentalmente de modo a assemelhar-se, em certa medida, à mesma parte ou mesmo órgão numa espécie vizinha. Constitui uma longa série destes casos, mas infelizmente encontro-me na impossibilidade de poder dá-la aqui. Devo, pois, contentar-me com afirmar que estes casos se apresentam na realidade e que são muito notáveis.

Não obstante, citarei um exemplo curioso e complicado, não que afecte um carácter importante, mas porque se apresenta em muitas espécies do mesmo género, de que umas estão reduzidas ao estado doméstico e outras vivem no estado selvagem. É quase certamente um caso de regressão. O jumento tem, nem sempre, nas pernas riscas transversais muito distintas, semelhantes às que se encontram nas pernas da zebra; tem-se afirmado que estas riscas são muito mais manifestas no jumentinho, e os estudos que fiz sob tal ponto confirmam-me este facto. A risca da espádua é algumas vezes dupla e varia muito com respeito a cor e a desenho. Tem-se descrito um jumento branco, mas não albino, que não possuía risca alguma nem sobre a espádua nem sobre o dorso; — estas duas riscas são algumas vezes muito fracamente notadas ou faltam por completo nos jumentos de cor escura. Tem-se visto, afirmam, o koulan de Palas com uma dupla risca sobre a espádua. M. Blyth observou uma hemíona tendo sobre a espádua uma risca distinta, posto que este animal não a tenha de ordinário. O coronel Poole informou-me, além disso, que os novos desta espécie têm ordinàriamente as pernas raiadas e uma faixa fracamente notada sobre a espádua. O quaga, de que o corpo é como o da zebra, tão completamente listrado, não tem, contudo, riscas nas pernas; porém, o Dr. Gray desenhou um destes animais cujas canelas tinham zebraduras muito frisantes.

Com respeito ao cavalo, recolhi em Inglaterra exemplos da risca dorsal, nos cavalos pertencendo às raças mais caracteristicas e tendo faixas de todas as cores. As riscas transversais nas pernas não são raras nos cavalos isabel e nos de pêlo de rato; tenho-as observado também no alazão; percebe-se algumas vezes uma ligeira risca sobre a espádua dos cavalos isabel e tenho notado um fraco vestígio no cavalo baio. Meu filho estudou com cuidado e desenhou um cavalo de tiro belga, de cor isabel, tendo as pernas raiadas e uma dupla risca sobre cada espádua; eu mesmo tive ocasião de ver um pónei isabel de Devonshire, e descreveram-me, com cuidado, um pequeno pónei tendo a mesma faixa, originário do País de Gales, e ambos tinham três riscas paralelas na espádua.

Na região noroeste da Índia, a raça dos cavalos Kattywar é tão geralmente listrada, que, segundo o coronel Poole, que a estudou para o governo indiano, não se considera como raça pura um cavalo desprovido de riscas. A risca dorsal existe sempre; as pernas são ordinàriamente raiadas, e a risca da espádua, muito comum, é algumas vezes dupla e mesmo tripla. As riscas são, frequentemente, muito caracterizadas no potro, desaparecem algumas vezes completamente nos velhos cavalos. O coronel Poole teve ocasião de ver cavalos Kattywar cinzentos e baios raiados no momento do parto. Indicações que me têm sido fornecidas por M. W. W. Edwards, autorizam-me a crer que, no cavalo de corrida inglês, a risca dorsal é muito mais comum no potro que no animal adulto. Eu mesmo tenho tratado recentemente um potro proveniente de uma égua baia (e esta produto de um cavalo turcomano e de uma égua flamenga) e de um cavalo de corrida inglês, tendo uma faixa baia; este potro, na idade de uma semana, apresentava entre as ancas e na fronte numerosas zebraduras carregadas muito estreitas e ligeiras riscas nas pernas; todas estas riscas desapareceram, em breve, completamente. Sem entrar aqui em mais amplas minúcias, posso notar que tenho entre mãos muitos documentos estabelecendo de maneira positiva a existência de riscas nas pernas e nas espáduas de cavalos pertencendo às mais diversas raças e provenientes de todos os países, desde a Inglaterra à China, e desde a Noruega, ao norte, até ao arquipélago malaio, ao sul. Em todas as partes do mundo, as riscas apresentam-se as mais das vezes nos cavalos isabéis e pêlo-de-rato; compreendo, no termo isabel, uma grande variedade de cambiantes estendendo-se entre o escuro-negro, de uma parte, e da outra a cor de café com leite.

Eu sei que o coronel Hamilton Smith, que escreveu sobre este assunto, julga que as diferentes raças de cavalos descendem de muitas espécies primitivas, de que uma tendo a cor isabel era raiada, e atribui a antigos cruzamentos com esta origem todos os casos que acabamos de descrever. Mas, pode rejeitar-se esta maneira de ver, porque é muito improvável que o grande cavalo de tiro belga, que os póneis do País de Gales, o duplo pónei da Noruega, a raça delicada de Kattywar, etc., habitando partes do globo tão afastadas, tenham todas sido cruzadas com uma suposta fonte primitiva.

Examinemos agora os efeitos dos cruzamentos entre as diferentes espécies do género cavalo. Rollin afirma que o macho ordinário, produto da burra e cavalo, é particularmente sujeito a ter as pernas listradas; segundo M. Gosse, nove décimos dos machos encontram-se neste caso, em certas partes dos Estados Unidos. Vi, uma vez, um macho cujas pernas eram listradas a tal ponto que poderia tomar-se como híbrido de zebra; M. W. C. Martin, no seu excelente Tratado do Cavalo, apresentou um macho semelhante. Vi quatro desenhos coloridos representando híbridos entre o jumento e a zebra; ora, as pernas são muito mais listradas que o resto do corpo; um deles, além disso, tem uma dupla risca sobre a espádua. No famoso híbrido obtido por lorde Morton, do cruzamento de uma égua alazã com um quaga, o híbrido, e mesmo os potros puros que a mesma égua deu subsequentemente com um cavalo árabe negro, tinham sobre as pernas riscas ainda mais pronunciadas do que existem no quaga puro. Enfim, e é este um dos casos mais notáveis, o Dr. Gray apresentou um híbrido (diz-me ele que em seguida teve ocasião de ver um segundo exemplo) provindo do cruzamento de um burro e de uma hemíona; posto que o jumento tenha apenas acidentalmente riscas sobre as pernas e que elas faltem, assim como a risca sobre a espádua, na hemíona, este híbrido tinha, além das riscas nas quatro pernas, três curtas riscas na espádua, semelhantes às do pónei isabel de Devonshire e do pónei isabel do País de Gales que temos descrito; tinha, além disso, algumas marcas zebradas nos lados da face. Eu estava tão convencido, relativamente a este último facto, que nenhuma destas riscas pode provir do que se chama ordinàriamente o acaso, que só o facto da aparição destas zebraduras da face, no híbrido do jumento e da hemiona, me excitou a perguntar ao coronel Poole se não existiam iguais caracteres na raça de Kattywar, tão eminentemente sujeita a apresentar riscas, e a resposta, como já vimos, foi afirmativa.

Ora, que conclusão devemos tirar destes factos? Vemos algumas espécies distintas do género cavalo que, por simples variações, apresentam riscas nas pernas, como a zebra, ou nas espáduas, como o jumento. Esta tendência aumenta no cavalo desde que aparece a cor isabel, cambiante que se aproxima da coloração geral das outras espécies do género. Nenhuma mudança de forma, nenhum outro carácter novo acompanha a aparição das riscas. Esta mesma tendência a tornar-se listrada manifesta-se muito fortemente nos híbridos provindo da união das espécies mais distintas. Ora, voltemos ao exemplo das diferentes raças de pombos: derivam todas de um pombo (compreendendo nela duas ou três subespécies ou raças geográficas) tendo uma cor azulada e tendo, demais, certas riscas e certas marcas; quando uma raça qualquer de pombos reveste, por uma simples variação, a cambiante azulada, estas riscas e estas outras marcas reaparecem invariàvelmente, mas sem que se produza qualquer outra mudança de forma ou de carácter. Quando se cruzam as raças mais antigas e mais constantes, afectando diferentes cores, nota-se uma grande tendência à reaparição, no híbrido de cor azulada, de riscas e marcas. Tenho dito que a hipótese mais provável para explicar a reaparição de caracteres muito antigos é que há nos novos de cada geração sucessiva uma tendência a revestir um carácter desde há muito perdido, e que têm algumas vezes esta tendência em razão de causas desconhecidas. Ora, acabamos de ver que, em muitas espécies do género cavalo as riscas são mais pronunciadas ou reaparecem mais ordinàriamente no novo que no adulto. Como se chamam espécies a estas raças de pombos, de que muitas são constantes desde séculos, e se obtém um caso exactamente paralelo ao das espécies do género cavalo! Quanto a mim, indo com o pensamento a alguns milhões de gerações atrás, antevejo um animal raiado como a zebra, mas talvez de uma construção tão diferente com respeito a outras relações, predecessor comum do nosso cavalo doméstico (quer este último derive ou não de muitas origens selvagens), do jumento, da hemíona, do quaga e da zebra.

Ainda que se admita que cada espécie do género cavalo faz o objecto de uma criação independente, é-se disposto a admitir, presumo eu, que cada espécie foi criada com uma tendência à variação, tanto no estado selvagem como no estado doméstico, de modo a poder revestir acidentalmente as riscas características das outras espécies do género; deve admitir-se também que cada espécie foi criada com uma outra tendência muito pronunciada, a saber, que, cruzada com espécies vivendo nos mais afastados pontos do globo, produziu híbridos semelhantes pelas riscas, não aos pais, mas a outras espécies do género. Admitir tal hipótese é querer substituir uma causa real por outra imaginária, ou pelo menos desconhecida; é querer, numa palavra, fazer da obra divina uma irrisão e uma decepção. Quanto a mim, eu desejaria admitir também, com os cosmogonistas ignorantes de há alguns séculos, que as conchas fósseis não viveram, mas foram feitas em pedra para imitar as que vivem nas praias do mar.

RESUMO[editar]

A nossa ignorância com respeito às leis da variação é muito profunda. Não podemos, uma vez por cento, pretender indicar as causas de uma variação qualquer. Contudo, todas as vezes que podemos reunir os termos de uma comparação, notamos que as mesmas leis parecem ter actuado para produzir tanto as pequenas diferenças que existem entre as variedades de uma mesma espécie, como as grandes diferenças que existem entre as espécies do mesmo género. A mudança das condições não produz geralmente senão uma variedade flutuante, mas algumas vezes também efeitos diversos e definidos; ora, estes efeitos podem, com o tempo, tornar-se muito pronunciados, posto que nada possamos afirmar, por falta de provas suficientes. O hábito, produzindo particularidades constitucionais, o uso fortificando os órgãos, e a falta de uso enfraquecendo-os ou diminuindo-os, parecem, em muitos casos, ter exercido uma acção considerável. As partes homólogas tendem a variar de forma igual e a soldar-se. As modificações das partes duras e externas afectam algumas vezes as partes moles e internas. Uma parte muito desenvolvida tende talvez a atrair a si a nutrição das partes adjacentes, e toda a parte da formação é economizada, que o pode ser sem inconveniente. As modificações da formação, durante a primeira idade, podem afectar partes que se hão-de desenvolver mais tarde; produzem-se, sem dúvida alguma, muitos casos de variações correlativas de que não podemos compreender a natureza. As partes múltiplas são variáveis, no ponto de vista do número e da formação, o que provém talvez de tais partes não serem rigorosamente especializadas para desempenhar funções particulares; as suas modificações escapam à acção rigorosa da selecção natural. É provavelmente também a esta mesma circunstância que deve atribuir-se a variabilidade maior dos seres colocados na ordem inferior da escala orgânica do que nas formas mais elevadas, de que a organização inteira é mais especializada. A selecção natural não tem acção sobre os órgãos rudimentares, sendo estes órgãos inúteis, e, por isso, variáveis. Os caracteres específicos, isto é, os que começaram a diferir desde que as diversas espécies do mesmo género se destacaram do predecessor comum, são mais variáveis que os caracteres genéricos, isto é, os que, transmitidos por hereditariedade desde há muito, não têm variado durante o mesmo lapso de tempo. Indicámos já, a este respeito, partes ou órgãos especiais que são ainda variáveis porque têm variado recentemente e são assim diferenciados; mas vimos igualmente, no segundo capítulo, que o mesmo princípio se aplica a um indivíduo por completo; com efeito, nas localidades em que se encontram muitas espécies de um género qualquer — isto é, onde houve precedentemente muitas variações e diferenciações, e onde uma criação activa de novas formas específicas se realizou — encontra-se hoje em média, nestes mesmos lugares e nestas mesmas espécies, o maior número de variedades. Os caracteres sexuais secundários são extremamente variáveis; estes caracteres, além disso, diferem muito nas espécies do mesmo grupo. A variabilidade dos mesmos pontos de organização tem geralmente tido como resultado determinar diferenças sexuais secundárias nos dois sexos da mesma espécie e diferenças específicas nas diversas espécies do mesmo género. Toda a parte ou todo o órgão que, comparado ao que existe numa espécie vizinha, apresenta um desenvolvimento anormal nas dimensões ou na forma, deve ter sofrido uma soma considerável de modificações desde a formação do género, o que nos explica a causa de ser muito mais variável que as outras partes da organização. A variação é, com efeito, um processo lento e prolongado, e a selecção natural, nos casos semelhantes, não teve ainda tempo de vencer a tendência à variabilidade ulterior, ou ao regresso a um estado menos modificado. Quando, porém, uma espécie, possuindo um órgão extraordinàriamente desenvolvido se torna origem de um grande número de descendentes modificados — o que, na nossa hipótese, supõe um período muito longo — a selecção natural tem podido dar ao órgão, por extraordinàriamente desenvolvido que possa ser, um carácter fixo. As espécies que receberam por hereditariedade dos pais comuns uma constituição quase análoga e que foram submetidas a influências semelhantes, tendem naturalmente a apresentar variações análogas ou a regressar acidentalmente a alguns caracteres dos primeiros predecessores. Ora, ainda que a regressão e as variações análogas não possam produzir novas modificações importantes, estas modificações não contribuem menos para a diversidade, magnificência e harmonia da natureza.

Seja qual for a causa determinante das leves diferenças que se produzem entre o descendente e o ascendente, causa que deve existir em cada caso, temos razão para crer que a acumulação constante das diferenças vantajosas determinou todas as modificações mais importantes da organização relativamente aos hábitos de cada espécie.