Os Noivos/I

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Varanda. À esquerda um oratório iluminado, colocado sobre uma cômoda. Ao fundo, tábua de engomar. Do teto pende um lampião. Cadeiras de pau. Ao fundo, parapeito. Além, campo, em perspectiva.

Cena I[editar]

O Tenente-Coronel, de pé, junto ao oratório; ajoelhadas a seu lado Leonor e Dona Maria ; mais afastados, e ajoelhados também, escravos e escravas. Rezam.

Ave Maria

Coro - Ave Maria, cheia de graça!

Ave Maria, cheia de amor!

Nossos pecados gentil perdoa,

Mãe adorada do Redentor!

Ave Maria, cheia de graça!

Ave Maria, cheia de luz!

Ave Maria, pomba divina!

Ave Maria, mãe de Jesus!

(Continua a música na orquestra. Erguem-se Todos silenciosamente.)

Os Escravos - A benção, sinhô? A benção, sinhá?

O Tenente-Coronel - Adeus.

Leonor - Adeus. (Vai encostar-se pensativa à cômoda.)

O Tenente-Coronel - Tomem a benção à Senhora Dona Maria!

Os Escravos - A benção, sinhá velha?

Dona Maria (À parte.) - Sinhá velha! Desavergonhados. (Alto.) Boa noite.

(Os escravos retiram-se, entoando um motivo da Ave-Maria. As vozes perdem-se ao longe.)

Cena II[editar]

O Tenente-Coronel, Leonor. Dona Maria

O Tenente-Coronel (Apagando as velas que iluminam o oratório e fechando-o.) - Boa noite.

Dona Maria (Sentando-se.) - Boa noite, Senhor Tenente Coronel.

Leonor - A benção, dindinho?

O Tenente-Coronel - Deus te faça santa. (Indo dar-lhe a mão a beijar.) Deus te faça santa. (Fazendo baixar o lampião e acendendo-o com um fósforo.) Ainda está bastante claro, mas fica feito o serviço. Neste tempo, quando menos se espera, é noite fechada. (Indo sentar-se junto de Dona Maria.) Tem-se aborrecido muito na fazenda, não é assim, Senhora Dona Maria?

Dona Maria - Eu? Pelo amor de Deus, Senhor Tenente-Coronel! Há oito dias que aqui estou e não tenho vontade alguma de voltar para a vila. Aquilo anda por lá muito civilizado. Ou viver na roça, mas na roça propriamente dita, ou corte; eu sou pelos extremos.

O Tenente-Coronel - Ainda bem!

Dona Maria - Estou aqui tão bem como se estivesse em casa de minha irmã das Laranjeiras.

O Tenente-Coronel - Faça de conta que está em sua casa. Vou dar uma volta pelo terreiro. Até já, Senhora Dona Maria.

Dona Maria - Até já, Senhor Tenente-Coronel.

O Tenente-Coronel - Até já, menina. Você anda triste; o que é isso?

Leonor - Nada, dindinho.

O Tenente-Coronel (Arremedando-a.) - Nada, dindinho. - Quem bem nada não se afoga. (Sai pelo fundo.)

Cena III[editar]

Leonor, Dona Maria

Dona Maria - Seu padrinho tem razão, a senhora não tem estado no seu natural. Pois olhe, não parece que haja motivo... é tão feliz... (Leonor chora.) Então? O que dizia eu? Está chorando...

Leonor - Não é nada...

Dona Maria - Vamos... diga-me... Confie-me as suas mágoas. Quem sabe se não lhe poderei dar remédio? Donde não se espera, daí é que vem. (Toma-a pela mão, fá-la sentar-se ao seu lado.) Conte-me tudo.

Leonor (Lacrimosa.) - A senhora lembra-se do Frederico?

Dona Maria - Do filho do seu padrinho? Perfeitamente. E daí?

Leonor - Quando o Frederico veio, há dois meses, passar as férias na fazenda, disse-me que gostava muito de mim.

Dona Maria - E a senhora?

Leonor - Eu... disse-lhe que também gostava muito dele.

Dona Maria - E enganava-o?

Leonor - Não; mas enganava-me a mim própria; porque, depois que voltou para a corte, nunca mais me lembrei dele.

Dona Maria - E é isso motivo par andar triste?

Leonor - O motivo é que jurei pela salvação de minha’lma não pertencer a outro homem; dei-lhe a minha palavra de honra que o esperaria...

Dona Maria - Mas apareceu O Doutor Pinheirinho, o juiz municipal, e a senhora esqueceu-se.

Leonor - Do Frederico, é verdade... Oh! eu não desgosto do Frederico... fomos educados juntos por dindinho, que me recebeu em sua casa mal fiquei órfã... tendo-lhe amizade... mas aO Doutor Pinheirinho... (Ergue-se. Dona Maria ergue-se também.) Oh! aO Doutor Pinheirinho tenho o mais ardente amor!


Coplas

I


- Eu quando o vi a vez primeira

nem sei dizer o que senti;

Pus-me a tremer desta maneira...

tremi... tremi...

Dona Maria - Tremeu?

Leonor - Tremi!

Deitar-me fui, mas não dormi...

E só lá pela madrugada,

É que fiquei mais sossegada...

Sentia como um peso aqui.

Dona Maria - Aí?

Leonor - Aqui


II


Com Frederico... é diferente...

Não sinto aquele mesmo ardor!

É que namoro isto é somente,

E o outro amor!

Dona Maria - Amor!

Leonor - Amor...

Ora imagine o dissabor,

se Frederico da promessa

o cumprimento quer depressa!

Valha-me Deus! que horror! que horror!

Dona Maria - Que horror!

Leonor - Que horror!

Aconselhe-me: a senhora no meu lugar, o que faria?

Dona Maria - Sei lá! O que lhe recomendo é que - um ou outro - agarre! Agarre com unhas e dentes! A senhora tem de mais o que muitas tem de menos, mas não facilite, que dia de fartura é véspera de necessidade. No meu tempo... quero dizer: quando eu era mais criança, os pretendentes eram assim. (Gesto indicando que eram muitos.) Facilitei, e o resultado foi este que a senhora está vendo... Mais feliz foi minha irmã das Laranjeiras. - Olhe, o que posso fazer é isto: Finjo-me apaixonada pelo Frederico; ele provavelmente fica pelo beicinho e esquece da senhora. Aceita?

Leonor (Irônica.) - Aceito. É infalível.

O Tenente-Coronel (Fora.) Ó Leonor?

Leonor - Dindinho chama-me. Com sua licença. (Saindo.) Senhor?

Cena IV[editar]

Dona Maria, só

[Dona Maria] - Pois será possível que eu não ache marido? Eu, que tenho quarenta apólices da dívida pública e uma casa assobradada na vila, afora o que ainda pode vir da minha irmã das Laranjeiras? A pretexto de mudar de ares, vim passar quinze dias na fazenda, com olho no Tenente-Coronel; mas qual! o diabo do homem pensa tanto em casar como eu em ficar solteira. Vou atirar o anzol ao filho! é um bonito rapaz e daqui a alguns tempos está senhor doutor! Há de ser um gosto! Não hei de faltar aos bailes, espetáculos, consertos, touradas, corridas e regatas!... Regatas, então! Não sei o que é, nunca vi... mas parece-me que hei de ser muito regateira. - Vou escrever a minha irmã das Laranjeiras. (Vai saindo; entra O Doutor Pinheiro.) Oh! Senhor Doutor Pinheirinho! Já... tão cedo?...

Cena V[editar]

Dona Maria, O Doutor Pinheiro

O Doutor (Em traje de montar.) - Tem passado bem, minha senhora? (Aperta a mão de Dona Maria.)

Dona Maria - Não... não... Muito nervosa... muito agitada... E o senhor? Está pálido! Sucedeu-lhe alguma coisa?

O Doutor - Sucedeu.

Dona Maria - Sim? o que foi?

O Doutor - Faça o favor de ouvir, e, como já não é criança... e deve ter alguma experiência.

Dona Maria - Pouco mais velha serei do que o senhor... Mas, enfim...

O Doutor - Mas enfim, há de dar-me um bom conselho talvez... Queira sentar-se... (Sentam-se.) Poucos dias antes de ser nomeado juiz municipal deste termo, caí em prometer casamento à filha de um empregado público, na corte.

Dona Maria - Deveras? (À parte.) Que coincidência?

O Doutor - Faça a senhora idéia de que acabo de receber uma carta desse respeitável chefe de família.

Dona Maria - Sim?

O Doutor (Dando-lhe uma carta.) - Leia.

Dona Maria - Com sua licença. (Lendo.) “Doutor, como tenho de ir até essa vila, tratar de negócios relativos ao futuro da minha filha, peço-lhe que me dê em sua casa hospedagem por dois ou três dias. De seu amigo, Passos Pereira.” (Restituindo a carta.) Está visto que o tal Passos Pereira vem buscar o cumprimento da promessa.

O Doutor - Mas ele nada sabia.

Dona Maria - A filha provavelmente disse-lho. E razão teve ela! É um meio como outro qualquer e pôr um noivo no seguro. E os noivos são tão raros, meu rico senhor doutor! Isto é: raros para umas... para outras não... Olhe, eu creio que estou resolvida...

O Doutor (Erguendo-se.) - A casar?

Dona Maria (Com indiferença.) - A casar... Instam tanto comigo! O pretendente não lhe é estranho...

O Doutor - A mim? (Sentando-se de novo.) Mas, vamos! o que me aconselha, Senhora Dona Maria? Eu não desgosto de Francelina...

Dona Maria - Francelina? Ah! É a filha do empregado público...

O Doutor - Não desgosto dela... Oh! mas depois que vi Leonor...

Dona Maria (À parte.) - Tal e qual como a outra!

O Doutor - Oh! Leonor! (Ergue-se, bem como Dona Maria.)


Rondó


- Ai, que o teu rosto sereno

Enfeitiçou-me, Leonor!

Meu coração é pequeno,

Pequeno pra tanto amor!

Meus olhos por teus encantos

Enfeitiçados estão;

Eles são tais e tantos,

Que quase perco a razão!

A pobre mãe, que perdeste,

Amor te devera ter,

Porém mais forte do qu’este

Não to pudera of’recer.

Anjo de amor, adorado

Mais do que os anjos o são,

Ver-me contigo casado

É toda minha ambição.

Se num momento maldito,

Por outra o peito me arfou,

O dito dou por não dito,

Pois só teu... só teu... teu sou!

Ai, que o teu rosto sereno

Enfeitiçou-me Leonor!

Meu coração é pequeno,

Pequeno pra tanto amor.

Mas, afinal de contas, o que me aconselha, Senhora Dona Maria?

Dona Maria - Eu lhe digo... (Entra o Tenente-Coronel.)

Cena VI[editar]

Dona Maria, O Doutor, o Tenente-Coronel , depois um negro.

O Tenente-Coronel - Ora viva, doutor; estava aí? (Aperta-lhe a mão. Cumprimentam-se.) Veio a propósito; tenho que lhe falar em particular.

Dona Maria (Fazendo uma mesura.) - Visto isso, Senhor Tenente-Coronel!...

O Tenente-Coronel - São duas palavrinhas só. (Dona Maria vai saindo. Entra um negro escravo com uma bandeja cheia de xícaras de café e açucareiro.)

Dona Maria - Está aí o café. (Serve-se de uma xícara, tempera e sai. Enquanto sai, à parte.) O que não me faz conta é que se desmanche o casamento dO Doutor com a Leonor. Quero o Frederico livre e desembaraçado. (Desaparece. Durante o aparte, o negro tem-se aproximado dos dois, que se servem. O negro sai.)

Cena VII[editar]

O Doutor, O Tenente-Coronel

O Tenente-Coronel - Tanto paga de pé como sentado. (Senta-se. Cena muda. Sorvem o café. O Tenente-Coronel deita os eu no pires, e esfria-o, soprando. AO Doutor:) Está bom de açúcar?

O Doutor - Muito bom.

O Tenente-Coronel - Deste, aposto que não se toma na corte.

O Doutor - Qual! Nem no Beco das Cancelas! (Vai colocar as xícaras sobre o parapeito e volta a sentar-se. À parte.) Onde vai tocar sei eu..

O Tenente-Coronel (Solenemente.) - Senhor Doutor Pinheirinho... ou por outra: Senhor Doutor Pinheiro... O meu compadre Chico Barbosa... ou por outra Francisco Barbosa... (Pausa.) morreu há dezesseis anos...

O Doutor (À parte.) - É o que eu digo...

O Tenente-Coronel - Deixou mulher e uma pequenita deste tamanho... A pequenita, porque a mulher... (Indica o tamanho.) A mulher pouco tempo sobreviveu ao dito meu compadre, e a pequenita, que é a Leonor, confiou-ma a viúva poucos momentos antes de morrer... Sou seu padrinho e tutor... A pequenita cresceu... Vossa Senhoria gostou dela; ela gostou de Vossa Senhoria... (Com resolução.) O que eu desejo saber, senhor doutor, é se esta letra está ou não está vencida!

O Doutor (À parte.) - O que dizia eu? (Alto.) É justo, Senhor Tenente-Coronel, e eu...

O Tenente-Coronel - Ah, meu tempo! meu tempo! Em 1840, quando um rapaz deitava os olhos numa rapariga, a primeira coisa que lhe perguntava era: - Quer casar comigo? E se a rapariga respondia: - Quero, sim, senhor, - lá ia ele direitinho aos pais; e não se lhe dava dez meses para tratarem...

O Doutor - Do casamento?

O Tenente-Coronel - Nada: do batizado. Hoje a coisa é outra! Dois anos para namorar... Para namorar? Que digo eu!... para... estudar o caráter da noiva... Leva um estafermo pespegado no vão de uma janela com a namorada, a dizer-lhe toleimas de toda a espécie... O que está fazendo? Estudando o caráter... Pervertendo-o, talvez! Verdade seja que isto hoje é uma necessidade... Em 1840, oh! tempora, oh! mores oh! assombrosa versatilidade dos anos! Como dizia o Padre Antônio Vieira, os caracteres eram Todos um, porque a educação era outra, e uma... Mas, como ia dizendo, dois anos para isto, um ano para preparar o enxoval, seis meses para tratar dos papéis, etc., etc., quando chega uma senhora a casar, já tem idade para criar pintos!

O Doutor (Erguendo-se.) - Senhor Tenente-Coronel, peço-lhe a mão de Dona Leonor em casamento.

O Tenente-Coronel (Erguendo-se.) - Isso! Anda mão, enfia dedo. 1840 no caso! Deixe-me chamar a pequena.

Cena VIII[editar]

O Doutor, O Tenente-Coronel, depois Leonor


Terceto


O Tenente-Coronel - Leonor! Leonor!

Leonor (Entrando.) - Senhor! Senhor!

(Cumprimentando.) Senhor Doutor...

O Doutor (Idem.) - Minha senhora...

(À parte.) Como ela está encantadora!

O Tenente-Coronel (Solene)

- Minha afilhada e pupila,

O Doutor, neste momento,

Vai pedir em casamento

A tua mão.

Leonor - A minha mão?

O Doutor - A sua mão.

(À parte.) Parece que ela vacila...

O Tenente-Coronel - Por isso quero que digas

Se sim ou não.

Leonor - Se sim ou não?

O Doutor - Se sim ou não...

O Tenente-Coronel - Em quarenta as raparigas

Diziam logo que sim!

No meu tempo isto era assim!

OS TRÊS - No { meu } tempo era assim!

{ seu }

O Tenente-Coronel - Então? que dizes, menina?...

Diz qualquer coisa, sinhá!

O Doutor (À parte.) - O que dirá Francelina?

Leonor (À parte.) - Frederico o que dirá?

(Depois de alguns momentos de hesitação.)

Eu considero bem feito

o que dindinho fizer.

O Tenente-Coronel - Aceitas, então?

Leonor (Com pequeno esforço.) - Aceito...

O Doutor (Enlaçando-a.) - Queres ser minha mulher?

Queres ser, Leonor divina?

Leonor (Resoluta.) - Quero, sim ora aqui está!

O Doutor (À parte.) - O que dirá Francelina?

Leonor (À parte.) - Frederico, o que dirá?


Juntos


O Doutor Leonor

- Um noivo com duas noivas - Uma noiva com dois noivos!

Oh! que triste posição! Oh! que triste posição!

Se aparece o pai da outra, Se aparece o Frederico,

Vamos ter complicação. Vamos ter complicação.

O Tenente-Coronel - A pequena já tem noivo!

Que grande satisfação!

Tenho vencida uma letra!

Que prazer e que alegrão!

‘Stá dito então?

O Doutor - Gostas de mim?

Leonor - Gosto, pois não!

O Doutor - Prazer sem fim!

O Tenente-Coronel - No meu tempo era assim!

Os Três - No { meu } tempo era assim!

{ seu }

(Terminado o terceto, aparece ao fundo, no campo, Passos Pereira acompanhado por um pajem, que aponta para O Doutor e desaparece. Passos Pereira bate palmas.)

O Tenente-Coronel (Ouvindo bater.) - Quem nos honra?

Passos Pereira - Um criado.

O Doutor (Reconhecendo-o, à parte.) - O Passos Pereira! Estou perdido!

O Tenente-Coronel - Faça o favor de entrar!

Cena IX[editar]

O Doutor, O Tenente-Coronel, Leonor, Passos Pereira, depois Francelina, depois um pajem.

Passos Pereira (Entrando.) - Queria dar duas palavrinhas ao Senhor Doutor Pinheiro.

O Doutor - Senhor Passos Pereira! (Abraçam-se.) Recebi hoje a sua cartinha, mas só o esperava amanhã. Apresento-lhe o Senhor Tenente-Coronel João Leopoldo e sua afilhada, a senhora Dona Leonor. (Passando pelo Tenente-Coronel, rapidamente e baixinho.) Não lhe diga nada.

O Tenente-Coronel (Apertando a mão de Passos Pereira.) - Folgo de conhecê-lo.

Passos Pereira - Igualmente.

O Tenente-Coronel (À parte.) - O Doutor não quer que se saiba. Ah! 1840!...

Passos Pereira - Minha senhora... (Mesura de Leonor.) Fomos à sua casa na vila. A sua criada disse-nos que o encontraríamos aqui. Como era perto, viemos. O senhor sabe que sou o homem dos expedientes; arranjei logo três animais.

O Doutor - Três animais1 Pois o senhor não veio só?

Passos Pereira - É verdade, ainda não lhes disse: vimos eu, minha filha e um pajem. (Movimento dO Doutor.)

O Tenente-Coronel - E a senhora sua filha ficou lá fora? Pelo amor de Deus! (Sobe ao fundo.)

Passos Pereira (Subindo.) - Ela aí vem.

Francelina (Aparecendo com o pajem, que fica ao fundo.) - Aqui estou, papai.

O Doutor (À parte.) - Ela! Oh! meu Deus! Estou suando frio!

Passos Pereira - Vê quem está cá, minha filha: O Doutor Pinheiro.

Francelina - Ah!

O Doutor (Embaraçado, sem encará-la.) - Minha senhora...

Francelina (da mesma forma.) - Senhor doutor...

Passos Pereira - Minha filha, Senhor Tenente-Coronel...

O Tenente-Coronel - Estimo conhecê-la, minha senhora; esteja a seu gosto. (Francelina dirige-se a Leonor, beijam-se e depois conversam baixinho.) Com licença... vou dar algumas ordens... Não façam cerimônias, hein?

Passos Pereira - Deixei as cerimônias na corte; ando farto delas.

O Tenente-Coronel - Assim é que eu gosto que me falem!... (Saindo a gritar.) Ó Tomásia! Ó Tomásia!... (Sai.)

Cena X[editar]

O Doutor, Passos Pereira. Leonor, Francelina

O Doutor (À parte.) - Estou metido em boa.

Passos Pereira (AO Doutor, enquanto Francelina e Leonor sentam-se à direita.) - Minha mulher não me deixou sair da corte sozinho. O senhor compreende... o ciúme... Foi preciso que a menina viesse. Quando cheguei à vila e me disseram que o senhor estava nesta fazenda, estimei... Fazia-me conta chegar até aqui, e era perto... Diga-me uma coisa: este Tenente-Coronel fala francês? (O Doutor está visivelmente perturbado.) Deve estranhar esta pergunta... Mas o que quer? Um pai! O senhor compreende... Logo falaremos... temos tempo! (Vai ter com Leonor e a filha, e conversa com elas.)

O Doutor (À parte.) - Estou bem arranjadinho... O homem sabe de tudo... É capaz de meter-me o petrópolis, e razão tem ele! Ora esta! (Passeia agitado.) E Francelina conversando com Leonor! Jesus! Continuo a suar frio! (Continua a passear; tenta aproximar-se do grupo dos três, mas não se atreve.)

Passos Pereira (Aproximando-se dele.) - Diga-me cá: há hotel na vila? Eu tencionava ir para sua casa, mas com a menina... já agora... o senhor compreende... não é possível!

Cena XI[editar]

O Doutor, Leonor, Passos Pereira, Francelina, O Tenente-Coronel, um pajem.

O Tenente-Coronel (Entrando) - Hotel!... Quem é que fala aqui em hotel?... O senhor fica em nossa casa com a senhora sua filha! Os amigos dO Doutor Pinheirinho meus amigos são! Temos acomodações para Todos. (Ao pajem que fica ao fundo.) Ó rapaz! leva os animais para a vila e traze as malas de teu senhor.

Passos Pereira - É uma malinha só... ficou em casa dO Doutor Pinheiro. (O pajem sai.) Não sei como agradecer-lhe, Senhor Tenente-Coronel... O senhor é um homem que compreende as necessidades da gente!

O Tenente-Coronel - Hão de passar mal estes dias, mas não morrerão à fome.

Passos Pereira (Baixo aO Doutor.) - Então, o Tenente-Coronel é seu amigo, hein? Muito bem... muito bem!

O Doutor (À parte.) - O homem está danado!

Passos Pereira (Ao Tenente-Coronel.) - O senhor não contava com esta maçada, hein?

O Tenente-Coronel - Maçada nenhuma! Comida sobra sempre; os quartos dos hóspedes estão preparados; maçada de quê?

Francelina (Continuando uma conversa com Leonor.) - Logo que voltar, hei de mandar-lhe o figurino.

Passos Pereira (À filha.) - Menina, sabes que vamos ficar aqui em casa do Senhor Tenente-Coronel?

Leonor - Aqui? Muito bem...

Cena XII[editar]

O Doutor, Leonor, Passos Pereira, Francelina, O Tenente-Coronel, Dona Maria, depois o negro

( Dona Maria entra gravemente, cumprimentando os recém-chegados com grandes mesuras. O Tenente-Coronel apresenta-a.)

O Tenente-Coronel - A senhora Dona Maria de Vasconcelos, visita de nossa casa. (Cumprimentos. Dona Maria troca um olhar de inteligência com O Doutor Pinheiro, fazendo uma grande mesura a Passos Pereira.)

Passos Pereira - Minha senhora.

O Tenente-Coronel (Levando Francelina pela mão.) - A filha do Senhor Passos Pereira, a Senhora Dona...

Francelina - Uma sua criada. (Dona Maria beija-a e troca outro olhar significativo com O Doutor Pinheiro.)

O Tenente-Coronel - Ora muito bem! Mas por que não se sentam? (Puxa cadeiras. Tomam lugares. Longa pausa.)

Dona Maria (Desabridamente, a Passos Pereira.) - O senhor conhece por lá minha irmã das Laranjeiras?

Passos Pereira - Não, minha senhora; a nossa casa é na Rua Larga de São Joaquim.

Dona Maria - Ela é muito conhecida lá na corte.

Passos Pereira - A Rua Larga?

Dona Maria - Minha irmã.

Passos Pereira - Não tenho a honra de conhecê-la... (À parte.) O Pinheiro evita o meu olhar... Estará zangado comigo?

O Doutor (À parte.) - Francelina está desesperada! Se os seus olhos se encontram com os meus, desvia logo o rosto.

Francelina (À parte.) O Pinheiro já sabe de tudo... Nem me encara...

Leonor (Julgando que Francelina fala com ela.) - Senhora?

Francelina - Nada..

O Tenente-Coronel - Então? Digam alguma coisa! Estão Todos tão calados! (Os personagens formam, sentados, um grupo, ao capricho do ensaiador.)


Sexteto


O Tenente-Coronel (A Passos Pereira.)

- O que há de novo na cidade?

O ministérios cai ou não?

Passos Pereira - Se quer que lhe fale a verdade,

nem os ministros sei quem são.

Sou empregado público,

sou empregado velho;

Porém nunca em política

Meti o bedelho.

Dona Maria - O Tenente-Coronel

É o contrário, Senhor!

Francelina (À parte.) - Já não me encara O Doutor...

O Doutor (À parte.) - Estou fazendo um papel...

O Tenente-Coronel - Sou destemido!

Sou decidido!

Sou do Partido

Conservador!

Todos -É destemido!

É decidido!

É do Partido

Conservador!

O Tenente-Coronel - Eu sou danado,

Desabusado

Sou respeitado

Nas eleições!

É por tamanho

Ser o arreganho

Que sempre apanho

Meus pescoções!

Passos Pereira - Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Leonor (À Parte.) - Estranho

O Doutor:

Tamanho

Palor

Não é natural.

Passos Pereira -Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

O Doutor (À parte.) - O Passos ri-se: é bom sinal.

Passos Pereira -Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

(Ergue-se, rindo tanto, que Os outros erguem-se também e vão se aproximando num crescendo de gargalhadas.)

Todos - Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Passos Pereira - Ai, sempre ganha

Seus pescoções,

Quando se apanha

Nas eleições!

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Leonor (Timidamente.) - Doutor, zangado está comigo?

O Doutor - Por que me faz pergunta tal?

Leonor - Por que me foges, ó meu amigo?

Passos Pereira - Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

O Doutor (À parte.) - O Passos ri-se: é bom sinal...


Concerto


Francelina(À parte.) Passos Pereira (À parte.)

Dar-se-á caso que O Doutor, Quero apanhar O Doutor

Por despeito, por despeito, Muito a jeito, muito a jeito;

Finja ter sincero amor Pai que muito bom pai for

À matuta da Leonor? Deve ser indagador.

Leonor (À parte) O Tenente-Coronel (À parte.)

Não me procura O Doutor! Que silêncio em derredor!

Já suspeito, já suspeito, Não tem jeito, não tem jeito!

Que me perdeu todo o amor Tão calado está, doutor!

Que me tinha com fervor Diga lá, seja o que for!

Dona Maria (À parte.) O Doutor (À parte.)

Que diabruras faz amor! Já estou banhado em suor!

Mas, com jeito... mas, com jeito Mas, com jeito... mas, com jeito...

Deve-se sair-se O Doutor Hei de, seja como for,

Disto; seja como for. Sair disto pra melhor.

O Negro (Entrando depois do forte com que termina o concerto.) Canjica tá na mesa. (Sai o negro. A orquestra conserva alguns compassos de música até, o canto seguinte.)

O Tenente-Coronel - Vamos à canjica!

O Doutor (Oferecendo o braço a Leonor.) - O seu braço? (Vivamente a Francelina, que olha para ele.) O seu braço? (Dá o braço a ambas.)

O Tenente-Coronel - Eu rompo a marcha! (Vai saindo, na frente dO Doutor, Leonor e Francelina.)

Passos Pereira (A Dona Maria.) - O seu braço, minha senhora?

Dona Maria (Dando-lhe o braço.) - Agradecida. (À parte.) - Este Passos será viúvo?

Passos Pereira - Vamos!

Dona Maria - Que pena o senhor não conhecer minha irmã das Laranjeiras! (A Cena fica vazia por alguns momentos. O fundo escurece completamente.)

Cena XIII[editar]

Frederico, depois Raimundo

Frederico (Entrando pelo fundo. Vestuário de montar.)


Recitativo


Eis-me, afinal, em casa de meu pai!

Em júbilo nadar tudo aqui vai!


Coplas

I


Não quis esperar as férias,

Mais tempo esperar não quis;

Promessas não são pilhérias,

E então daquelas que eu fiz!

O prometido

Diz que é devido;

Rifão sagaz;

Quero com jeito,

Mas com respeito,

Voltar atrás...


II


Promessa de casamento

Eu fiz à linda Leonor!

Maldito seja o momento

Em que jurei ter-lhe amor!

Pois tal promessa

Muito depressa

Roubou-me a paz;

Quero com jeito,

Mas com respeito,

Voltar atrás!

Mas onde ficou Raimundo? (Indo ao fundo.) Raimundo!... Raimundo!... por aqui!

(Entra Raimundo. È gago, míope, perneta, muito feio e veste exageradamente à última moda.)

Raimundo - Cá... cá... estou... Já me arrependi de ter vindo pas... passar uns dias em ca... casa de ... de teu pai. Este lugar é.... muito feio! É im... impossível que aqui se pos... possa arranjar um bom ca... ca... casamento!

Frederico - Ah! maganão! Você anda à procura de um bom casamento, hein?

Raimundo - Não com... compreendo que se venha à... à.. roça para outra coi... coisa!

Frederico - Não perca as esperanças!

Raimundo - Mas onde está teu... teu pai? Que... fi... filho é este que em vez de... de... procurar a fa... fa... família, põe-se a ta... a taga... a tagarelar na sala?

Frederico - Estou com um receio enorme de apresentar-me. Vê que não me animei a vir sozinho!

Raimundo - Ora... ora essa! Por quê?

Frederico - Por quê? Vem cá... (Sentam-se.) Trata-se mesmo de casamento. Ouve e dá-me um conselho...

Raimundo (Admirado.) - Um con... conselho!... (Erguendo-se e apertando-lhe a mão com efusão.) Obri... Obridado! mui... muito o... obrigado!

Frederico (Admirado.) Por quê?

Raimundo (Modestamente.) - É a primeira vez que... que me pedem um con... conselho... (Senta-se.) Vam... vamos lá!

Frederico - Antes de sair de cá, prometi, sob palavra de honra, casamento a Leonor.

Raimundo - Quem... quem é?

Frederico - A afilhada de meu pai.

Raimundo - Ah!

Frederico - Estimava-a muito; no entanto...

Raimundo - No entanto, viste a fi... a filha do Pas... Pas... Passos Pe... Pe... Pereira e ...

Frederico - E fiz-lhe a mesma promessa.

Raimundo - Também sob pa... pa... pa...

Frederico - Sim! Também sob pa... palavra de honra! - O que me aconselhas tu?...

Raimundo - Eu te ... te digo. (Reflete.) Qual de... delas é mais... mais?... (Faz sinal de dinheiro.) Ca... casa-te com a mais ri.., rica!

Frederico (Erguendo-se.) - Ora! Também a que porta fui bater!

Raimundo - E se ambas o... o forem... le... leva-as pa... pa... para a Turquia e ca.. ca.. casa-te com ambas! (Ergue-se.)

Frederico - Meu Deus! como hei de aparecer a Leonor? Como hei de voltar atrás?

O Tenente-Coronel (Fora.) - O que estás dizendo, negro, Frederico está aí?

Frederico - Ah! aí vem... Jesus! Está gente de fora!

Cena XIV[editar]

Frederico, Raimundo, O Tenente-Coronel, depois Passos Pereira, Dona Maria, depois O Doutor, Francelina, Leonor, depois os escravos.

O Tenente-Coronel (Entrando.) - Meu filho! (Dá-lhe a benção. Abraçam-se.) Que agradável surpresa! (Correndo ao fundo.) José! Matias! Simplício! Já um jongo aqui na varanda, que sinhô moço chegou!

Passos Pereira (Entrando com Dona Maria.) - Senhor Frederico...

Frederico (Pasmo.) - Ah! (Vendo entrar Francelina.) Oh!

Leonor, Francelina, (À parte.) - Ele! (Deixam vivamente o braço dO Doutor.)

Frederico (À parte.) - Nem Leonor, nem Francelina olham para mim! Já sabem de tudo!

Leonor, Francelina (À parte.) - Ele nada ignora!

O Tenente-Coronel (Voltando e dando com Raimundo.) - Oh! (Ao filho.) É também estudante?

Raimundo - Sim... sim senhor...

Dona Maria (À parte.) - Em que ano está?

Raimundo - No pri... no primeiro!

O Tenente-Coronel, Dona Maria, Passos Pereira - Oh!

Raimundo - Há mui... muito tempo. Pa... para bem dizer, es... estou no... no quinto.

O Tenente-Coronel - Meu filho, apresento-te.... Ah! aí vêm os negros! Ficam as apresentações para depois! Comece o jongo!


Final


Todos - O jongo! O jongo!

O Tenente-Coronel (A Frederico.) - Senta-te ali.

(A Passos Pereira.) O senhor aqui

(A Francelina.) Fique aqui com Leonor

(A Dona Maria.) A senhora aqui

Ao pé de mi.

(Grupo. estão Todos sentados nos lugares indicados pelo Tenente-Coronel.)

Leonor, O Doutor, Francelina, Frederico (À parte.)

- Que amargo instante!

Que situação!

Olhar para ele/ela

Não ouso não!

(Entrada ruidosa do Coro de escravos e escravas que, depois de mesuras aos primeiros compassos do jongo, entoam-no dançando durante o canto.)


Jongo


Trabaia, negro, trabaia

Na roça do teu sinhô

(Com um movimento de braços e ombros.)

Um... um... um...

Passarinho já não canta;

O só não tarda a se pô!

Um... um... um... um...

Dá-lhe de enxada,

Panha café;

De teu trabaio

Não reda pé!

Trabaiadô

Trabaia, negro

Pro teu sinhô!

(No fim do canto.) Viva sinhô moço!

Todos (Erguem-se e respondem.) - Viva!

[Cai o pano]