Saltar para o conteúdo

Os Noivos/II

Wikisource, a biblioteca livre

Sala e visitas na fazenda do Tenente-Coronel. Piano. Mobília modesta, mas decente. Iluminação. Sarau.

Cena I

[editar]

Frederico, Dona Maria, Raimundo, Francelina, O Tenente-Coronel, Leonor, O Doutor, Passos Pereira, O Mestre-Escola, O Vigário, convidados de ambos os sexos, depois um negro.

(Ao levantar o pano, quatro músicos estão sentados a um lado, tocando. Entre eles o Mestre-Escola e o Vigário: este toca violão, aquele rabeca. Dança-se uma quinta contradança ruidosa. Frederico dança com Dona Maria, que se requebra comicamente. São vis-a-vis de Raimundo, que dança com Francelina. O Tenente-Coronel dança com a afilhada: é vis-a-vis dO Doutor, que dança com uma moça qualquer. Passos Pereira dança também com uma figurante. Raimundo é mestre-sala e grita as marcas da contradança, gaguejando sempre.)

Coro (Durante a contradança.) - Nós hoje às mil maravilhas

Vamos decerto passar!

Valsas, polcas e quadrilhas

Vamos dançar!

Brincar

Folgar

(Num momento dado, Raimundo bate palmas: finda a contradança. Uns cavalheiros oferecem cadeiras a seus pares. Outros saem de braço dado. Alguns pares passeiam.)

Raimundo (A Frederico.) - Parabéns, Frederico... é um.... um baile di... digno de ti. (Senta o seu par e vai conversar com o Mestre-Escola.)

Frederico (Passeando com Dona Maria.) - É singular! Nem Leonor nem Francelina me encaram!

O Doutor (Sentando o seu par.) - É célebre! Nem Francelina nem Leonor olham para mim!

Leonor (Sentando-se junta de Francelina.) - O Doutor não veio sentar-se ao pé de mim!

Francelina (À parte.) - Frederico não se chegou ainda para o meu lado!

Os Quatro (À parte.) - Já sabe de tudo!

Dona Maria (A seu par.) - Vamos dar um giro lá fora, Senhor Frederico?

Frederico - Pois não, minha senhora!

Dona Maria - Ai, Senhor Frederico!

Frederico - Por quem suspira, minha senhora?

Dona Maria - Não sei, Senhor Frederico, não sei...

Frederico - Julguei que fosse por sua irmã das Laranjeiras. (Saem.)

Raimundo (Continuando uma conversa com o Mestre-Escola.) - É por quan... quantos a... alunos é frequenta... da a sua es... esco... escola?

O Mestre-Escola - Eu tenho uns vinte aluno... estão Todos adiantado... No ano passado, cinco fez exame. .. Os pai estão satisfeito.

Raimundo (À parte.) - Os... os ss é que.... não devem es... estar.

O Mestre-Escola - Eu ensino gramática, doutrina cristão e música. Eu há de ensiná francês, mas porém, premeiro é perciso aprendê.(Continuam a conversar baixo.)

O Vigário (Continuando uma conversa com o Tenente-Coronel, de quem se tem aproximado.) - Está enganado, Tenente-Coronel! Está muito enganado. O João Cobó vota com o Raposo!

O Tenente-Coronel - Não vota, seu Vigário, não vota! Quer Vossa Reverendíssima dizer-me a mim o que é o João Cobó!

O Vigário - É um troca-tintas! Ainda me deve dez mil réis de uma encomendação... Desde que lhe morreu a sogra... E encomendações de sogra devem pagar-se dobrado. (Continuam a conversar.)

Francelina (Continuando uma conversa com Leonor, ao pé da qual está sentada.) - É verdade... Imagine a senhora ter uma moça prometido casamento a dois rapazes e ver-se em presença de ambos!

Leonor (À parte.) - É uma indireta, não há dúvida... (Alto.) mas... (Continuaram a conversar baixinho.)

O Tenente-Coronel (Deixando o Vigário e indo ter com O Doutor.) - Então o que é isso, Doutor? Parece-me amuado!

O Doutor - Eu?! Pelo contrário, Senhor Tenente-Coronel... Eu... Ora que lembrança!

O Tenente-Coronel (Levando-o pela mão.) - Venha cá, homem de Deus, o seu lugar é aqui! (Leva-o para junto de Leonor e fá-lo sentar-se ao lado dela. Depois vem à boca e canta a seguinte copla.)


Copla

De um pai que o saiba ser, olé!

É grande a trabalheira!

Faz má figura e serve até

De pau-de-cabeleira!


(Vai conversar outra vez com o Vigário, que se tem ocupado em afinar o violão.)

Passos Pereira (Indo ao encontro de Frederico, que volta com Dona Maria.) - O senhor anda arredio! Vá conversar um pouco com a pequena, ande! (Toma-o pelo braço, deixando Dona Maria no meio da sala e fá-lo sentar-se junto de Francelina. Depois desce à boca da Cena e canta a meia voz a mesma copla cantada pelo Tenente-Coronel.)


Copla

De um pai que o saiba ser, olé!

É grande a trabalheira!

Faz má figura e serve até

De pau-de-cabeleira!


(Ao voltar-se, encontra Dona Maria, que lhe toma o braço.)

Dona Maria - O seu braço? Vamos dar mais uma volta?

Passos Pereira - Pois não, minha senhora: é a vigésima que damos hoje.

Dona Maria (Saindo com Passos Pereira, à parte.) - Este homem será viúvo? (Saem. Entra o negro com a bandeja de café.)

Raimundo (Indo ao encontro do negro e distribuindo xícaras de café pelos circunstantes.) - Já tar.. tardava! Já hoje to... tomei doze xícaras de ca... café. (Tomando.) Não se vai a par... parte alguma em que... que não se... se tome café! Fui ontem fa... fazer a barba na vila... e o bar... barbeiro mandou-me um xí... xícara de ca... café pelo a... aprendiz!

O Tenente-Coronel (Sorvendo o seu no pires.) - O que vale é que este é superior, hein?

Raimundo (Apreciando.) - Um... Torra... torradinho de fresco e... e... com manteiga... (Acabam Todos de tomar café. O negro reúne as xícaras na bandeja e sai. Raimundo acende um cigarro. Os namorados estão sentados ao lado uns dOs outros na seguinte ordem: Frederico, Leonor, Francelina, O Doutor: mas sem se falarem e olhando Todos Os Quatro para o chão.)

O Tenente-Coronel (Que tem deixado o Vigário.) - O Doutor não dá a palavra a Leonor! O que será aquilo. Preciso de uma explicação. (A Raimundo.) Venha um cigarrinho dos seus.

Raimundo (Dando-lhe o cigarro e depois o fogo.) - Pro... proponho um jo... jogo de... pren... prendas na... va... varanda! va... valeu?!

Todos (Menos os namorados.) - Valeu! Vamos! (O Tenente-Coronel dá o cigarro de Raimundo a Passos Pereira, que fuma maquinalmente. Saem Todos, Raimundo em frente, menos o Mestre-Escola, o Vigário e os namorados.)

O Mestre-Escola (Indo ter com o Vigário.) - Diga-me uma coisa, seu Vigário? Vossa Reverendíssima pode me dizê duas missa depois de amenhã? (Bate-lhe no ombro.)

O Vigário (Que tem estado a cochilar, abraçado ao violão, despertando e com ímpeto.) - Não vota, já lhes disse! João Cobó não vota, Tenente-Coronel! (Ergue-se)

O Mestre-Escola - Não é disso que nós tratemo. Quero duas missa!

O Vigário (Sem reparar com quem fala e saindo zangado.) - Não vota! É boa! Desde 68 que está com os liberais! Não faltava mais nada! (Sai)

O Mestre-Escola (Acompanhando-o) - Não é disso que nós tratemo... Ó seu Vigário! seu Vigário! (Sai.)

Cena II

[editar]

O Doutor, Frederico, Leonor

(Cena muda. Levam muito tempo sentados, olhando para o chão. De repente, Leonor, vendo que Todos se têm retirado, levanta-se muito envergonhada e sai vivamente. Francelina imita-a. Ficam sós O Doutor e Frederico que, depois de se olharem por algum tempo, desatam numa gargalhada, retomando logo o seu sério, e como que censurando assim a gargalhada um do outro.)

Cena III

[editar]

O Doutor, Frederico

AMBOS (A um tempo.) - De que se ri? - Como? - Tivemos a mesma idéia. - Assim falarem os dois a um tempo não podemos compreender!

Frederico - De que se ri O Doutor?

O Doutor - Eu rio-me de mim próprio. E o senhor?

Frederico - Eu rio-me de mim mesmo.

O Doutor - Oh! mas o senhor não está na minha situação!

Frederico - Não sei; mas acredite que a minha situação é perfeitamente cômica.

O Doutor - Qual é a sua situação?

Frederico - Diga primeiramente qual é a sua.

O Doutor - Quero ceder-lhe a primazia.

Frederico - E eu.

O Doutor - Nesse caso, ouça... (Entra o Tenente-Coronel.)

Cena IV

[editar]

O Tenente-Coronel, Frederico, O Doutor, depois Dona Maria

O Tenente-Coronel - Oh! meu rico senhor Doutor Pinheirinho! Ainda bem que o encontro. (O Doutor e Frederico erguem-se.) Meu filho, deixa-nos a sós por alguns momentos.

O Doutor (À parte.) Ai, ai, ai!

Frederico (Saindo, à parte.) - Como hei de me sair desta alhada? (Vai saindo e encontra Dona Maria, que vem entrando.)

Dona Maria - Senhor Frederico, andava à procura do seu braço!

Frederico - Aqui o tem, minha senhora! (Saem ambos de braço dado.)

Cena V

[editar]

O Doutor, O Tenente-Coronel, depois Passos Pereira, depois Dona Maria

O Tenente-Coronel (Depois de alguma pausa, gravemente.) - Senhor Doutor Pinheirinho... ou por outro: Senhor Doutor Pinheiro... (Pausa.) Sentemo-nos. (Sentam-se.) O meu compadre Chico... ou por outra: Francis... eu creio que já lhe disse isto mesmo. (Pausa.) Enfim, Senhor Doutor... Homem. Vossa senhoria é um homem formado, e eu nem no Congresso Agrícola falei... Dê o desconto... (Em outro tom, escolhendo as palavras.) Sou pai, isto é, pai adotivo... É a mesma coisa! É mais! Um pai adotivo é pai e mãe. O Padre Antônio Vieira, no sermão de Nossa Senhora do Carmo, diz que os filhos naturais se amam porque são filhos, e os filhos adotivos são filhos porque se ama...

Passos Pereira (Entrando.) - Ó Senhor Doutor Pinheiro! Senhor Dout.. (Estacando.) Era segredo?

O Tenente-Coronel (Levantando-se.) - Não... não... falávamos..

O Doutor (Vivamente, erguendo-se.) - Do Padre Antônio Vieira.

O Tenente-Coronel (À parte.) - Fica para outra vez.

Passos Pereira (AO Doutor.) - Desejava falar-lhe em particular.

O Doutor (À parte.) - Bom! Agora o outro!

O Tenente-Coronel - Deixo-os. (AO Doutor.) Logo falaremos. (Vai saindo e encontra-se com Dona Maria, que vem entrando.)

Dona Maria - Senhor Tenente-Coronel, andava à procura de seu braço!

O Tenente-Coronel - Aí o tem, Senhora Dona Maria!

Dona Maria (Saindo de braço dado ao Tenente-Coronel, à parte.) - Por que não se quer casar este homem, meu Deus? (Saem)

Cena VI

[editar]

O Doutor, Passos Pereira. depois Raimundo, depois Dona Maria

Passos Pereira - Senhor Doutor Pinheiro, o assunto é grave... Aqui tem uma cadeira. Sentemo-nos. (Sentam-se.)

O Doutor (À parte.) - Eu devo estar com uma cara...

Passos Pereira (Depois de uma grande meditação, rompendo desabridamente o que assusta O Doutor.) - O casamento, Senhor Doutor, é uma condição, por bem dizer, fatal da existência humana. Abalizados sociologistas... ou sociólogos, como queira... têm dado sobre a matéria a última palavra... Um pai educa uma filha, com Todos os esmeros sugeridos pelo seu bom espírito e seu bom coração... Dói-lhe a alma de vê-la depois entregue a carinhos de outra espécie; mas, ah! - infelizmente têm que se submeter ao regime comum da sociedade... Mas essa submissão, Senhor Doutor, não pode, não deve ser inteiramente passiva... Tenho para mim que um pai, digno desse nome sublime, é obrigado a desenvolver tal ou qual atividade, no intuito de atenuar os maus caprichos que por ventura estejam reservados pelo destino a seus filhos. Concorda?

O Doutor - Inteiramente.

Passos Pereira (À parte.) - Veio decorado de casa. (Alto.) O senhor, quando for pai... (Com certa autoridade,) o que há de ser!

O Doutor (À parte.) - Meu Deus!

Passos Pereira - O senhor, quando for pai, concordará melhor. - Pois bem, Senhor Doutor, eu não espero por informações: venho ao encontro delas! Por isso, aqui estou!

Raimundo (Entrando e tomando o braço de Passos Pereira.) - Ó Se... Senhor Passos Pe... Pe... Pereira! as mo... moças mandaram cha... chama-lo à va... varanda pa... para o jogo de pren... prendas.

Passos Pereira (Erguendo-se contrariado.) - Que jogo?

Raimundo - O se.. senhor ab... abade

O Doutor (Erguendo-se com interesse. - Ah! Um chamado de senhoras! Não pode recusar! A conferência fica para depois.

Passos Pereira - Tem razão, tem razão. Logo mais falaremos! Vou já! (Encontra-se com Dona Maria, que vem entrando.)

Dona Maria - Senhor Passos Pereira, andava à procura de seu braço!

Passos Pereira - Está ao seu dispor, minha senhora.

Dona Maria (Saindo de braço, com Passos Pereira, à parte.) - Ai! ai! Este homem será viúvo?

Cena VII

[editar]

O Doutor, Raimundo

Raimundo - Tenho me re... rega... galado... de rir à custa do ... do Fre... Frederico.

O Doutor - Por quê?

Raimundo - Também quem... quem lhe... mandou prometer ca... casamento a duas?

O Doutor (À parte.) - Este também já sabe!

Raimundo - A le... levianda... de po... pode... perder um homem.


Coplas

I


A gente faz o que deve,

Se um beijo de amor furtar,

Se um dedo apertar de leve,

Ou se um pezinho pisar.

A gente a mais se atreve,

Quando é grande ladino;

Mas o casório...

Ce... cebolório!

Fia mais fino!


II


Se meigos olhares bispo

Em ternos olhos assim...

Os meus escrúpulos dispo,

Cuidando logo de mim.

Eu nada mando ao bispo,

Pois sou grande ladino...

Mas o casório...

Ce... cebolório

Fia mais fino!

O Doutor - Já Todos sabem aqui do meu ignóbil procedimento! Estou bem arranjado1

Raimundo - Eu an... ando à pro... procura de... de ... de um ca... casamento; mas creia que... que... pro... promes... sas não fa... faço sem ter cer... certeza de po... podê-las cumprir.

O Doutor - Mas quem lhe disse que prometi casamento a duas?

Raimundo - O Dou... o.... Doutor? O Fre... Fre...derico.

O Doutor - Foi o Frederico? Quem lhe diria a ele?

Raimundo - A ele... o... o quê?

O Doutor - Quem lhe diria isso?

Raimundo - Is... Is... isso o quê? Tenha... pa... paciência! não sei se... se... se já no... notou.... que.... que... que sou um... pou... pouco ga... ga.... gago!

O Doutor - Ora! não se pode conversar com o senhor!

Raimundo - O se... senhor é que... que... atra... atrapa... pa... palha tudo!

Cena VIII

[editar]

O Doutor, Raimundo, O Tenente-Coronel, depois Dona Maria

O Tenente-Coronel (AO Doutor.) - Podemos continuar a nossa conferência?

O Doutor - Pois não... pois não...

O Tenente-Coronel - Dá licença? Vá jogas as prendas... Quero dar duas palavrinhas aO Doutor.

Raimundo - Ora... essa! (Vai saindo; encontra Dona Maria.)

Dona Maria - Andava à procura de seu braço.

Raimundo - Oh!... oh!... mi... minha se... senhora!

Dona Maria (Saindo de braço dado a Raimundo, à parte.) - Este, afinal de contas, à falta de outro... (Saem)

Cena IX

[editar]

O Doutor, O Tenente-Coronel, depois O Vigário, depois Dona Maria

O Tenente-Coronel - Senhor Doutor Pinheirinho... ou por outra: Senhor Doutor Pinheiro... sentemo-nos. (Sentam-se.) Vossa Senhoria pediu-me hoje em casamento a mão de minha afilhada e pupila Dona Leonor dos Santos Barbosa; eu, reconhecendo em Vossa Senhoria todas as qualidades desejáveis para um marido, anuí jubiloso ao pedido e...

O Vigário (Entrando, insuflado.) - Ó Tenente-Coronel, diga-me uma coisa: O Florentino não foi progressista em 64?

O Tenente-Coronel (Erguendo-se com interesse.) - Pois não! Pois não! progressista dOs Quatro costados logo que apareceu em Mambucaba! gabava-se até da amizade particular do Zacarias... E quando vocês caíram em 68, passou para o nosso lado com armas e bagagens.

O Vigário - Então?(Gritando para dentro.) Está ouvindo, comendador? Progressista em 64! Que homem teimoso! Quer-me dizer a mim quem é o Florentino!

O Tenente-Coronel - Pois não! Foi progressista e bem progressista!

O Vigário - Então? Eu quando digo... Obrigado, Tenente-Coronel. (Vai saindo, encontra Dona Maria que vem entrando.)

Dona Maria - Andava à procura do braço de Vossa Reverendíssima.

O Vigário - Pois não minha senhora. (Dá-lhe o braço.)

Dona Maria (Saindo com o Vigário.) - Este não pode casar... É pena!... Toca tão bem violão.

Cena X

[editar]

O Doutor, O Tenente-Coronel, depois O Mestre-Escola, depois Dona Maria

O Tenente-Coronel - O Florentino é um vira-casaca! Quando cairmos, há de ver que passa para os liberais. A sua única virtude é ser danado nas eleições, mas também não me fio muito nisso, porque a arrogância nos robustos é maior que a valentia, como diz o Padre Vieira. (Outro tom.) Senhor Doutor Pinheiro. (Sentando-se.) Onde estávamos? Ah! (Outro tom.) Eu reconhecendo em Vossa Senhoria todas as qualidades desejáveis em um marido, anuí ao pedido, depois de consultar minha pupila e afilhada. Ora, vendo que Vossa Senhoria, no mesmo dia em que foi tratado o seu casamento com ela, como que a evita e nem sequer a olha...

O Mestre-Escola (Entrando a correr e agarrando O Doutor.) - Seu Doutô! Seu Doutô!

O Tenente-Coronel (Erguendo-se.) - O que é isto?...

O Mestre-Escola - Como eu tinha pagado prenda no jogo do senhô abade me saiu e sentença vi buscá seu Doutô Pinheirinho e levá ele pra varanda.

O Doutor (À parte.) - Felizmente. (Ao Tenente-Coronel.) Já vê que não há remédio...

O Tenente-Coronel - Fica para outra vez!

O Mestre-Escola - Vamo, que eles lá dentro já está cansado de esperá.

O Doutor - Vamos! Vá adiante... Não é preciso agarrar-me! (Sai o Mestre-Escola, dando um encontrão em Dona Maria. A Dona Maria:) Já sei, minha senhora: anda à procura de meu braço. Aqui o tem! (Dá-lhe o braço e sai com ela.)

Cena XI

[editar]

O Tenente-Coronel

O Tenente-Coronel - E nada de explicações! Quando vamos chegando a fala, somos interrompidos! No entanto, preciso... quero saber que explicação tem tudo isto! ah! uma pupila!


Coplas

I


Resgata os nossos muitos pecados

Uma pupila do nosso amor;

Se um pai zeloso tem mil cuidados,

Os tem maiores um bom tutor.

Constantemente metido em danças,

Este, coitado, tem que se achar;

Ditos, motejos, desconfianças

Tem costas largas para agüentar.


II


Não tem vontades, não tem direitos,

Um desgraçado, pobre tutor;

Os seus afetos estão sujeitos

Ao juiz d’órfãos e ao curador.

E, todavia, queira ou não queira

Pai como aqueles que mais o são;

‘Stou convencido que o Padre Vieira

Tinha, oh! se tinha! muita razão.


(Entram todas as senhoras, menos Francelina e Leonor, perseguidas pelos homens, que trazem à sua frente Raimundo. A música das coplas prende-se à do Coro.)

Cena XII

[editar]

O Tenente-Coronel, O Doutor, Frederico, Passos Pereira, Raimundo, O Vigário, O Mestre-Escola, Dona Maria, convidados de ambos os sexos.

Homens (Empurrando Raimundo e perseguindo as senhoras.)

Há de beijá-las!

Há de abraçá-las!

Peça licença:

Cumpra a sentença!

As Senhoras (Fugindo.) Não me beijará!

O quê! O quê!

Não vê! Não vê!

Os Homens - Há de abraças!

As Senhoras - Não me abraçará!

Oo Homens - Há de beijar!

As Senhoras - Não há de beijar!

O Tenente-Coronel - Que bulha, ó Cristo!

Pra que gritar?

Expliquem-me isto,

Sem mais tardar!

Raimundo - Vou lhe explicar...

O Tenente-Coronel - Tenha a bondade.

Raimundo - No jogo do “senhor abade”

Mui... mui... mui... muitas prendas pago,

Porque sou gago;

Tive esta sentença,

Que procuro cumprir sem detença...

Passos Pereira - Abraçar

E beijar

As moças uma por uma,

Seja por bem ou por mal.

Raimundo - Em cumprir sentença tal,

Não sinto re...

Não sinto re...

Não sinto repugnância alguma.

Olé!

Coro - Não sente re...

Não sente re...

Não sente repugnância alguma

Olé!

Dona Maria - Os beijos abraços

Por todas terei!

Eu abro-lhe os braços:

Zangar-me não sei!

Os Homens - Não serve! Não serve!

Há de abraça-las!

Peça licença:

Cumpra a sentença!

As Senhoras - Não me abraçaras!, etc.

(Saem os homens perseguindo as senhoras. O Doutor, ao sair, é agarrado pelo fato pelo Tenente-Coronel.)

Cena XIII

[editar]

O Tenente-Coronel, O Doutor, depois Leonor, Todos os personagens do ato, e alguns negros.

O Tenente-Coronel - Nada, senhor Doutor! Desta vez havemos de chegar à fala!

O Doutor (À parte, resolutamente.) - Acabemos com isto. (Alto.) Pois bem! sentemo-nos! (Sentam-se.) Quero ser franco com o Tenente-Coronel.

Leonor (Vindo do fundo à parte.) - Uma conferência? O que será?...

O Doutor - Senhor Tenente-Coronel, eu prometi casamento à filha do Passos Pereira...

Leonor - Ah! (Cai numa cadeira com um ataque de nervos.)

O Tenente-Coronel (Erguendo-se sobressaltado, bem como O Doutor.) - Meu Deus! ... O que é isto! Minha filha! acudam!

(Entrada ruidosa de Todos os personagens.)


Final


Coro geral


- Oh! céus! oh1 céus!

Que sucedeu!?

Valha-nos Deus!...

Que aconteceu?

O que terá

Dona Leonor?

Alguma dor

Será?!

O que lhe dói?

Que foi? Que foi?

Que aconteceu?!

Que sucedeu?!

O Tenente-Coronel (Desesperado ao pé da filha, que esperneia.) - Tragam vinagre! O caso é grave!

(A um negro, dando-lhe uma chave.) Trá-lo do armário: aí tens a chave!

(Durante o Coro, o escravo volta com um galheteiro. O Tenente-Coronel dá a cheirar o vinagre a Leonor, que volta a si aos poucos. Enquanto Todos estão ocupados com Leonor, Passos Pereira traz Frederico à boca da Cena; Francelina acompanha este movimento.)

Passos Pereira - A sua explicação deve ser dada já!

Frederico - Eu tudo explicarei!

Francelina (À parte.)- O que é que explicará?

Frederico - Prometi casamento a Leonor...

Francelina - Ah!

(Cai numa cadeira com um ataque de nervos. Desespero de Passos Pereira. Todas as atenções voltam-se para Francelina.)

Coro - Bonito! Bonito!

Agora é por cá!..

Mais um faniquito!

Contágio será?

Passos Pereira - Tragam vinagre. O caso é grave!

(O Negro tem já levado o galheteiro e restituído a chave ao Tenente-Coronel que lha entrega de novo.)

O Tenente-Coronel - Trá-lo do armário: aí tens a chave.

(Durante o Coro, Francelina volta a si, aspirando o vinagre que o negro traz.)

Doutor , Francelina (Vindo ao proscênio.)

- Perjuro, pérfido.

Que amei tanto,

Desprezo indômito

Mereces bem!

Meu Deus! num ápice

Quebrou-se o encanto

Ingrato, voto-te

Fero desdém!

O Tenente-Coronel - Que trapalhada!

Que confusão!

Pede a charada

Decifração!


Juntos


Frederico, O Doutor Dona Maria

‘Stá despeitada Realizada

Pudera não! Pudera não!

De estar zangada Verei, casada,

Tem bem razão Minha ambição!

Os outros E Coro - Que trapalhada!

Que confusão!

Pede a charada

Decifração!

O Vigário (Agarrando o violão com energia.) - Atenção

Prá que finde este zun-zum,

Vou cantar ao violão

Um buliçoso lundum

De minha composição!

Todos - Venha a lundum!

( O Vigário senta-se e afina o instrumento. Prestam-lhe Todos muita atenção.)


Lundum

I


O Vigário - Toda gente

Logo sente

Nos malditos

Faniquitos,

Diabruras,

Travessuras

De Cupido

Destemido!

Dorme em paz, meu coração

Ai!

Dorme em paz meu coração,

Que as Marocas

E Xandocas


E Bicotas

E Nicotas

Tiranas são,

ai, sim, tiranas são!

Coro - Que as Marocas

E Xandocas

E Bicotas

E Nicotas

Tiranas são,

ai, sim, tiranas são!

O Vigário - Namorados

Irritados

São amantes

São contantes,

Só desejo,

Quando os vejo

Copiá-los,

Imitá-los!

Dorme em paz, meu coração,

Ai!

Dorme em paz meu coração

Que as Marocas

E Xandocas

E Bicotas

E Nicotas

Tiranas são,

ai, sim, tiranas são!

(O Coro repete o estribilho e aplaude o cantor com ruidosa salva de palmas.)


[Cai o pano]