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Os Trabalhadores do Mar/Parte I/Livro III/VII

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VII.


O MESMO PADRINHO E A MESMA PADROEIRA.


Depois de crear o vapor, Lethierry baptisou-o, deu-lhe o nome de Durande. Não lhe daremos daqui em diante se não este nome. Seja-nos licito igualmente, qualquer que seja o uso typographico, escrever Durande sem ser em gripho, conformando-nos nisto ao pensamento de mess Lethierry para quem Durande era quasi uma pessoa.

Durande e Deruchette é o mesmo nome. Deruchette é o diminutivo. É muito usado esse diminutivo no oeste da França.

No campo, os santos têm muitas vezes o seu nome com todos os diminutivos e augmentativos. Parece que ha muitas pessoas e é só uma. Esta identidade de padroeiros e padroeiras com differentes nomes, não é rara, Lise, Lisette, Lisa, Elisa, Isabel, Lisbeth, Betsy, tudo isto é Elisabeth. É provavel que Mahout, Machut, Malo e Magloire sejam o mesmo santo. Mas não fazemos cabedal disso.

Santa Durande é uma santa de Angoumois e da Charente. Será correcta? Isso é lá com os bolandistas. Correcta ou não, esta santa tem muitas igrejas.

Estando em Rochefort, e sendo ainda rapaz, Lethierry tomou conhecimento com aquella santa, provavelmente na pessoa de alguma formosa Charenteza, talvez a rapariga das unhas bonitas. Restou-lhe recordação bastante para dar aquelle nome ás duas cousas que elle amava; Durande á Galeota, Deruchette á menina.

Lethierry era pae de uma e tio da outra.

Deruchette era filha de um irmão que elle teve. Morreram-lhe os paes. Lethierry adoptou a criança, e substituio o pae e a mãe.

Deruchette não era sómente sobrinha, era tambem afilhada de Lethierry. Foi elle quem a levou á pia, dando-lhe por padroeira Santa Durande, e por nome Deruchette.

Deruchette, já o dissemos, nasceu em Saint-Pierre Port. Estava inscripta no registro da parochia.

Emquanto a sobrinha foi criança e o tio pobre, ninguem se importou com o nome Deruchette; mas quando a mocinha chegou a miss e o marinheiro a gentleman, Deruchette começou a desagradar a todos. Perguntavam a mess Lethierry:

— Porque lhe dá esse nome?

— É um nome assim, respondia elle. Tentaram mudar-lhe o nome. Lethierry não quiz.

Uma senhora da alta sociedade de Saint-Sampson, mulher de um ferreiro abastado, e que já não trabalhava, disse um dia a mess Lethierry:

— Daqui em diante chamarei Nancy á sua filha.

— Porque não lhe chamará Lons-le-Saulnier? disse elle.

A bella senhora não desistio, e no dia seguinte disse-lhe:

— Decididamente não queremos que ella se chame Deruchette. Achei um lindo nome: Marianne.

— Lindo nome realmente, disse mess Lethierry, mas composto de dous animaes bem ruins, um mari (marido) e um ane (asno).

Lethierry manteve o nome de Deruchette.

Enganar-se-hia aquelle que concluisse pelas ultimas palavras de Lethierry que elle não queria casar a sobrinha. Queria casa-la, de certo, mas ao seu modo. Queria um marido da sua tempera, muito trabalhador, de maneira que Deruchette não fizesse nada. Gostava das mãos tostadas do homem e das mãos alvas da mulher. Para que Deruchette não estragasse as lindas mãos que tinha, dava-lhe occupações elegantes, mestre de musica, piano, bibliotheca e bem assim alguma linha e agulhas em uma cestinha de costura.

Deruchette lia mais do que cosia, cantava e tocava mais do que lia. Mess Lethierry queria isso mesmo. Não lhe pedia nada mais que o encanto a fascinação. Educou-a mais para ser flôr do que para ser mulher. Quem tiver estudado os marinheiros ha de comprehender isto. As rudezas amam as delicadezas. Para que a sobrinha realizasse o ideal do tio, era preciso que fosse opulenta. Era isso o que mess Lethierry comprehendia perfeitamente. A machina do mar trabalhava com esse fim. Durande devia dotar Deruchette.