Os heróes brazileiros na campanha do sul em 1865/1
O SR. D. PEDRO II
Ao brilho do sol da liberdade, que o Fundador do Imperio, qual novo Josué, mandou deter-se sobre o horizonte do Brazil, surgio radiante de gloria, e como uma promessa de felicidade e segurança, o dia 2 de Dezembro de 1825.
E o riso de alegria que convulsou a todos os membros do gigante da America, e as hosanas do povo, que em massa e grita ruidosa festejava a sua felicidade, rompendo o espaço, forão échoar em todos os valles da linda Guanabara, que estremecêra jubilosa, e levárão a todo o Imperio nas auras perfumadas do Janeiro a prazenteira noticia do natalicio do Sr. D. Pedro II.
Desde logo a esperança de uma nova phase politica que melhor assegurasse aos filhos da terra de Santa Cruz os effeitos beneficos desse patrimonio de Independencia legado ao Brazil pelo Sr. D. Pedro I, de gloriosa memoria, raiou como uma aurora de ventura em todos os corações brazileiros. E’ que um sentimento occulto e mysterioso lhes fazia presentir que não longe estava a tempestade, que já se annunciava nos prognosticos de acontecimentos subversivos, e que, precipitando-se, lhes arrebataria o architecto do monumento da sua primeira gloria ! E esse heróe, exemplo vivo da abnegação, appareceu em breve no meio de duas tormentas, calmo e impassivel como a figura do Destino, despojando-se de dous mantos e duas corôas, e reservando só para si o contentamento de assegurar em sua filha a estabilidade e ventura de um Reino, e em seu filho o progresso, gloria e verdadeira independencia de um Imperio! !....
E o sagrado penhor de projectos tão grandes como a mente que os creára, o penhor querido, que o heróe, deixando ao povo como a prova mais eloquente dos sentimentos que por elle nutria, sentio que com elle deixava metade de seu coração e que sem essa metade não podia existir, foi no dia 7 de Abril de 1831 entregue aos cuidados de José Bonifacio, com estas propheticas palavras: « Venerando ancião, eu te o confio »; palavras estas que revelão não só o presentimento de uma morte vizinha, senão tambem o da
preciosidade do thesouro com que se ensoberbecia de ter dotado o Brazil.A infancia e a adolescencia são as indicações physionomicas mais fieis da indole e caracter dos homens. Quem com attenção acompanhasse os factos da infancia de um Nero havia de ver nelle o tyranno de Roma e o assassino de sua mãi, irmão, mulheres, e do philosopho Seneca seu preceptor; e quem acompanhasse a meninice de um Tito Vespasiano enxergaria no futuro o rei que mereceu ser appellidado por seus vassallos as delicias do genero humano.
O Sr. D. Pedro II foi um menino cuja docilidade e submissão fazião entrever o homem inclinado á verdade e ao bem, e que seria o exemplo do respeito que mais tarde infundiria a sens subditos por todas as instituições da lei; e sua intelligencia e applicação não vulgares, e a estima e veneração que votava a seus preceptores, o recommendavão ao paiz como um luzeiro que offuscaria a todos os luzeiros do mundo, e ás letras como o seu protector nato e filho predilecto.
José Bonifacio, com aquella sinceridade e criterio que todo o mundo lhe reconhecia, vangloriava-se de ter adoptado por filho o verdadeiro Anjo da patria.... E tal foi o seu desenvolvimento physico e intellectual, taes os instinctos de sua munificencia, e o acerto com que discutia não só ácerca de diversas sciencias, como sobre os negocios do Estado, que o paiz, cansado das reacções e das regencias, acclamou-o maior a 23 de Julho de 1840, tendo elle apenas 15 annos de idade.
E foi aqui que pela primeira vez o menino despio as faxas da infancia, para erguer-se como um vulto imperante, e demonstrar ao mundo a firmeza de uma vontade energica, arrostando e vencendo com um « quero já » a todos aquelles que se oppunhão á sua maioridade, reclamada pelo povo. E no dia 18 de Julho de 1841 foi a cidade do Rio de Janeiro testemunha do grandioso espectaculo da coroação do seu Monarcha, vendo com esse diadema que cingia a fronte augusta coroados os seus mais ardentes desejos, e realizada a felicidade de todo o Imperio.
Os decretos de amnistias, as commutações de penas, a sancção a todos os actos justos dos ministerios, a caridade com que prompta e espontaneamente acudia aos reclamos da miseria, e o vivo interesse que tomava pela sorte de seus subditos, e sobretudo o respeito dos cultos e da moralidade dos costumes, vierão firmar em todos os espiritos a convicção que já tinhão de que o Sr. D. Pedro II, além de Imperador por herança e unanime acclamação do povo, era tambem o pai commum de todos os Brazileiros.
E, como se a Providencia quizesse não só multiplicar os seus favores, senão tambem que um Ente tão caro se reproduzisse em outros Entes, cujos dotes divinos tornassem viva e indelevel no coração do povo a idéa do Penhor da sua ventura, um novo Anjo tutelar voou do céo da Italia ao horizonte do Brazil, onde acompanha o grande Luzeiro em sua marcha radiante, e, bebendo-lhe os raios de sua gloria, vôa ao povo a trazê-los repartidos em sorrisos do amor maternal que lhe consagra; e esse Anjo ė S. M. I. a Sra. D. Theresa Christina Maria, irmã de D. Fernando II, rei de Napoles, com quem se casou o Sr. D. Pedro II no dia 4 de Setembro de 1843.
O primeiro fructo de tão feliz consorcio foi o Principe Imperial D. Affonso, que, se não servio ao povo senão para fazê-lo prantear a sua perda, serve á historia do Pai para commemorar-lhe um facto que demonstra a sua extrema sensibilidade. Com effeito, quem vio o Imperador com o recem-nascido nos braços, pallido de emoção, apresenta-lo e dizer: «E’ um filho que à Providencia......» e afogar-se-lhe no pranto a palavra, comprehende que o Sr. D. Pedro II é não só sensivel aos estremecimentos do amor paterno, senão tambem á sorte de seus subditos, a quem considera membros de sua familia participando-lhe a felicidade do seu coração.
Depois de pacificado o Imperio dessas commoções revoltosas com que o despeito do sentimento egoista e avido de poder, sob a mascara da política, tem illudido a fé publica e vestido de luto e de andrajos muitas familias, o Sr. D. Pedro II quiz mostrar-se a todos os seus subditos, para que elles vissem nos traços angelicos de sua physionomia, na nimia delicadeza de seu trato, na incansavel bondade de suas acções, na religiosidade de seus costumes, na robustez do seu talento e illustração, na actividade de seu corpo e de seu espirito, e na placidez de seu animo imperturbavel em face do perigo, uma protecção que nunca se descuida nem se esquece, e uma garantia ao seu bem-estar.
Com esta deliberação Sua Magestade demonstrou que bem comprehendêra as causas de semelhantes revoltas, e que além disso possue a aptidão do homem de Estado, que de prompto alcança e executa os meios de evitar a continuação dos males de qualquer ordem que porventura possão flagellar o paiz. No dia 5 de Outubro de 1845 partio Sua Magestade, acompanhado de sua Augusta Consorte, e dirigio-se a Santa Catharina, onde visitou os principaes municipios, e esteve de 12 de Outubro até 8 de Novembro, data em que seguio para a provincia do Rio-Grande do Sul, onde se demorou até 11 de Fevereiro de 1846, alegrando com a sua presença desde a capital até á campanha; e depois voltou a Santa Catharina, onde esteve até 17 de Fevereiro, dia em que partio para Santos e dahi para S. Paulo, regressando á corte no dia 26 de Abril do mesmo anno.
Aos 20 de Março de 1847 partio Sua Magestade para Macahé com o intuito de visitar varios municipios da provincia do Rio de Janeiro, e voltando por terra chegou a Nitherohy a 30 de Abril do mesmo anno.
Durante estas viagens Sua Magestade sorprendeu a todos, que vião na sua destreza e segurança a cavallo, na actividade de suas marchas, na indifferença com que passava a noite em uma boa cama ou em uma esteira, no fundo de um rancho ou sobre o balcão de uma venda, uma antithese perfeita do homem delicado, que nunca deixára o palacio e a côrte, e que por conseguinte, identificado com todas essas commodidades e grandezas que incessantemente cercão tão altas gerarchias, devêra necessariamente repugnar e sentir a privação desses commodos a que estava habituado; entretanto, com geral espectação, Sua Magestade, impassivel ao vento, á chuva e ao sol, parecia um homem afeito a viajar a cavallo selvas e campinas, e até stepes e Saharás.
Em 1849, 1850 e 1855, épocas fataes, em que a febre amarella e o cholera-morbus desvastárão o Imperio, e em que a côrte teve hospitaes a cada canto de rua para acudir de prompto ás victimas, que cahião como fulminadas por esse raio pestilento, quando o terror do contagio começava a afugentar a todos da cabeceira dos doentes, trazendo esse panico a funesta consequencia de familias inteiras morrerem ao completo abandono, Sua Magestade, estremecendo no receio de que semelhante desgraça progredisse, palpitando de amor pela vida de seus subditos, corre aos hospitaes afim de, com o exemplo vivo do seu procedimento, gritar aos corações de seus subditos por esses sentimentos de abnegação a caridade tão communs no coração brazileiro, e que por um tetrico torpor havião por um instante adormecido.
E era bello e edificante o quadro que á luz mortiça do desfallecimento e da dòr se desenhava em grupos vivos de animação e caridade christã ! !....... No plano de luz sobresahia o perfil da Magestade, que se reconhecia, não pelo manto nem pela corôa, mas pela elevação do sentimento que nesse momento solemne lhe irradiava o semblante de uma graça evangelica ! !...... Sentado nas camas infeccionadas do mal contagioso, solicito em examinar com os medicos do estado da enfermidade e dos meios de evitar o seu progresso, levava elle mesmo á boca do enfermo o caldo ou o remedio, e com elles a vida envolvida nessas palavras de desvelo paternal, que se infiltravão no coração já entorpecido pela algidez da morte, e o acordavão da lethargia dos tumulos para abençoar e agradecer essa visita consoladora que a Providencia lhes enviára. Ao exemplo do Imperador todo o mundo quer ser enfermeiro, e ninguem pede recompensa do seu trabalho; os medicos e pharmaceuticos inventão formulas; os soccorros hygienicos e de todo genero abundão por toda a parte, e a mortalidade cessa em todo o Imperio.
Sempre desvelado e perseverante em conhecer por si mesmo das necessidades de seus subditos, e em estudar os meios de felicita-los e engrandecer o paiz, o Sr. D. Pedro II em 1859 viajou as provincias do Norte até á Parabyba; e durante essas viagens reproduzirão-se os episodios mais brilhantes que podem ornar a vida de um rei philosopho e cidadão. Clemente, benigno e esmoler, por toda a parte por onde passa leva comsigo as bençãos e o coração do povo ; na hora da privação esquece-se de si, e só se lembra daquelles que o cercão ; não se póde ver accommodado e um pobre servidor exposto ao frio e ao relento, a sua philosophia religiosa e a bondade de seu magnanimo coração não podem supportar isso, que para elle é uma injustiça atroz, e fazem-o repartir com o seu subdito a estreita cama onde repousa; qual Alexandre, priva-se de matar a sêde desde que a agua não chega para todos os que o acompanhão ; e, se se trata de atravessar um perigo, e lhe querem embargar o passo, elle insiste dando em resposta como unica desculpa da sua relutancia: « E vós não passastes?» E’ assim que o Sr. D. Pedro II tem conquistado palmo a palmo o amor e veneração de seus povos.
Como Brazileiro, sentia profundamente o abuso que certos estrangeiros fazem dessa hospitalidade e cavalheirismo com que o Brazil se tem distinguido, prestando-se sempre com lealdade e franqueza a agazalhar os seus hospedes e a concorrer até com sacrificio para a manutenção de relações amigas não só das vizinhas, como das outras nações, e como chefe do Estado lamentava o embaraço que as Camaras e certos Ministros oppunhão á creação dos meios de elevar o Imperio á attitude de repellir qualquer affronta porventura dirigida á soberania nacional por essa força abusiva com que as nações poderosas em nome do direito e da liberdade impoem e esmagão com o poder dos seus canhões os direitos e liberdade das nações fracas, quando em Janeiro de 1863 o Ministro Inglez Christie, sob o pretexto de suppostos assassinatos, roubos e insultos feitos em subditos Bretões, em nome da omnipotente Albion manda o Almirante Warren cruzar nos portos do Brazil, e fazer represalias em propriedade brazileira.
A injustiça deste insulto atirado na face de uma nação amiga e tolerante offende profundamente os seus brios, e levanta tempestuosamente a onda do patriotismo chocado em sua dignidade; cedendo a um movimento instinctivo, ella cresce , e sobe tão alto que em seu fluxo e refluxo vai buscar o Imperador, e tra-lo a nivelar-se com o povo.
E o Sr. D. Pedro II, participando da indignação que agita o espirito nacional disposto a cavar um abysmo e nelle se afundar, antes do que vêr ultrajada a sua honra e soberania, manda reunir o Conselho de Estado, afim de prompta e definitivamente deliberar sobre uma tão triste conjunctura ; e, vendo-se rodeado por essa massa popular, que, fremente de enthusiasmo, prorompia em ruidosas manifestações, sente-se commovido ao espectaculo de um povo que na hora da afflicção se ajunta em torno do Chefe, em cujas mãos tem posto os seus destinos, e exclama ao som dos vivas cheios de admiração e reconhecimento : « Eu sou primeiro que tudo Brazileiro, e como tal mais do que ninguem empenhado em manter illesas a dignidade e honra da nação; e, assim como confio no enthusiasmo do meu povo, confie o povo em mim e no meu governo, que vai proceder como as circumstancias requerem, mas de modo que não seja ultrajado o nome de Brazileiros, de que todos nós nos ufanamos. E lá onde succumbir a honra e soberania da nação eu succumbirei com ella. »
Atè ás 2 horas da noite esteve Sua Magestade com o Ministerio á espera da resposta á nota dirigida pelo Governo ao Ministro Inglez, e a multidão, guarnecendo todo o largo do Paço, acompanhava o seu Monarcha na anxiedade com que queria vêr instantemente desaffrontados os brios nacionaes.
Era uma hora de angustia, em que a imprudencia de um Ministro ia sacrificar duas nações, quando a luz da Providencia, espancando as trevas que havião envolvido aquelle craneo, dictou-lhe a reparação exigida pelo Governo Imperial.
Uma explosão de alegria saudou o favoravel desenlace, os mesmos Inglezes o applaudirão ; e o povo, vendo como causa desse effeito a energia do sentimento patriotico que já tinha compulsado, frenetico quiz vêr o seu Imperador e agradecer-lhe ; e então ainda mais se fortaleceu na opinião de que o Sr. D. Pedro II é um verdadeiro Irmão do povo, quando se trata de defender-lhe as suas garantias; nesta resposta por elle dada á felicitação que lhe dirigio a Camara Municipal da Côrte : « Já o disse, mas tenho prazer em repeti-lo ; a nação brazileira não póde contrahir divida com o seu Imperador. Nas horas das provações contem os Brazileiros sempre commigo, e depois desejo como recompensa ainda achar-me no meio delles, para, formando todos nós uma só familia, trocarmos nossas expressões de affectuoso jubilo. »
Dahi em diante o Sr. D. Pedro II sentio a convicção de que só elle podia arrostar opiniões que, embora nascidas de representantes do povo, no entretanto não traduzião os sentimentos do mesmo povo. E ei-lo infatigavel, construindo fortificações nos pontos estrategicos do litoral e elle mesmo fiscalisando essas obras, armando as fortalezas e incessantemente visitando-as e assistindo aos exercicios de fogo, animando com sua presença o trabalho das officinas dos arsenaes, mandando construir navios, fundir peças e experimentando-as com risco de vida, pois vio-se por vezes no meio de estilhaços daquellas que arrebentavão..... E mal sabia elle que todos estes preparativos bellicos erão o prognostico de guerras a que em breve o Brazil seria forçado !...
Montevidéo fez-se cargo de mais uma vez pôr em prova o valor e abnegação do soldado brazileiro, que, abrindo ás brizas do seu amor patriotico o estandarte auri-verde verde, foi hastea-lo tinto do seu sangue de heróe ao rebombo do canhão inimigo nas muralhas de Paysandú.
E logo após o selvagem Paraguay, invadindo o nosso territorio, devastando nossos campos, roubando nossas propriedades, matando barbaramente gente pacifica e inerme, e fazendo pobres velhos espectadores de scenas lubricas, em que os algozes sacrificavão, sobre o cepo da deshonra, virgens, cujas lagrimas nem a syncope da angustia lhes excitavão compaixão, fez sôar um grito, unisono de desespero e de colera: — Vingança ! E este grito, reperculindo por todos os valles e quebradas dos montes, por todas as brenhas e lugares mais invios do Brazil, chamou ás armas a todos os seus filhos. Voluntarios da patria, gritão todos, vingança !
E o Sr. D. Pedro II, o rei cidadão, o rei philosopho, o Brazileiro por excellencia, chorando de enthusiasmo ao abraçar esses heróes Spartanos do seculo 19, que abandonão seus commodos, suas familias, seus negocios, seus interesses, pais e mãis que offerecem seus filhos, filhos que abandonão seus pais, e até mulheres que se apresentão para pensarem os feridos, e outras que se vestem de soldado, e que todos acodem aos reclamos da patria, sente regorgitar-lhe nas veias o sangue dos heroes, e escaldar-lhe no peito a febre do amor patriotico. « Sou Defensor Perpetuo do Brazil, e quando meus concidadãos sacrificão suas vidas em holocausto sobre as áras da patria em defesa de uma causa tão santa, não serei eu que os deixe de acompanhar ! » Magnanimo exemplo! Grandioso espectaculo é esse, em que um rei para partilhar com o seu povo das provações e dos perigos despoja-se das purpuras do manto e veste a farda popular de voluntario da patria | !...
No dia 10 de Julho o vapor Santa Maria deslisava-se garboso pelas aguas da nossa bahia, que tranquillas e serenas parecião petrificadas de saudade e de assombro, como o povo que em massa compacta guarnecia o litoral. Era o rei soldado que caminhava para a guerra |
A provincia do Rio-Grande do Sul, tão nobre em seus instinctos, tão altiva em seu valor, em consequencia das dissenções estabelecidas por essa politica de individualidades, que tão graves males tem originado ao paiz, não tinha as suas fronteiras devidamente guarnecidas, e o inimigo invadio-as. O panico já se tinha apoderado de todas as familias, ao ponto de estarem dispostas a emigrar, quando no dia 16 o coração de toda essa gente desolada sorrio-se de esperança e felicidade.. E’ que o Anjo Salvador do Brazil acabava de abordar a essas plagas! Bem vindo! Era a phrase interjectiva que se lia em todos os semblantes ! ! E a ventura substitue ao terror, o cego capricho cede o lugar ao enthusiasmo, e em cada cidadão se vê um soldado, e nacionaes e estrangeiros disputão a gloria de acompanhar o Imperador ás fronteiras.
E elle, sempre empenhado na segurança e bem-estar de seus subditos e na inviolibilidade de seus direitos e garantias, só se lembra de si para atirar o seu corpo ao sacrificio e ao trabalho, e a sua alma ás cruciações de um scismar profundo nos meios de resgatar o Brazil dos males com que durante estes ultimos tempos tem sido flagellado.
Exposto ás geadas, aos vendavaes e ás chuvas torrenciaes, ei-lo a galope atravessando campinas, arroios e cochilhas, caminho de Uruguayana, de que o inimigo se apossára ; e nesse trajecto, tão rapido quão veloz é o seu corcel, elle vai deixando o vestigio luminoso da força e grandeza de sua alma, da delicadeza e bondade de seu coração.
Aqui, é um pobre velho quasi decrepito que se lhe arrasta aos pés lastimando-se de não ter mais força para brandir uma espada e ir vingar a patria e a quem elle abraça e protege; alli, é a mulher desvalida que lhe vem ao encontro, chorando de necessidade, e que volta chorando de reconhecimento, porque leva a consolação o pão para seus filhos; mais além, é uma pobre viuva a quem a deshumanidade de um credor lhe ia arrancar o seu albergue, unico bem que lhe deixára seu marido, e a quem a Providencia envia nas azas da tempestade um Anjo, que lhe dá dinheiro para pagar a sua divida, e para acudir a outras necessidades.... E assim vai elle esvasiando a sua bolsa pelo caminho, e semeando consolações, que enxugão as lagrimas da desgraça.
Acompanhado de seus Genros, fa-los provar a amargura do pão negro da miseria, que muitas vezes é o seu unico alimento na viagem, e presta-lhes o exemplo da resignação com que supporta o frio e a fome, e dorme sobre uma carreta, ao som do estampido do raio, como se dormisse em um leito de rosas embalado pelos magicos sons das harmonias celestes! E’ que aquella consciencia jámais estremecêra no remorso de uma acção menos recta, e sua alma se sorria por entre os sonhos da esperança de poder assegurar a seus subditos um futuro lisongeiro.
No dia seguinte acorda no meio dos destroços feitos pela tempestade, vê o campo coalhado de cavallos que havião morrido durante a noite, carretas quebradas, barracas que tinhão sido levadas pelo tufão, e nada disso lhe abalou o espirito; porém quando vio um soldado quasi morto, enregelado pelo frio, sua alma se confrange na dor de semelhante desgraça, e prompto corre a soccorrê-lo; tira de seus hombros a sua capa e com ella o agazalha; e, emquanto busca chamar o calor e a vida ao misero soldado, esquece-se de si, e tirita de frio no meio da geada.
Nem a chuva, nem o vento, nem o frio, impedem o Imperador de viajar, de passar revistas ás tropas que vai encontrando pelo ,caminbo, e de expedir suas ordens no sentido de facilitar a marcha d’essas forças que se dirigem ao theatro da guerra. No meio d’esse sentimento de aversão que o canibalismo inimigo levanta em todos os corações humanitarios, o Sr. D. Pedro II não se esquece de recommendar a seus soldados a generosidade que devem dispensar aos vencidos, e promette severo castigo aquelle que ousar manchar a pureza do pavilhão brazileiro com qualquer acto de barbaridade que desvirtue o elemento civilisador que suas armas representão.
O inimigo fortificado em Uruguayana, não queria render-se; o exercito sitiante podia obrigal-o a pagar com a vida todas as depredações por elle feitas, mas hesita entre esse procedimento e as notas dirigidas por Estigarribia. Dir-se-hia que a causa de tão longa perplexidade era o disputarem-se entre si os generaes alliados a gloria do commando em chefe do exercito, e, se assim fosse, o Brazil iria representar o triste papel de não ser elle quem dirigisse o movimento que tinha por fim apoderarmo-nos do inimigo que ousára invadir as nossas fronteiras, assignalando a sua passagem com a destruição, o incendio, o saque e a deshonra.... Mas uma nuvem de cavalleiros lá disponta dirigindo-se para o lugar do assédio.... A’ frente d’ella se distingue um vulto que aos outros se avantaja em figura e na velocidade da carreira.... Quem será?!..... Os Generaes asséstão os seus binoculos, e, reconhecendo-o, correm ao seu encontro.... E’ o Sr. D. Pedro II que, não querendo que o Brazil seja despojado do quinhão de gloria que devidamente lhe cabe por seu valor e sua força nesta cruzada civilisadora, vem, atravessando rios e banhados, e viajando 15 leguas por dia, elle mesmo assumir o commando do exercito em operações no sitio de Uruguayana! !... Abrem-se fileiras, as bandeiras se desfraldão, e o exercito brazileiro tomando á direita o seu lugar de honra, faz ouvir durante a continencia o hymno nacional.
Logo após Sua Magestade vai reconhecer a praça a uma distancia de tiro de fusil, e manda apertar o sitio, fazendo o exercito marchar rapidamente sobre as trincheiras até menos de duas quadras dos fóssos. Este movimento intimida o inimigo, que manda dizer que se rendia ao Imperador do Brazil.
E cahio a Uruguayana! E cahio o grande baluarte das esperanças de Lopez do partido reaccionario oriental! E cahio esse inimigo que tanto ostentava de forte e audaz! E ergueu-se á soberana vontade do Sr. D. Pedro II, como um colosso prestes a esmagar essas hostes vandalicas mais ainda que esses exercitos que marchão sobre ellas, a figura valerosa mas sempre humana e civilisadora que o Brazil representa em todas as lutas politicas, e que seus inimigos tem procurado denegrir, e o deleixo e cobardia de alguns de seus administradores não tem sabido sustentar!
E ergueu-se mais que tudo, dominando a todos os vultos do seculo, e demonstrando á historia o typo dos reis que deverão governar para a felicidade dos povos, o primeiro Brazileiro, o homem de la Bruyère, isto é, talhado pela natureza para ser rei, o Sr. D. Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil.
EDUARDO DE SA’.
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