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A esperança

 

poesia? que a mulher atraiçoa? que o homem é um tigre? que Deus é injusto? De que servem essas doutrinas? alguem aproveita com ellas? Apenas poderão servir para eivar on intendimento com a peçonha das supposições e produzir na intelligencia o estado marasmatico do tisico no derradeiro praso.

Hoje que as intelligencias, logo ao nascer, se declaram n'um estado de lucidez immensa, hoje, digo, essas loucuras serviriam tão sómente para corromper tanto mais o espirito quanto elle é mais claro.

É indispensavel que aquelle que se destina a traduzir em verso, tudo quanto se lhe apresenta diante dos olhos da alma, se lembre de que o povo é o que mais precisa d'illustração e o que mais a deseja, e que para lh'a dar e poder alcançar d'elle alguma cousa, é necessario fazer-lhe comprehender a que se destina hoje a vida e para o que ella se sacrifica.

 
 
 
Bardo

Oh! quem morrèra sonhando
Um sonho tão venturoso;
Embora fosse illusão,
Mas era um sonhar ditoso!...

Só idéas pavorosas,
Lembranças amarguradas,
Ha muito que nem dormindo
Sonhava glorias passadas!

Ah! bem hajas sonho amigo
Que assim vieste afagar
Quem nas solidões da terra
Vive só para chorar!

Sonhei-a triste nos bosques,
Solitaria a suspirar;
Tão pallida, emmagrecida,
Como a quizera encontrar:

Qual a rosa delicada
Que em aureo vaso nasceu,
Mudada para o deserto
Emmurchece, a côr perdeu.

Lindas, galas que na corte
Suas graças realçaram,
Em negro manto, sem arte,
Nas solidões se mudaram!

Como assim era formosa!
Como est'alma inda encantou!
Cercada outr'ora de fausto
Mais amor não lhe inspirou!...

Se dos seus lindos cabellos
A côr tivesse mudado,
Se a saudade a envelhecera,
Muito mais a houvera amado!

Mas as faces macilentas,
Os olhos já encovados,
Traduzem do coração
Os dias amargurados!

Brando somno, em tuas azas
Acolhe o triste amador,
Deixa que morra sonhando
Nos braços do seu amor!