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A esperança
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Meigos sonhos feiticeiros,
Dai-me de novo a visão,
Dizei-me onde Olinda vive,
E se por mim tem paixão;

Dizei-me se de saudades
Ella vive, a suspirar,
Ou se já no ceu fulgura
Dos puros anjos a par;

Ah! dizei se outro mortal
Tambem foi por ella amado,
Ou se, fiel aos seus votos,
Jámais me tem olvidado.

Era na hora em que o sol formosos raios
No seio do oceano hia esconder;
Era silencio tudo, só se via
Nas solidões o Bardo a percorrer;

E no sonho feliz inda scismando,
Longo tempo ao acaso caminhou,
E no mais ermo sitio das montanhas
Co'um venerando er'mita deparou

 
 
A minha irmã

Quiz dar-te hymnos d'amor, debeis os dedos
não sabiam soltar da lyra o canto.

T. Ribeiro.


E' sublime, é bello e attrahente, o magico encanto em que apparece envolta a grata e roxa aurora d;um dia de peregrina belleza, ostentando tanta formosura, quanto é sublime o mysterioso e indefinivel respeito e veneração que nos incute n'alma o terno murmurio d'uma fontinha limpida e amena, a cahir preguiçosa no fraguedo d'uma quebrada, e em cujo espelho de cristal o astro da saudade reflecte, coados pela folhagem de copa das acacias, seus pallidos e melancholicos raios!...

Assim tua existencia se deslisa, cara irmã, radiante de belleza e suave candura; belleza e candura que mais realça quando fitas o azul da immensidade, como querendo prescrutar os arcanos do futuro, onde tua alma nada mais póde ver que o impossivel e a innocencia de teu coração; e depois baixas teus bellos olhos, como arrependida da acção que commetteste, e aceitas, meiga, de cada primavera, que donairosa te sorri, as tambem innocentes florinhas com que adornas a corôa de virgem sympathica, enfeite simples de tua bella fronte.

E' hoje o feliz dia de teu anniversario natal, amavel companheira da minha infancia, e meu peito, jubiloso, exulta de prazer ao contar os dezenove annos que prefazes, no decurso dos quaes tens sempre caminhado sobranceira pela aprazivel senda que o destino te marcára, recamada de odoriferas boninas; pois que tua alma é pura e sancta como a poesia em que nos sentims arrobadas n'uma tarde de maio, quando o sol, no zenith do horisonte, lança ao cume das montanhas seus bruxoleantes raios, e ouvimos por entre o leve rumor das sombrias faias, ou virente folhagem, bafejadas pelas auras, que orlam a margem d'um solitario roacho, as compassadas e melodiosas endeixas do melancholico cantor das selvas.

Quizera hoje enviar-te um lindo ramalhete de formosissimas flôres, mas nada mais posso offerecer-te, contra o meu desejo, que um brusco ramos de flôres silvestres, d'aquellas que se espalham por sobre a relva mimosa e avelludada e que matisam as campinas das mais variegadas côres, esperando que as acceitarás e acolherás com a mesma ternura, que as phrases sinceras que o coração, venturoso, te envia da

Tua irmã extremosa e
verdadeira amiga,


31 de Janeiro de 1863.

A. S. de Sampaio e Silva.