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A esperança

 

Adelaide sentiu-se muito sensibilisada. Procurou senhorear sua commoção, para o animar, e para que elle não pensasase que aquelles maus annuncios a impressionavam e affligiam. Passado pouco disse, deitando-lhe a mão ao braço carinhosamente, e fazendo-o voltar para ella:

― Meu rico, não nos conhecemos de pouco, e sabemos que temos força para tudo. Fallemos sem rebuço, e sem tristeza. Estás ameaçado de fallir?

― Não te nego que me vejo em grandes embaraços; mas nada me annuncia proxima quebra. Por ora o meu credito está em toda a sua força; e no commercio o credito é tudo; mas, se vier a não poder ser exacto nos meus pagamentos, como receio...

― Custodio da Cunha, escuta-me. Não sirvo para dar conselhos; mas o affecto de esposa e mãe me obriga a dizer-te o que o coração, a fraca rasão, e a experiencia me estão dictando. O negociante, que sente proxima a sua ruina, apega-se a quantas coisas lhe parecem taboas de salvação, e cada vez se afunda mais. E' muito melhor aceitar logo a taça amarga que Deus ou os homens nos apresentam, do que afastal-a para depois a bebermos com dobrado fel, sem fallar dos dias de ancias e noites de insomnias que se devem passar emquanto a duvida e receio nos baloiçam sobre o abismo. E' melhor descer lá com coragem e resignação. Deve ser menos custoso.

― Tens rasão, corajosa mulher; mas por ora não chegamos a essa extremidade.

― E oxalá que nunca cheguemos; porém se chegarmos, nada de fraquear. Não te tornarei a fallar n'isto, para te não mortificar inutilmente. Sê franco commigo. Sabe que eu sou meia philosopha. Para a vida tão curta, não vale a pena de nos atormentarmos muito. Uma jornada, por incommoda que seja, soffre-se bem, quando temos esperança de chegar a boa paragem.


Errata ― No nosso n.o5, pag. 37, linhas 31, onde se lê ― fez-se espião, como sempre o fôra primeiro ― deve ler-se ― fez-se espião, como seu pae o fôra primeiro.

 
Quem chora?
 
 

Hen mihi quia inculatus meus
prolongatus est. (Ps.19 ― v.5.)


Quem é que póde na vida
Uma lagrima sentida,
Sobre um finado verter!
Quem póde carpir a morte
Quando nós temos, por sorte
― «Chorar no mundo e morrer!»

Quem póde carpir saudoso,
... Sobre o crepe tenebroso,
A morte de quem amou?
bain Quem é de gosos exausto
oma Que adora este mundo infausto
Onde a dita nunca entrou?

Quanto é vão o delirante
Que não olha como instante,
A vida que Deus lhe deu?
Quem não teve entendimento
P'ra ler no seu nascimento
― «Morte e pranto é fado teu!»

Ninguem chore sobre a lousa
Sob a qual, a cinza pousa
De quem não padece já!
te odi Ninguem chore, quem quebrára
Da vida o laço, e voára
tan Ao seio de Jehovah!

Chorem só os desgraçados
Que foram como eu creados
Para eterno padecer!...
Chore ― quem tiver meu norte,
Quem tiver a minha sorte,
Que é― «penar... depois morrer!»

J. Caldas.