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A esperança
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E vès as galas seductoras, lindas,
Que o prado despe com tristesa e dó?
De minha infancia as illusões já findas
Tambem na terra me deixaram só !

Nevadas serras, onde a flor pendida,
Sem luz se fina, não vês tu além?
E' como os gelos de cançada vida,
D'alma as florinhas roubarão tambem!

Presagio triste que me enlueta agora,
Me diz que as flores nunca mais verei

A' vida volva a natureza, embora;
Não posso vêl-a remoçar, bem sei !..

Não posso !.. ao menos se na campa amada
Teu pranto amigo uma só vez cair,
Verás a rosa que alli for plantada,
Sob teu pranto, junto a mim florir.

Lodeiro 29 d'outubro.

 
 
A uns annos
 
 

O dia desponta, vestindo de gala,
e as rosas se abrem no calix em flor;
a rôla queixosa espaneja as asinhas,
a aurora saudando em ternos requebros, e arrulos d'amor.

A brisa ligeira a fronte me affaga;
em tudo ha poesia, na dor é que não...
quizera n'um hymno cantar vossos annos,
não posso, não sei; mas gravo uma data no meu coração.

13 d'abril de 1862.

 


De noite

Tam na praia; terminára o dia;
A voz do mar enchia a solidão.
Ella ás trevas do céu a vista erguia:
Elle olhava sombrio para o chão.

Escutava-se ás vezes da procella
Passar no vento o lugubre rumor;
E nem ella nos ceus via uma estrella,
Nem elle sob os pés tinha uma flòr.

Como o escuro da noite era profundo,
Elle disse-lhe ― «O mundo a luz perdeu:
Mas em mim ha mais trevas que no mundo,
Umas encobrem Deus, outras o ceu..

A duvida fatal á dòr se ajunta,
E ao desalento o espirito conduz.
Tu, que fallas com Deus, a Deus pergunta.
Porque dá trevas a quem busca a luz.»

A voz d'ella vibrou suave e pura
Respondendo-lhe ― «a sombra em vós está:
Os astros brilham na suprema altura,
E estas nuvens não chegam até lá.

Eu tambem busco em vão a luz do Oriente,
Eu tambem vou sem luz... mas sinto. Deus,
Como o cego adivinha o sol ardente
Pelo almo calor dos raios seus.»