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jar-lhe as mãos á vontade. Mas esta gente fidalga tem coisas!.. Porque não quereria elle ver-lhe as pernas e cortar-lhe a cordagem?

No entanto a demora de Francisco, fez que o bafejo em uma das mãos de Maria Isabel se tornasse um longo beijo. Bem sabia Maximino que isto tambem não seria permittido pela donzella, mas não esteve em seu poder reter esta caricia, e grande exforço fazia em não beijar aquelle rosto tão lindo e tão pallido, junto a si. Francisco chegou com agua. Deitaram-lhe algumas gôtas na bôca da menina, que parecia respirar com mais alguma força. Depois o marinheiro, sem prevenir o outro moço, tomou um grande bochecho d'agua e o esparziu com força no rosto pallido da joven. Maximino estremeceu como ella. Sentiu uma sensação desagradavel que tinha suas particulas de ciume. Aquelle homem lançára sobre Maria Isabel, agua que tomára na bôca! Apressou-se a limpar cara e pescoço da menina, que vinha a si.

― Alagaste-a, disse elle um tanto zangado; e isso póde fazer-lhe mal.

― Fez-lhe muito bem. Olhe, abre os ramalhudos olhos! Senhora D. Mariquinhas... não me conhece? Sou Francisco. E aqui está tambem o snr. Maximino. Estavamos ambos estarrecidos por vêrmos a v. s.a assim como morta.

Ella soltou um doloroso suspiro, levou a mão á testa e balbuciou:

― Não tornarei a vêr minha mãe... Ella me amava tanto... Já não tenho ninguem que me ame!..

― Maximino, impensadamente, apertou-a ao coração com o braço que a sustinha, estreitou com affecto a mão que aquecia, e levou-as aos labios. Ella estremeceu, voltou os olhos para o mancebo, córou e buscou soltar-se-lhe dos braços ao tempo que o marinheiro dizia:

― Ninguem a ama!! Então aqui o snr. Maximino, e cá a pessoa, não somos gente? Mas não me dirá o que é feito da snr.a mãe?

― Foi trabalhar para casa do snr. Fonseca: ― respondeu a filha de Ricardo d'Oliveira, já livre de Maximino, e procurando com mão incerta remediar algum desarranjo dos seus vestidos.

― Não está má essa! Deixal-a aqui sósinha um dia todo! Vou chamal-a. Vou, e venho num pé só. O snr. MAximino fica a fazer-lhe companhia.

― Se a snr.a D. Maria Isabel consente... ― balbuciou o outro mancebo.

― Consente; pois, porque não havia de consentir? E eu demoro-me pouco. O snr. Fonseca não móra longe.

E elle sahiu pensando:

― Agora, ou queira ou não, ha-de dizer-lhe que lhe quer bem. Sou muito amigo d'elle; mas aquelle acobardamento n'um homem, faz rir!.. Não querer vêr as pernas á pobre menina!.. Assim como que tinha medo!.. Pois ellas ao que os pés mostram, não hão-de ser de metter medo. E que o vento nos escaceie no mar alto, se eu tinha mau sentido. Queria só trazel-a a reboque para a vida. Mas se uma das minhas affeiçoadas estivesse assim, sem mecher com pé nem mão, não desgostaria de ver se tinha as gambias tortas.


Supplica

Audi... verba mea.
(Kempis. smit: christ.)


Que peça o bardo um coração amigo
A' luz que brilha em matinal raiar,
Que o ermo triste e monhacal jazigo
Lagrimas queira p'ra o que viu finar,