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A esperança

 


Que o nauta peça bonançosa aragem
Que peça o triste virginal solidão,
Que o monge implore divinal mensagem
Salvando a terra d'infernal volcão.

Que virgem meiga com saudosa magua
Anhelle a sombra com que já sonhou,
Que eu-mal extincto de-me Deus só agua
Que apague o fogo que me já queimou.

J. Caldas.

Eremita

Quando a febre e delirio me deixaram,
Teu destino indaguei; porém debalde:
Anhelava prostrar-me ás tuas plantas,
O teu perdão humilde supplicar-te,
Dizer-te: ― esse marquez feroz, altivo,
Mais que a sombra não é, do que já fora;
E que d'Olinda á mão renunciavam
Para ver-te a seu lado venturoso; p
Mas já perdida a esp'rança d'encontrar-te,
Um mundo abandonei que me perdèra...
Onde me fiz perverso, onde deixára
Um puro coração, honra e virtude!..
Approuve ao céo benigno que eu vivesse
Para expiar os meus crimes enormes!
Recordar um passado só d'horrores,
Supportando o remorso despiedado,
O filho inflexivel da consciencia
Que injustiças não cala, não perdoa!..
Vivi para soffrer, qual condemnado!..
Agora, o coração diz-me que o céo,
Do penitente humilde me ajudára:[errata 1]
Essa sombra, que outr'ora, ensanguentada,
Terrivel me seguia em toda a parte,
Cessou de me apparecer e apaziguada,
Talvez já me perdoa generosa...
O' Providencia! quanto eu te bem digo!
Sim; Deus é sempre bom, grande e potente!..
Não 'squece o peccador n'essa hora estrema!
E a mim te conduziu, pendido ao tumulo,
Qual anjo, o meu perdão annunciando!
Ah! eu tive na infancia santas crenças,
Amava o Creador dos céos, do mundo,
Tinha fé que o meu anjo me guardava
E em sonhos eu o via muitas vezes
Emquanto que era joven, virtuoso;
Mas logo na minh'alma a crueldade
Crescia mais e mais que do meu anjo,
Em breve m'esqueci, qual renegado!
Aile elle espavorido abandonou-me
Na carreira de crimes horrorosos,
Fé que visse indomavel perseguir-me[errata 2]
O remorso cruel, de noite e dia!
Talvez o meu martyrio o apiedasse
Que em sonhos me sorriu já, como outr'ora
Quando dormia, a noite derradeira;
O céo em meu favor elle chamou
E a minha converção foi obra sua.

Sabino!.. o teu perdão... eu desfalleço...
Perdoa! como Christo perdoava
As injurias mais vis e atroz tormento!
Teu coração verás tranquillisar-se,
D'alma paz as venturas desfructando!...


E no seio do Bardo começava
Do céo divina luz a scintillar,
Banindo-lhe o rancor, odio, vingança,
Compassivo o movia a perdoar.

  1. Correcção: Do penitente humilde me ajudára: deve ler-se Do penitente humilde se apiedára: detalhes
  2. Correcção: Fé que visse indomavel perseguir-me deve ler-se Té que visse indomavel perseguir-me: detalhes