— E esse olho do minguinho — ajuntou a Rã — podia ser como os microscópios, capaz de enxergar coisinhas invisíveis aos olhos comuns. Mas haveria um inconveniente, Emília. As mãos lidam com tudo, trabalham muito, e esses olhos do minguinho haviam de viver se enchendo de cisco ou se arranhando — e que dor!
— Nada mais fácil do que evitar isso — lembrou Emília. — Basta que usem dedaizinhos. Ficam cobertos quando não tiverem o que fazer. Mas por enquanto não podemos reformar gente, porque não há gente aqui. Todos os humanos do Sítio foram para a Europa.
— E Rabicó?
— Esse é desumano e quadrupedíssimo. Já pensei muito na reforma de Rabicó. Podemos transformá-lo em bípede e...
— E acabar com aquela mania de comer tudo quanto encontra — continuou a Ra. — Eu faria assim: no focinho punha uma espécie de ratoeira, sempre armada; quando ele avançasse num doce ou em qualquer coisa séria, como aquela coroa do casamento de Narizinho, a ratoeira desarmava e segurava-lhe o focinho. E também dava-lhe pernas de tartaruga, para que não pudesse fugir quando Pedrinho o perseguisse com o bodoque.
Emília olhou para a Rã com ar desconfiado. Aquelas idéias pareceram-lhe absurdas. A ratoeira impediria Rabicó de comer não só cocadas e coroinhas como tudo mais, e ele morreria de fome.
— "Bissurdo", Ră! — disse ela. — A sua ratoeira acabava matando Rabicó e Dona Benta ficava danada.
— Você não me entendeu, Emília. A ratoeira só funcionaria quando ele quisesse comer coroinhas. Para abóbora, milho, mandioca e o resto, não.
— Mas como a ratoeira podia saber quando era coroinha?
— Pelo cheiro. Eu punha um bom nariz na ratoeira.
Emília olhou para a Rã com o rabo dos olhos. Aquela menina estava com jeito de ser maluca ... Apesar disso, encarregou-a de reformar Rabicó. A Rã mudou de assunto.
— Na carta que você me escreveu, Emília, encontrei a palavra "bissolutamente" em vez de "absolutamente"; e agora você disse "bissurdo" em vez de "absurdo". Está reformando as palavras também?
— Ainda não, mas já pensei nisso. Por enquanto me limito a cortar uma ou outra letra com a qual me implico. O "a" de certas palavras me obriga a abrir muito a boca e meu queixo pode cair, como o da filha de Nhá Veva. Experimente dizer "absurdo" sem abrir a boca.