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A REFORMA DA NATUREZA
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drinho quem mexe na bolsa, para certas reinações. Pois os percevejos poderão ficar odres vivos com perfumes dentro. E as perfumarias podem fazer criações de percevejos de todas as qualidades. As moças chegam e pedem: "Quero uma dúzia de percevejos Bouton d'Or, ou Kananga do Japão, ou Heliotropo", e quando quiserem perfumar-se basta que tirem um do chiqueirinho de cristal (que irão ter em seus toucadores) e o espremam no lenço, no peito, na nuca, na ponta das orelhas. E saem para a rua, muito vaidosas. E quando duas se encontram, uma pergunta para a outra: "Que percevejo você usa, Quinota? Dos nacionais ou estrangeiros?" E a Quinota, que é moça grã-fina, responderá orgulhosamente: "Só uso percevejos de Paris, da criação de Coty" — e lá se vai rebolando que nem uma cotia.

A Rãzinha aprovou a idéia — e de idéia em idéia as duas chegaram ao peso. Emília implicava-se com o peso das coisas. Cada vez que queria mover um objeto, uma cadeira ou um pedaço de pau, tinha de chamar o Visconde ou tia Nastácia.

— Para que peso? — disse ela. — Se as coisas não tivessem peso, o mundo seria muito mais interessante. Eu acho as cadeiras pesadíssimas, coitadas. Só gente grande pode com elas. Vamos reformar a cadeirinha de pernas serradas de Dona Benta?

Como essa famosa cadeira estivesse ali no quarto, fizeram imediatamente a reforma: suprimiram-lhe o peso. Mas aconteceu uma coisa imprevista. A pobre cadeira ergueu-se no ar e ficou grudada ao forro. As duas reformadoras espantaram-se daquilo. Súbito, Emília compreendeu o fenômeno e berrou:

— Já sei! O Visconde me explicou isso. O peso é o que prende as coisas à superficie da terra. Ele diz que o peso vem duma tal força da gravidade, que puxa todas as coisas para o centro da terra. Essa força da gravidade é a atração, ou força centrípeta. Você não imagina, Rã, como o Visconde sabe coisas! Um danadinho! Ele disse também que o contrário da força centrípeta é a força centrífuga — que em vez de puxar as coisas para o centro da terra, expulsa as coisas para longe do centro da terra. Foi o que aconteceu com a cadeira de Dona Benta. Como nós destruímos o peso dela, a força centrípeta desapareceu, só ficando a força centrífuga — e lá foi a cadeira parar no forro. E se este quarto não tivesse forro, a pobre cadeira se sumiria para sempre no espaço infinito...

Aquela experiência fez que Emília respeitasse o peso de todas as outras coisas, pois do contrário o Sítio ficaria mais nu de objetos do que a cabeça do Quindó da farmácia, que era nua de cabelos.