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A REFORMA DA NATUREZA
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que era aquilo? Não estavam reconhecndo a velha saleta da entrada. Tudo esquisito, tudo diferente.

— Que é isto, Emilia? Que significam estas mudanças?

Emília contou tudo.

— Eu reformei a Natureza — disse ela. — Sempre tive a idéia de que o mundo por aqui estava tão torto como a Europa, e enquanto a senhora consertava a Europa eu consertei o Sítio.

— Consertou o Sítio?! — repetiu Dona Benta sem entender coisa nenhuma. — Que história é essa?

Narizinho interveio:

— Eu bem disse, vovó, que ela queria ficar sozinha para fazer coisas malucas. Fui là ao meu quarto e encontrei a cama pendurada no forro, imagine!...

— E eu — disse Pedrinho entrando — fui à biblioteca e encontrei os seus livros cheirando a alho e a cebola. Abri um, provei: gosto de sopa; páginas adiante, gosto de carne assada...

O assombro de Dona Benta não tinha limites, e por mais que Emília explicasse ela ficava na mesma. Súbito, deu com a Răzinha.

— Quem é esta menina? perguntou.

— É a Ra.

— Que ră?

— A Rãzinha da Silva, minha amiga do Rio, que veio ajudar-me na reforma da Natureza.

O assombro de Dona Benta crescia, e cresceu ainda mais quando tia Nastácia apareceu aos berros.

— Sinhá, Sinhá, está tudo esquisito lá na cozinha! Pus o leite no fogo; assim que começou a ferver, assobiou!...

— Assobiou, o leite, Nastácia?

— Sim, Sinhá, assobiou, e o fogo no mesmo instantinho apagou por si mesmo. Aquilo está com feitiçaria, Sinhá. Andou alguma bruxa por aqui...

— A bruxa é ela — disse Narizinho apontando para Emília. — Diz que reformou a Natureza. . .

Dona Benta não voltava a si do espanto.

— Mas que absurdo, Emília, reformar a Natureza! Quem somos nós para corrigir qualquer coisa do que existe? E quando reformamos qualquer coisa, aparecem logo muitas conseqüências que não previmos. A obra da Natureza é muito sábia, não pode sofrer reformas de pobres criaturas como nós. Tudo quanto existe levou milhões de anos a formar-se, a adaptar-se; e se está no ponto em que está, existem mil razões para isso.